Para Lula, pedaladas pagaram programas sociais. Lula está certo.
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Em discurso no 1.º Congresso Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), em São Bernardo do Campo, o ex-presidente Lula afirmou que sua sucedânea deveria se defender das “pedaladas” fiscais, que fizeram o TCU, Tribunal de Contas da União, reprovar sua contabilidade.
Para o ex-presidente, Dilma deveria desistir de tentar contra-argumentar com dados e apenas justificá-las, por terem sido usadas para pagar programas sociais:
“Estou vendo a Dilma ser atacada por conta de umas pedaladas. Eu não conheço o processo, mas uma coisa que vocês têm que falar é que talvez a Dilma, em algum momento, tenha deixado de repassar o Orçamento para a Caixa, porque tinha que pagar coisas que não tinha dinheiro. Ela fez as pedaladas para pagar o Bolsa Família, ela fez as pedaladas para pagar o Minha Casa Minha Vida”, disse Lula num discurso de cerca de meia hora.
Lula não poderia estar mais certo. Se o Brasil enfrenta uma crise hoje, com dólar alto, inflação galopante, retração econômica de mais de 2% do PIB (em termos heterogêneos, todos terminaremos o ano 2% mais pobres do que começamos), desemprego crescente e cortes de investimento, isto se deve, justamente, aos programas sociais criados pelo próprio PT.
Os assustadores números apresentados pelo TCU, mas que não chegam à população geral, dão conta de que o governo não contabilizou até R$ 2,3 trilhões (sic) em déficit atuarial, o que é quase metade do PIB do país em 2012. Como seria possível um descalabro tão excessivo na apresentação das contas públicas?
Basicamente, nossa economia passa muito mais pelo Estado do que países desenvolvidos. Apenas de carga tributária foram 35,7% do PIB em 2013 – ou seja, apenas de impostos, o Brasil totalizou R$ 1,728 trilhão naquele ano, aumentando R$ 466 bilhões, uma soma considerável de dinheiro, em apenas 3 anos. Isto é apenas o que se paga diretamente, via impostos, ao governo. É quase o dobro da média até mesmo da América Latina, mordaz em altos impostos, com seus 21,3%.
Há um mistifório recorrente de que países ricos possuem altas cargas tributárias. Na verdade, cobram muito menos imposto, mas por serem ricos, “arrecadam” (ou arrancam) muito mais.
Não é possível aumentar impostos até o Estado nos dar dinheiro de volta: se ele toma este dinheiro, a população terá menos para ser cobrada na próxima “arrecadação”, e logo “o país entra em crise” (na verdade, o Estado deixa as pessoas em crise, e não tem de onde tirar dinheiro para os próprios gastos, que são pagos pela população). Caso fosse possível, bastaria aumentar impostos e “redistribuir” o dinheiro até toda a população ficar milionária. Países ricos sabem disso.
Há ainda o montante econômico controlado pelo governo via estatais, Banco Central e outros meios. Nossa economia, portanto, é extremamente estatizada.
15,54% do PIB do Brasil são gastos pelo Estado com programas sociais. No ano passado, foram 15% de R$ 5,521 trilhões, o que é também um montante considerável. Este dinheiro não é “produzido”, é tomado da população e dado para outra parcela (e inclusive tomado desta mesma parcela, que também paga impostos).
Dilma e sua equipe, digamos, erraram no cálculo de receitas esperadas em R$ 2,3 trilhões, contando com um dinheiro que não apareceu. Tal se deu justamente porque é preciso ter o que produzir para que o governo possa “dar” dinheiro assim – e a propaganda de um governo social-democrata ou socialista é esta “redistribuição” (ou mera distribuição selecionada) de renda através do aparato estatal.
Contando que a economia continuaria crescendo pelo 13.º consecutivo de medidas distributivas, Dilma apostou que poderia cobrir o rombo que os versados em economia liberal já sabiam que era verdadeiro através de empréstimos disfarçados de bancos públicos, que dariam a impressão de contas que foram quitadas, e poderiam ser pagas parceladas posteriormente. Esta conta, infelizmente, é paga pelo povo brasileiro, que além da própria crise gerada pelo governo petista, ainda terá de ter mais dinheiro tungado para cobrir tais empréstimos usados por Dilma para se reeleger.
Ou seja: o que para Lula é uma justificativa (as pedaladas terem sido utilizadas para pagar programas sociais), é correto, mas não justifica. Pelo contrário: agrava o descontentamento da população que já desconfia instintivamente, mesmo sem entender o economês, de que nem só de pão vive o homem e nem só de programa social vive um país que precisa enriquecer seus pobres.
E é aí que a fala do ex-presidente pára de revelar verdades e, por detrás de palavras de ordem, descortina-se um cruel desconhecimento do funcionamento do trabalho de um povo:
O ex-presidente disse que “todo mundo sabe” que o Minha Casa Minha Vida subsidia trabalhadores que ganham até três salários mínimos. “Tem um forte subsídio do governo, o dado concreto é que custa caro ao governo, é investimento que o governo faz”.
Investimento é um gasto pelo qual se espera retorno. Programas sociais podem movimentar a economia (embora possam ter conseqüências negativas que não podem ser ignoradas), mas não são “investimento” – são gastos pelos quais não se pode esperar retorno. Um partido como o PT pode esperar ter votos em retorno, mas isto é um lucro para o PT, não para o país.
Tais programas sociais, meninas dos olhos de sociais-democracias, geram o problema conhecido de que mesmo os pobres que são por eles beneficiados acabam tendo de enfrentar uma burocracia estatal atravancada, um Estado inchado e uma escorchante carga tributária. Assim, os pobres melhoram um tiquinho o seu padrão de vida, o que é sempre uma comemoração – mas não podem melhorar senão este tiquinho, pois para atingir uma vida economicamente ativa e independente, ou seja, livre, precisará pagar impostos que sua baixa renda não permite.
A dificuldade do pedreiro ou da faxineira em comprar uma TV, um carro ou apartamento é alta porque estes itens “de rico” trazem muito imposto embutido (o lucro de um posto sobre a gasolina é de R$ 0,30, enquanto o imposto é de R$ 1,50). Assim, podem melhorar um pouco a vida, mas não atingir uma vida plenamente rica. Países de economia livre podem não “dar” nada “de graça”, mas melhoram com uma rapidez surpreendente (para padrões brasileiros e sociais-democratas) a vida de seus pobres.
Lula prosseguiu:
“Se o governo não subsidiar, não acontece.” E fez um paralelo com a crise de 2008, dizendo que ela já consumiu mais de US$ 10 trilhões para salvar o sistema financeiro. “Imagina se isso fosse colocado nas fábricas para ajudar os trabalhadores e se fosse colocado para combater a fome no mundo?”
Ora, a crise de 2008 aconteceu exatamente por interferência do governo, como todas as crises. Não há como existir uma “crise” (ou seja, alguém gastar mais do que ganha) em um Estado mínimo, que corta custos. E o dinheiro que está gerando a crise no Brasil, como o próprio ex-presidente soube diagnosticar corretamente antes, foi gasto exatamente em fábricas ou programas sociais que pretendem combater a fome.
Por uma matemática simples, qualquer governante pode pegar todo o orçamento (digamos, 35,7% do PIB) e “dá-lo” aos pobres, eliminando a “fome no mundo”. O erro é que isto é pensar na economia de um país ou do mundo como se fosse um Kraken, um gigantesco monstrengo de várias patas que apenas deixa alguns pobres por pura maldade obscurantista. Na verdade, ao se “dar” dinheiro assim, como esta riqueza não é produzida, na próxima vez que o Estado tomar 35,7% para “dar” aos pobres, terá um montante quase 35,7& menor a tomar, e assim por diante.
É esta crise que o Brasil está enfrentando agora. É fácil “dar” dinheiro a milhões de pobres com um discurso social, “contra os ricos”, contra a “desigualdade”, promovendo “justiça social” e, claro, fazendo a “distribuição de renda”. Mas isto dura pouco. E logo teremos governantes precisando usar de “pedaladas” para disfarçar a conta que a própria população terá de pagar para que eles possam vender a idéia de que farão programas sociais pelos pobres, enquanto seus opositores irão acabar com eles. E logo vem a crise. E logo o próprio partido que a criou e venceu eleições escondendo dados tem de acabar com os programais sociais (do contrário, a crise só aumentará ad infinitum).
Os liberais já sabiam disso e passaram as últimas décadas explicando, desde os primeiros programas de Sarney, Collor, Itamar e FHC, para ficar apenas na redemocratização.
Infelizmente, a crença em um Estado-Babá, que irá “salvar os pobres” quando estes se salvam muito melhor em uma economia livre (pergunte a qualquer sul-coreano), ainda é muito forte em nosso imaginário coletivo, que acredita que FHC seja liberal ou que o liberalismo, ao invés de o sistema que mais tirou pobres da pobreza em toda a história, seja algum sinônimo disfarçado de genocídio.
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