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Polêmica

Se o nazismo é “de direita”, por que é a esquerda que odeia Israel?

Os nazistas eram inimigos do "imperialismo e colonialismo burguês" da Inglaterra e do sionismo. Fora o totalitarismo soviético, são exatamente os mesmos inimigos da esquerda.

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Esquerda prega boicote a Israel, mas diz que nazismo seria "de direita"

Devido a fatos recentes, voltou-se a discutir sobre a afiliação ideológica do nazismo (nacional-socialismo), que a historiografia marxista, sobretudo a Escola Marxista Britânica (de E. P. Thompson e Eric Hobsbawm), passou a classificar, a posteriori, como de “extrema-direita”, pela única razão de ter se oposto à União Soviética (o que trai a premissa de que todo o mundo livre seria, naturalmente, de direita).

A despeito desta única desculpa, nenhum nazista nunca afirmou que é direitista ou conservador, capitalista. O termo foi dado artificialmente por marxistas e simplesmente foi “aceito” academicamente, numa época em que ninguém tinha coragem de discutir abertamente os crimes nazistas.

História é uma disciplina que não pode ser feita por analogias. É como se buscar entender um evento desconhecido – digamos, a Batalha da Antioquia, entre o Egito Ptolemaico e a Síria Selêucida, em 145 a. C. – e tentar fazer uma metáfora com o que já é conhecido. Quem era a direita e a esquerda da batalha? Quem era o petista e quem era o tucano? Qual lado era o capitalista e qual o comunista? A analogia, magnífica para a poesia e a sabedoria profética, apenas confunde e falsifica a descrição objetiva histórica. Pouca coisa no mundo foi mais falsificador do que o reducionismo marxista na historiografia.

Para o pesquisador que observa fatos, ao invés de teorias acadêmicas, tentando forçar a realidade a caber no funil de sua ideologia, é preciso antes observar um fenômeno tão complexo e gritante como o nazismo por si, sem tentar compará-lo com o que o nazismo não é, mas pode parecer – seria o mesmo que estudar as Grandes Navegações comparando-as ao Campeonato Brasileiro. A tática do reducionismo é atrelar o nazismo a quem é tão não-nazista que repudia o nazismo, e acaba se calando e preferindo a historiografia reducionista para não ser associado ao nazismo – daí o macete de tentar chamar o nazismo de “direitista”, o que nazista nenhum no mundo nunca afirmou sobre si.

Observando os fatos, é rigorosamente impossível discutir o tema sem responder à questão fundamental: por que nazistas odiavam judeus? Por que não japoneses? Ou libaneses? Ou latinos? Ou búlgaros? Ou muçulmanos? A Alemanha tem uma população turca absolutamente gigante, o Império Otomano lutou com o Império Alemão na Primeira Guerra, e a retórica belicosa de Hitler nunca se voltou contra muçulmanos.

Adolf Hitler e o "Grande Mufti de Jerusalém", Amin al-HusseinMuito pelo contrário: o discurso do “nacionalismo palestino”, um “país” inventado com o desacompanhado motivo de fragmentar o território de Israel, entrou na discussão ocidental justamente pelas mãos de Adolf Hitler, que recebeu o auto-intitulado “Grande mufti de Jerusalém”, Mohammed Amin al-Husseini, para trazer a “causa palestina” para o Ocidente.

Após o encontro de Benito Mussolini com al-Husseini em Roma, em 27 de outubro de 1941, inicia-se a cooperação germano-árabe, conhecidíssima por qualquer historiador que não os reducionistas marxistas e sua “luta de classes”.

Nazistas e o “nacionalismo palestino” iniciam uma luta contra o “colonialismo britânico” e defendem a soberania islâmica de países como Iraque, Síria, “Palestina” e a Transjordânia, tendo como inimigos, além da Grã-Bretanha, “liberal e imperialista”, o sionismo, o Estado judeu. Além de Joachim von Ribbentrop, al-Husseini discute a “causa palestina” com altos oficiais nazistas como Ernst von Weizsäcker e, claro, Adolf Hitler, com quem se encontra em 28 de novembro de 1941.

Hamas faz o gesto nazistaNão deixa de ser curioso notar que a visão histórica nazista, de judeus controlando o mundo, pregando uma retomada dos povos étnicos locais nos seus governos, é rigorosamente idêntica à historiografia anti-colonialista – praticamente a única conhecida no Brasil, por exemplo, confundida por alunos de História com os próprios fatos, em pura análise científica desinteressada.

A única diferença é que o nazismo se voltou contra a União Soviética após desfeito o Pacto Ribbentrop-Molotov, e como a esquerda apóia o totalitarismo soviético, preferiu jogar o nazismo para o outro lado. O Pacto Ribbentrop-Molotov, diga-se, só existiu porque tanto nazistas quanto comunistas tinham como inimigo maior não um ao outro, mas o “imperialismo inglês”.

Entretanto, quando são os mulás iranianos (país indo-europeu, cujo nome também é dito ariano, como o Aryan Bank) negando o Holocausto ou os palestinos e jihadistas pregando a destruição do Estado de Israel, aí a esquerda “esquece” quanto é feio matar judeus, e que supostamente anti-semitismo não seria uma característica sua, e defende os anti-semitas através da ótica do “orientalismo” de Edward Said, do “multiculturalismo” corrente ou, claro, do “anti-colonialismo”. Apenas se usa outros termos, para a mesma teoria.

Hoje, a esquerda no mundo prega uma política rigorosamente anti-colonialista, e tem como grandes inimigos, sobretudo, a América e Israel.

Deputado Babá, do PSOL, queima bandeira de IsraelVocê não verá esquerdistas criticando o paredón e a falta de liberdade em Cuba ou na Venezuela, marchando para que se derrote a Coréia do Norte ou colocando mensagens no Facebook gritando “Lembrem-se de Holodomor” ou “Não se esqueçam do genocídio do Khmer Vermelho“. Muito menos comemorando a queda do Muro de Berlim. Em compensação, é a primeira a gritar contra os “crimes” de Israel ou da América ao se defenderem de regimes totalitários, alguns deles piores do que o nazismo.

O nazismo definitivamente se afasta da esquerda em algumas questões, como o materialismo (o nazismo surge de uma sociedade mística existente até hoje, a Thule-Gesellschaft) ou a forma de socialismo – o “socialismo alemão” das tribos alemãs primitivas, almejado pelo Terceiro Reich, era étnico, ao contrário do socialismo internacionalista do Comintern.

Uma das mais interessantes diferenças é a propriedade privada: enquanto a esquerda só foi aceitá-la com a moderna teoria da “social democracia” (não confundir com a antiga teoria homônima, como a do Partido Operário Social-Democrata Russo, que geraria os Partidos Bolchevique e Menchevique), os nazistas já haviam feito um sistema misto.

John T. Flynn, ao definir o nazismo, já havia notado que a economia nazista é controlada via sindicatos. Ludwig von Mises, economista conservador e judeu, explica, no seu curto, porém magistral As Seis Lições, que, apesar de haver “empresas privadas” na Alemanha nazista, o empresário era chamado de “diretor” de negócios (Betriebsführer). Uma série de “Führers” controlavam a economia, submetida a um plano coletivista: até o conjunto de empregados era denominado por uma palavra que denominava o séquito de um senhor feudal na Idade Média: Gefolgschaft.

Propaganda social nazista com família alemãOs salários eram decretados pelo governo (no que o trabalhismo moderno da esquerda copiou pari passu) e a produção era determinada por Goering, ministro da Economia. Sem os lucros, a “usura” judaica da especulação financeira burguesa, tão odiada e “inimiga da nação alemã”, toda mudança econômica tinha de ser informada para o diretor de distrito (Gauführer) num controle total. O nazismo não seria um totalitarismo, afinal, sem controle da propriedade privada.

O curioso é que, mesmo nestes pequenos detalhes, a esquerda moderna conseguiu paulatinamente ir imitando os nazistas. O próprio “gênio” econômico da social-democracia moderna, John Maynard Keynes, elogiou o modelo econômico de Adolf Hitler, enquanto o direitista Friedrich von Hayek afirmava que tal “dirigismo social” levaria necessariamente ao “caminho da servidão”.

O misticismo new age retomou força total nos anos 90, com a esquerda percebendo que não poderia contar apenas com materialistas e, após o giro da Escola de Frankfurt, perceber que seu maior inimigo é a religião, e não a propriedade (esta existe para proteger aquela, e não o contrário, como pensava Marx). No mais, a própria questão moderna sobre Israel e os países muçulmanos responde quem tem parentesco com o nazismo – se a esquerda ou a direita.

Lula e Mahmoud Ahmadinejad, ditador do IrãEmbora até mesmo a União Soviética, que tanto praticou anti-semitismo, tenha iniciado uma campanha contra o anti-semitismo na aurora da Segunda Guerra, basta-se pensar no que a esquerda pretende fazer com judeus – um dos poucos povos que ficariam sem um país próprio sem Israel – para se perceber como o anti-semitismo, na maior parte das vezes, apenas troca de nome para variações suaves, de maior aceitação social. Hoje, os negadores do Holocausto são os parceiros da esquerda no mundo, como o ditador do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, com negócios na América Latina com a Venezuela e o Brasil do PT. O Irã promove concursos de cartunistas negadores do Holocausto, em que o cartunista esquerdista brasileiro Carlos Latuff participa. Nenhum direitista aparece para “negar o Holocausto” nazista (a não ser quando a esquerda resolve chamar um neonazista de “direitista” quando ele não tem tanto apelo quanto Carlos Latuff).

Afinal, não é a esquerda que, via ONU, critica os assentamentos israelenses nas Colinas de Golan, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, como “questão humanitária”? E o que são assentamentos, senão lugares onde judeus moram? Adolf Hitler ele próprio também criticaria “assentamentos judeus” como questão alemã. Basta trocar para “humanitária” e voilà. Ou alguém imagina que é a direita brasileira, por exemplo, que critica bairros judeus como Higienópolis?

Afinal, Adolf Hitler se parece mais com Stalin ou com Churchill? Não é preciso muito além para saber que, se o nazismo é uma “terceira via” (como eles próprios se declaram), ela é um desvio da rota da esquerda, não da direita. Ou até melhor: Adolf Hitler hoje se pareceria mais com Mahmoud Ahmadinejad e Nicolás Maduro ou com Benjamin Netanyahu?

Marcha no Irã pede o fim de IsraelMesmo a linguagem nazista sobrevive hoje não no pensamento do retorno à tradição judaico-cristã da direita, mas na própria esquerda. As analogias, a retórica inflamada, a urgência artificial, o gosto pelo modernismo e por um progresso prometendo um futuro glorioso descrito por Victor Klemperer (um autor de esquerda) em LTI: A linguagem do Terceiro Reich, encontra pasto e circunstância hoje em Hugo Chávez ou Noam Chomsky, para não falar de pós-modernos como Slavoj Žižek (que afirma que o defeito de Hitler foi ser “pouco violento” contra o capitalismo) ou Judith Butler. Nem mesmo o histrionismo de Donald Trump encontra qualquer relação.

É ainda preciso lembrar que praticamente todos os conservadores tiveram de fugir do Terceiro Reich (incluindo Ludwig von Mises e Eric Voegelin, os maiores nomes da direita mundial), e que os judeus tradicionais, como Viktor Frankl e Franz Rosenzweig, são todos a própria apoteose do conservadorismo, e não da esquerda?

Será que é preciso ser gênio para perceber disso, ou apenas olhar para a realidade, e não para livros ideológicos tentando nos convencer de que eles próprios são a verdade revelada, tão somente por terem ganhado hegemonia de pensamento marxista nas faculdades de Humanas?

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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