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I love to hate you

CRÔNICA: Encômios e lamúrias às redes sociais

Acostumemo-nos a longas horas de fugas do trabalho, dessocialização real, imersões de hora em hora na fingida alegria alheia. É o fim do mundo? Não

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Há uns vinte anos você podia ir no seu bar preferido, encontrava um monte de gente distinta, gente das mais variadas visões etílicas (até mesmo gente sóbria dava as caras por lá) e podia discutir qualquer polêmica tendo sempre no horizonte que, dependendo do que dissesse, poderia levar uma garrafada de Passport ou de Malte 90 na testa.

Quem viveu nesse tempo sabe que não é qualquer chororô (palavra bem mais refinada que mimimi) que vai convencer gente que passa a semana se matando de trabalhar e que, na doce sexta-feira (dia oficial do porre no boteco), quer desfrutar uma discussão genuína, dessas que acabam com declarações de amor ou boletins de ocorrência na polícia.

Isso já não é mais possível. O advento da internet deu carga à cólera de uma miríade de antissociais ressentidos; gente doentinha que andava na rua de cabeça baixa, ajeitando a camisa dentro da calça.

Mas esse texto não é uma condenação ao universo virtual. Esses tipos esquisitos são o efeito colateral de uma nova forma de ver e agir no mundo. As redes sociais mudaram os móveis de lugar e toda a configuração da vida. Elas são um saco, eu sei. Mas sem elas, ainda estaríamos colocando muito etcétera nos assuntos.

As redes sociais são um saco. Mas sem as redes ainda estaríamos acreditando em pesquisa do Datafolha, matéria emotiva no Fantástico e capa da Veja.

Sem as redes, Miriam Leitão e Jô Soares seriam tratados como intelectuais, Pedro Bial, com seus textos de BBB, seria o máximo do estilo literário, e pior: teria gente tendo que rir, mesmo fora da UTI, de Marcelo Adnet e Greg Duduvier com medo de ser chamado de chato.

As redes são um baita problema: perfil fake, valentão de um metro e quarenta com foto de lenhador, tutor da cultura pop, subcelebridade com 17 pontos de QI. É verdade. Lembra do efeito colateral? Muitas vezes, dá uma preguiça. Mas sem elas, as redes, ainda estaríamos elegendo petista (há o risco no ar novamente), gente do DEM e do MDB.

Ou vocês ainda acreditam na Globo? Só quem não sabe amarrar o próprio cadarço sozinho ainda acredita nessa turma.

Tá bom! Elegemos um monte de cabeça de bagre também; levamos a sério Lobão e Andreazza, Reinaldo Azevedo, Kim Kataguiri e João Amoedo. Gente desprezível hoje comenta em rádio; alpinista intelectual se acha influenciador.

Mas as próprias redes se encarregam de desmascará-los.

Parece que foi ontem: eu conversava numa mesa com uns amigos que estavam elogiando o Jô. O acima mencionado Jô. Pois eu me viro e digo: – Jô não é um intelectual. Entreolharam-se todos, abismados com a heresia. Sem as redes, ainda estariam lá, os olhos esbugalhados, imaginando que eu era um tipo de bárbaro ao pé de uma cidade, pronto a destruí-la.

As redes consagram e condenam num átimo de tempo. Vá lá. Sem as redes, a fama e o desterro perduravam. Pisaram na alma do Wilson Simonal, trituraram-lhe o canto. As capitanias da cultura não toleravam desvios. Hoje, depois das redes, só pré-adolescente de 40 anos da Vila Madalena ainda ama o Chico.

As redes também nos distraem das importâncias da vida. Eu por exemplo devo todos os meus oito livros não escritos à pressão exercida pelo pequeno diabinho da procrastinação que foi libertado assim que se disse a mágica palavra: ORKUT¹.

Elas vieram e de cá não sairão mais. Acostumemo-nos a longas horas de fugas do trabalho, dessocialização real, imersões de hora em hora na fingida alegria alheia. É o fim do mundo? Não. Não é nem o fim de Veras, Adnets e Jô’s. E nem tenho essa pretensão de mandar pro ostracismo gente que trabalha pra isso com muito mais afinco que eu.

As redes, hoje, são o pavor dos que adoram falar e não querem ouvir. Produzem personalidades de cera, cheias de vaidade e com um cagaço titânico da controvérsia.

Não temam as redes. Usem-na com sábia moderação. Nenhum Hamlet deixaria de ser escrito se Shakespeare, ao invés de destroçar tecos inteiros de sua alma, esmagado nalgum pub quinhentista, estivesse curtindo a foto do último ensaio de Marlowe. Eu mesmo, que não sou nenhum Marlowe e não realizo ensaios, não perderia meu tempo tentando agradar um Shakespeare qualquer numa rede social.

¹ Orkut, em braile e em sânscrito, quer dizer: larga esse livro e vem ver isso aqui!


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Assuntos:
Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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