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A greve de sexo de Gleisi Hoffmann: toda mulher viverá um dia como feminista

A senadora petista Gleisi Hoffmann propôs greve de sexo no Dia da Mulher. O que as mulheres ganharão com isso, além de um dia de feminista?

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Gleisi Hoffmann em filmagem antiga

A julgar por sua coerência impoluta, Gleisi Hoffmann não está transando hoje. A senadora (PT/PR) foi à tribuna do Senado ontem para revelar seu plano feminista para o Dia Internacional da Mulher: greve total, inclusive de atividades domésticas e, last but not least, abstenção sexual.

Disse Gleisi Hoffmann:

“Neste ano, o dia 8 de março será um dia de greves. Vamos fazer greves. Vamos fazer greves nas escolas, nas nossas casas. Estamos chamando para fazer greves nas atividades domésticas, fazer greves na área de trabalho, fazer bloqueio de estradas, fazer marchas, fazer abstenção de todo trabalho doméstico, inclusive abstenção sexual. É isso.”

Uma greve de sexo é uma das mais primitivas e, talvez, uma das maiores forças que uma mulher possui. Tal como uma greve de fome costuma ser o único recado que um prisioneiro de um totalitarismo possa dar ao mundo exterior, que costuma com facilidade incensar tiranias, desde que longínquas e com um nome social, uma greve de sexo atinge o homem no que ele costuma ter de difícil auto-controle: seu instinto.

Para entender por que o marido de Gleisi Hoffmann, Paulo Bernardo, vai passar a noite de hoje a amargurar suas lágrimas solitárias no sofá, não é preciso muito mais do que entender que a paixão da concupiscência, o apetite sexual, é o que o homem possui de passivo (ao contrário do apetite intelectual). É ordenado pelo que São Tomás de Aquino define como a virtude cardeal da temperança, que ordena a natureza concupscível, dos deleites, que mantêm a espécie.

Outra paixão passiva é a nossa natureza irascível, que permite o enfrentamento de obstáculos. Esta é regulada pela virtude cardeal da fortaleza, enquanto as virtudes cardeais da justiça (vontade racional) e da prudência (ação e intelecto prático) são virtudes que dependem de nossa ação.

Enquanto Paulo Bernardo vai dormir na seca, e nem é por ter sido preso (passou não mais do que uma noite na cadeia), podemos lembrar de como o tema foi bem retratado na comédia Lisístrata, de Aristófanes, mostrando que comédias escritas na Grécia há 2.400 anos são muito mais engraçadas do que todos os Portas dos Fundos e outros youtubers da vida juntos.

Lisístrata, que não se parece com Gleisi Hoffmann em nenhuma paixão ou virtude, é uma mulher ateniense que percebe que seu marido e toda a cidade estão se envolvendo numa guerra fratricida e sem razão de ser com os espartanos, a famosa Guerra do Peloponeso. A guerra deixava Atenas e Esparta enfraquecidas perante um adversário comum: os persas. Algo bem anos 2017. Lisístrata, então, lidera uma greve de sexo, até que os homens da cidade celebrem a paz.

É graças às mulheres, na peça, que a paz reina, numa complexa trama de paixões e virtudes: homens, incapazes de reconhecer a justiça da paz por suas cabeças-duras (vontade intelectual, ativa), acabam sendo forçados a reconhecer o valor da harmonia por serem atacados em uma frente em que não têm controle algum: seu apetite sexual (desejo concupscível, passivo).

Aristófanes reconhece algo que hoje é tabu para pessoas como Gleisi Hoffmann: que aos homens (sexo masculino) são muito mais necessárias as virtudes da temperança e da fortaleza por serem muito mais sujeitos às paixões passivas da concupiscência e da ira.

Apenas no mundo moderno que as mulheres possuem um apetite sexual um pouco próximo ao dos homens, criado sob toda sorte de estímulos e de atividades que as mulheres foram tomando no lugar dos homens. Mas ainda sofrem menos da paixão da concupiscência, podendo se dar ao luxo de uma greve de sexo, o que está acima das possibilidades de ação sem virtude dos homens.

É com o entendimento destas virtudes que podemos entender grandes enredos da melhor produção da humanidade, como Tristão e Isolda, que dormem com uma espada entre si, ou Siegfried, que conhece Brunhilde em uma armadura e precisa atravessar um anel de fogo e enfrentar um dragão para conquistá-la. Ambos os casais são enganados por poções mágicas que os envolvem em tramas ainda mais complexas de traição e poder – e ambos foram magnanimamente retratados, com todas as suas paixões e virtudes, por Richard Wagner (vide o belo livro de Roger Scruton, Coração Devotado à Morte). O mesmo tema é retratado no estupendo romance de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.

https://twitter.com/flaviomorgen/status/839410295344881664

Já Gleisi Hoffmann, para deixar Paulo Bernardo sozinho com a espada, não parece interessada em grandes virtudes, nem temperança e fortaleza, menos ainda em justiça e prudência. Não está interessada nas grandes questões da humanidade que exigem os maiores sacrifícios.

Para Gleisi Hoffmann, trata-se apenas de “ser vista”, “como na Finlândia”. É uma greve de sexo por, digamos, destaque. Desfrangalhando o famoso discurso de Winston Churchill (“we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender!”), Gleisi apenas elenca onde quer que as mulheres façam greve: nas escolas, nas casas, nas camas.

Não é uma greve de sexo pela paz no Peloponeso – está mais por uma igualdade modelo Leito de Procrustes: quer transformar coisas desiguais em iguais cortando seus pedaços excedentes e esticando os faltantes. É uma greve de sexo sem objetivo e sem objeto específico: o que a psicologia diferencia entre o medo e a angústia (o medo tem um elemento discernível, a angústia não). Uma gigante histeria coletiva tão somente para ganhar alguma atenção.

Para quem se preocupa com alguma aplicação real, com alguma utilidade prática, com alguma verdade concreta no, digamos, método de Gleisi Hoffmann, uma série de questões bem mais pedestre do que uma discussão sobre virtudes surge: se uma mulher faltar ao trabalho, não acabará ganhando ainda menos, e depois vai culpar os homens pelo chamado “gender gap” de “desigualdade salarial”?

https://twitter.com/flaviomorgen/status/839489494206267392

Se as mulheres faltarem às creches, não serão as outras mulheres que deixaram seus filhos na creche que terão de ir buscá-los, e só deixaram seus filhos lá para cumprir funções antes masculinas, e agora tratadas pelas feministas como demoníacas e injustas? E se as mulheres devem dormir de calça jeans… bem, por que as mulheres estariam casadas com os “machistas”, para começo de conversa? Afinal, o que será que Paulo Bernardo fez de tão mal a Gleisi Hoffmann para que ela hoje se recuse a deixá-lo com melhor companhia do que sua própria masculinidade culpada coberta de lágrimas?

Será que ele fez alguma coisa com a aposentadoria de Gleisi? Aí seria mesmo imperdoável.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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