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Eles não

Opinião de artista não serve nem pra limpar a bunda

Todo artista lacrador quer ter o mesmo prestígio de um Shakespeare ou Dante, mas só consegue mesmo ser uma Anitta ou Tico Santa Cruz

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Artistas "macaquinhos"

Os artistas do Brasil andam ouriçados com a perspectiva de Bolsonaro vencer as eleições. Na verdade, o que incomoda tanto os artistas é outra coisa: o divórcio sem comunhão parcial de bens destes intelectuais com o povo que juram de alguma forma “representar”.

A arte deve servir como uma nova linguagem para interpretar o mundo. Aristóteles mesmo sabia que a poesia é mais importante do que a história: enquanto a última fala sobre o que aconteceu, a primeira fala sobre o que pode acontecer. Exige muito mais imaginação, noção de ética e inteligência para resolução de conflitos do que apenas saber o que já aconteceu. 

Ao menos assim seria com a grande arte (o que, para os gregos, era simplesmente “a arte”). Artistas eram considerados quase tão visionários quanto profetas (ou adivinhos) por portarem uma verdade tão poderosa, com a qual as crianças eram educadas, os reis eram criticados, o futuro era construído. 

Peladão do museu MAMOs artistas atuais, falando daquele Brasil das primeiras décadas do século XXI, crêem que possuem ou devem possuir o mesmo status e prestígio social de “cabeças da sociedade” de um Sófocles, um Virgílio, um Dante, um Shakespeare, um Goethe ou um Machado de Assis, mas a sua produção intelectual é a de Anitta, Daniela Mercury, Mano Brown, Tico Santa Cruz, Emicida e Márcia Tiburi. No caso dos artistas falando em “Democracia Sim”, ainda com algumas ajudas, como do advogado Pierpaolo Bottini, que defende Joesley Batista. É essa turma que quer falar em “patrimônio civilizatório”. Como o Brasil poderia estar em melhores mãos, afinal?

A relação dos artistas e intelectuais com o poder sempre foi complexa, e na maior parte da história, de subserviência. Foram artistas e intelectuais que convenceram o povo a adorar tiranos, dos artistas e poetas financiados pelo cruel tirano Tito Flávio Domiciano à vida de luxo e ostentação que Konstantin Simonov tinha graças a Stalin, em troca de encômios e propaganda ideológica. Até hoje, lemos com respeito imposto intelectuais que bajularam reis e justificaram seu poder, como Maquiavel e Hobbes (que C. S. Lewis enxerga como o fundador da idéia de esquerdismo). Foram artistas e intelectuais que se uniram aos reis para derrotar a aristocracia medieval e concentrar poder no futuro absolutismo, são artistas e intelectuais que tratam Barack Obama e Lula como santos, sem entender lhufas sobre os reais problemas do mundo e os horrendos crimes de seus ídolos.

Performance de artistas "Macaquinhos"Mais sábios seriam tais sumidades se lessem o que filósofos dizem sobre o papel de artistas na sociedade, desde que a filosofia foi inaugurada no Ocidente no século IV a. C. Bastaria conferir o Íon, de Platão, para descobrir que repetem pari passu o comportamento de uma classe mimada, arrogante, esnobe e mais interessada no poder do que no seu próprio talento, sabedoria e papel social.

Íon, numa curiosa exceção dos diálogos platônicos, não era um sofista, mas um rapsodo, ou seja, não um poeta, mas alguém que declamava as longas poesias nas ruas sem tê-las composto. O equivalente da Antigüidade aos cantores bonitões cantando clássicos. 

Sócrates quer saber o que Íon pensa sobre arte. E Íon não fala apenas como um admirador diletante, mas da autoridade de um Artista com A maiúsculo, como se ele próprio fosse Homero, esquecendo-se que é apenas o galã de altissonante voz que apresenta ao público um poema que nem ele próprio é capaz de compreender perfeitamente. 

Peladão do Museu cercado de meninas no Goethe Institut de SalvadorMas Sócrates, com sua ironia sagaz de sempre, pergunta se Íon é capaz de realizar as coisas que declama no poema. Por exemplo, se é capaz de ser um bom cozinheiro (função geralmente delegada aos escravos), já que Homero descreve tantas cenas de culinária. E assim por diante. Íon, o vaidoso, separa as descrições baixas do poema de seu próprio garbo e elegância. 

Mas depois de várias perguntas, Sócrates questiona se Íon, por repetir descrições de batalha, seria capaz de liderar um exército como um general, uma posição de imenso prestígio. É aí que Íon inverte tudo o que acabara de dizer e garante que certamente que é capaz de exercer tal função, afinal, é um rapsodo e conhece tudo do que Homero descreve.

É exatamente a relação com o poder que os artistas e intelectuais têm hoje. Numa era democrática (palavra sempre usada de maneira errada, sobretudo por… artistas e intelectuais), julgam que falam em nome do povo. Nada, como delimitou Paul Johnson, mais longe da realidade.

Os artistas atuais fazendo manifestos contra Bolsonaro, e sempre falando em nome da “democracia” (que só é democracia quando eles ganham, e ignoram completamente o sentido do termo, de Péricles até antes de Locke), se afastam do povo e de suas aflições para repetirem o jogo de espelhos da lacrolância.

Estes artistas, por aparecerem na Globo, por serem trilha sonora de novela, por terem sua preciosíssima opinião suplicada no Encontro com Fátima Bernardes, por macaquearem com precisão absoluta os ditames da nova ideologia de DCE via PSOL, acreditam piamente que falam em nome do povo. Que sua arte, quase sempre de futilidade extrema ou de facilitação para sexo, é o equivalente moderno de uma Ilíada, de uma Eneida, de uma Divina Comédia, de um Rei Lear, de um Fausto, de um Dom Casmurro. Que basta ter milhões de seguidores no Twitter para que sejam a encarnação dos anseios da nação.

Performance "Tomar no cu"Não fazem mais a menor idéia do que é ser pobre, mesmo falando em nome deles. Crêem mesmo que toda a verborréia sobre minorias resume o problema do Brasil, como se a dissolução das famílias, propagada como maravilhosa justamente por estas mesmas sumidades, não gerasse muito mais problemas do que crise econômica ou a “desigualdade”. Como se mães e pais de família fossem fascistas por desejarem segurança e considerassem que freios sexuais são mais importantes do que satisfação imediata de todos os apetites, sobretudo os impostos artificialmente. 

Como se, afinal, as famílias desesperadas com a criminalidade, com a imposição sexual para crianças e a ideologização total da vida, que acha que um sinal da cruz é o mesmo que Auschwitz, fosse mudar de opinião porque a Daniela Mercury, cujo último e único sucesso foi em 1992, postou no Twitter que é contra Jair Bolsonaro dizendo que “ele não”.

A reação do povo é imediata: não apenas recusar obedecer a “diva pop”, como repudiar também a própria Daniela Mercury, e lembrar que ela própria parece ter uma sobrevida no show business graças à Lei Rouanet, que lhe dá milhões em renúncias fiscais que o próprio povo não ousaria dar a ela. A hashtag #RouanetNão ficou sozinha em primeiro lugar nos Trending Topics do Twitter sem nenhuma ajuda da mídia, em resposta à sua fracassada “Ele não” para exigir votos contra Bolsonaro, mesmo com todo o suporte que a tag de esquerda teve da grande e velha mídia.

Artistas hoje querem ter a mesma admiração de fundadores de nações, de gênios, mesmo de santos e profetas. Ou mais. Mas não sabem que de “arte” sabem só repetir dois acordes e rimar dois verbos no infinitivo para falar de sexo. A opinião deles só importa mesmo para adolescentes alienados e para quem passa a tarde inteira assistindo Malhação e Rede Globo.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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