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Coerência

Cassação da chapa: Cadê a turma “Fora Temer”?

Quando petistas são obrigados a defender Temer, o vice de Dilma, para não admitir um OUTRO crime de Dilma, seu destino está selado.

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Michel Temer come carne. Capa do Mayhem

Com o processo de cassação da chapa Dilma-Temer se tornando uma realidade com todas as suas conseqüências não-abstratas, finalmente fez jornalistas e comentadores de política prestarem atenção a algo de tamanho peso que já se desenha no horizonte desde 2014.

Expressões de peso acadêmico, mas de significado engraçado, como “maturidade institucional” ou “peso político do julgamento”, são useiras e vezeiras na grande e velha mídia, acostumada com velhas palavras, arcaicos conceitos, nonagenários personagens, provectos partidos e vetustas explicações prontas para tudo.

Hoje, diz-se até que uma eventual cassação da chapa Dilma-Temer (que significa, na prática, tão somente uma cassação a Michel Temer, o vice de Dilma) iria causar “instabilidade” ao país e que a política ficaria “paralisada”. Ou seja, amanhã será como hoje, nada de novo no front.

Na prática, o TSE e o STF têm a seu dispor a capacidade de julgar, por um país inteiro, se o que vale mais é uma lei ou uma pessoa. Ou então, uma lei e uma praxis, uma “estabilidade”, uma situação de normalidade para inglês ver, uma ilegalidade interpretada pelo modelo “se todos fizeram, por que começar a punir?”.

A grande e velha mídia, preocupadíssima com sabe-se lá o que, lembra o discurso pró-Collor, afirmando que uma cassação da chapa Dilma-Temer geraria um clima de “incerteza”. Hoje, a grande certeza do Brasil não pode ser pronunciada perto de crianças. O clima de certeza de punição no caso de não cumprimento da lei realmente seria uma estranheza absoluta para o país. Advogados, jornalistas, políticos e o STF teriam de reaprender tudo o que sabem do zero.

Mas se o ano dos novos conceitos em substituição a palavras ultrapassadas só está fazendo mais uma vítima (e a vítima é apenas Michel Temer, o vice de Dilma, e não o Brasil), ainda resta saber onde estão as pessoas que tanto conclamaram por um “Fora Temer!” (assim mesmo, sem vírgula antes do vocativo), tão logo o vice da Dilma, no qual apenas eleitores de Dilma votaram, assumiu o cargo.

A cassação do pacto Dilma-Temer pelo TSE se dá por motivos outros que não os do impeachment: não se trata de pedaladas, mas do uso de recursos ilícitos para o financiamento de campanha. Dilma Rousseff cometeu crimes (no plural) sozinha, e também um crime em conluio com Michel Temer, seu vice. Arrolar todos os crimes de Dilma exige muitas páginas, e raros petistas entenderiam ao menos o título.

É claro que quem vocifera “Fora Temer”, sem vírgula, não é muito bom pensador para realizar tais operações sinápticas com destreza: apenas reagem behavioristicamente a estímulos verbais sem significado, como “golpe!” ou “fora!” – quanto mais simples, melhor. Todo governo não-petista é “ilegítimo”, mas todo questionamento sobre a legalidade de um governo petista é “golpe”. Coerência nunca será seu forte.

Exatamente por isso é fácil saber que a turma “Fora Temer”, sem vírgula, não apoiaria a cassação da chapa do vice da Dilma. Há um problema óbvio: por mais que a população não saiba pensar filosoficamente, ou mesmo academicamente, o efeito de um discurso contraditório acaba sempre sendo desmascarado. Pode não ser com a rapidez que seu efeito produz em quem estuda lógica formal, mas acaba sendo notado como falso mais cedo ou mais tarde.

Se há alguma dúvida a respeito do futuro da esquerda e do PT, que viveram apenas de discurso por todas essas décadas, quando seu discurso não convence mais nem a si mesmo, basta testemunhar a ausência do foratemerismo agora.

A ausência de comemoração em caso de queda de Temer, o vice da Dilma, acusado de ser um presidente desejado por quem não é eleitor do PT, revelará que Trotsky ainda pode ensinar algo com a expressão “lata de lixo de história”, onde ele próprio encontrou seu destino.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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