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Vagas lembranças

CRÔNICA: Bugigangas & Pequenas Vergonhas

Notinhas garimpadas em meus alfarrábios, no lado B das minhas vagas lembranças (esse troço que vocês aí chamam de memória), e apontamentos autobiográficos não-autorizados

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Bugigangas & Pequenas Vergonhas

“Aí está, pois: eu tomo notas. Livro é coisa de pobre; de gente que lê Veja; que escreve para publicação brasileira; que foi, é ou vai ser contratada pela Globo. Seria uma questão de tempo eu ceder e terminar (…) publicado e resenhado. Com sorte, passaria despercebido. Mas manjo minhas Eumênides, sei das minhas zebras e o mais provável seria um desses ex-laterais-esquerdos do Olaria, que estudaram na Universidade de Buffalo com o Afonso Romano de Santanna, acabar me arrasando – pior: louvando! – em palestra sobre Comunicação na sala de conferência de um hotel com um nome assim deprimente como Maksoud-Plaza.”

Ivan Lessa

Também tomo notas. Mas, ao contrário do terrível Ivan (o melhor não escritor do Brasil), não passa daí minha capacidade literária. Escapa-me como alguém consegue escrever livros. Um sujeito como Robert Musil conceber um calhamaço como O homem sem qualidades ou como Thomas Mann, A montanha mágica, pra mim, é coisa que já entra no plano do sobrenatural. Se a gente apanha feito mala velha pra ler e entender essas obras, tento imaginar o esforço inumano dos autores para compô-las. Tá louco!  

Mais extraordinário é o G. K. Chesterton, que escreveu Ortodoxia, uma de suas obras primas, só pra responder à provocação de um chato, um tal G.S. Street.

Imagina:

– Ó, Luigi, o Ruas chamou teu pai de careca e tua mãe de bicicleta.
– Ah, péra que eu vou pra casa escrever uma obra prima e já volto.

Aí vou pra casa, crio uma obra colossal, jogo duas partidas de paciência spider, rezo e vou dormir com os anjos, como se nada tivesse acontecido. 

Pra mim, um dom assim é um gigantesco espanto. Coisa de Deus, mesmo.

brasil paralelo

Então é isso, no máximo tomo notas e, como você já está careca de saber, encho lingüiça por aqui.

Pois, meu estimadíssimo leitor, este “Bugigangas & Pequenas Vergonhas” tem o propósito de servi-lo de… bugigangas (B) e pequenas vergonhas (PV) – notas garimpadas em meus alfarrábios, no lado B das minhas vagas lembranças (esse troço que vocês aí chamam de memória) e apontamentos autobiográficos não-autorizados.

Seguem-se assim, pra começar, uma pequena vergonha e três bugigangas:

Paz estabelecida (PV)

Bacana essa onda de cervejas artesanais e tal. Frutadas, toques de mel, aromas de cereja, café, arroz integral, maracujá, viadagem e vai…

Daí me lembro de uma noite, priscas eras, com o finado amigo Carlos Eduardo Mesquita, o Mesquitinha, meu querido boêmio eterno que, segundo fontes seguras, vive lá no céu das alegrias, tomando uns aperitivos com nosso outro amigo, Orlandinho de Freitas.

Alternativas de cervejas na época: Brahma ou Antarctica. Ah, e – Deus nos livrasse! – Kaiser.  Eu: Antarctica. Ele: Brahma. Depois de umas e outras, sempre caíamos no debate. Um dia quase deu porradaria – foram as “belezas venais” (Bandeira) da zona do cais do porto que abrandaram nossa ira. Ainda assim, discutimos a noite inteira. Ele Brahma, eu Antarctica.

Dia claro, porre estabelecido, saideira em uma mercearia mosca frita no bairro santista do Campo Grande. Eu, Antarctica, faixa azul, trincando. Ele, Brahma, trincando.

Portuga da mercearia: Só tem Kaiser… e tá meio quente, vai?

Foi.

Saudade danada do Mesquitinha.

✤✤✤✤✤

Curto e grosso (B)

Fuçando em meus alfarrábios, achei essa pérola: um memorando dirigido ao ministro das Relações Exteriores do governo Costa e Silva, Magalhães Pinto, nos seguintes termos:

Assunto: Vinícius de Moraes

Demita-se este vagabundo

Ass. Artur da Costa e Silva

✤✤✤✤✤

Anônimo por sobrevivência (B)

No garimpo das estantes vou me deparando com bobagens formidáveis, perdidas em papeizinhos amarelados.

Não é de hoje essa palhaçada de acabar vendo o sol quadrado por sacanear autoridades.  É só dar uma espiada, por exemplo, no Estado Novo. Não era nada bom pra saúde esculhambar o governo e cair nas mãos da polícia do gorilão Filinto Müller – o  pau comia na tortura, sem dó. Mas, assim como os totalitarismos, a zoeira (mais conhecida por zuêra) também sempre existiu pra não deixar os poderosos em paz.

Veja a singeleza deste autor desconhecido (portador de frinfra e, conseqüentemente, de medo) homenageando em versinho codificado o ditador Getúlio Vargas, também conhecido como Gegê:

Ô Q C V
Ô Q Q A
É O G G
A C K H

✤✤✤✤✤

De Barros (B)

Mais um versinho da era Vargas. Este, de 1939, também anônimo, homenageia Adhemar de Barros – à época interventor federal de São Paulo por indicação do gorilão Filinto Müller e nomeado pelo ditador Getúlio:

Adão foi feito de barro
De barro bom e batuta
Mas o barro do Ademar
Que barro filho da puta

✤✤✤✤✤

Por hoje, that ‘s all folks!


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Assuntos:
Luigi Marnoto

Luigi Marnoto é cozinheiro e só não foi guia de cego e bombeiro. Atualmente escreve no Senso em troca de uns caraminguas. É pai e avô quase exemplar e campeão de porrinha.

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