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O Analfabetismo Funcional dos Universitários Brasileiros

A participação de Olavo de Carvalho na Brazil Conference em Harvard ofuscou o resto do evento e gerou discussões da mais alta relevância. Afinal, qual é exatamente o problema do Brasil com o analfabetismo funcional e como superá-lo?

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Olavo de Carvalho analfabetismo funcional

O entrevero ocorrido no início do mês, em palestra realizada na Conferência Brazil 2017, sobre a afirmação do Prof. Olavo de que 80% dos acadêmicos brasileiros apresentam algum grau de analfabetismo funcional, gerou dúvidas quanto à interpretação de dados, ao significado do termo “analfabeto funcional” e à sanidade da Educação Superior brasileira.

O diálogo que originou a discórdia ocorreu da seguinte maneira:

“Arguente: Alô, oi. Boa tarde. É, bom dia. Minha pergunta é para o senhor Olavo de Carvalho. É, eu fui, eu fiquei muito impressionada com esse dado de 80% de analfabetismo funcional entre formandos e eu fui olhar o estudo de 2015 do Instituto Paulo Montenegro, que faz um estudo anual sobre o analfabetismo funcional no Brasil e o dado que eles estão apresentando é de 99% de formandos do ensino superior alfabetizados funcionalmente e 71% das pessoas que entram no ensino superior alfabetizados funcionalmente. A minha dúvida é: da onde vem esse dado?

Olavo: Eu tenho a fonte aqui e te dou.

Arguente: Tá. Porque eu acho que essa discussão precisa ser embasada em um mínimo de realidade.

ODEC: Eu tenho a fonte aqui.

MESA: Com certeza [inaudível pelos aplausos]. Mais alguma pergunta?”

Nesse sentido, é necessário conhecer o significado de analfabetismo funcional, da educação superior e do conteúdo apresentado na pesquisa do INAF, com vistas a melhor compreender a situação e verificar a correção dos dados apresentados na Conferência.

DO ANALFABETISMO FUNCIONAL

O significado do termo “analfabetismo funcional” é plurívoco. No artigo científico “Alfabetismo funcional: Referências conceituais e metodológicas para a pesquisa”, os fatos históricos demonstram que “O termo alfabetismo funcional foi cunhado nos Estados Unidos na década de 1930 e utilizado pelo exército norte-americano durante a Segunda Guerra, indicando a capacidade de entender instruções escritas necessárias para a realização de tarefas militares (Castell, Luke & MacLennan 1986).” (RIBEIRO, 1997, p. 145)

A etimologia pode não representar o significado hodierno do termo. Entretanto, tal qual conhecer uma pessoa desde criança, saber a sua origem pode orientar a heurística semântica da expressão.

Note-se que a polissemia foi causada pelo uso político do termo, com contribuição da ONU: “A ampla disseminação do termo analfabetismo funcional em âmbito mundial deveu-se basicamente à ação da Unesco, que adotou o termo na definição de alfabetização que propôs, em 1978, visando padronizar as estatísticas educacionais e influenciar as políticas educativas dos países-membros.” (IDEM, p. 147)

Servindo mais como instrumento político do que descritivo, posto “O apelo do termo analfabetismo funcional nos fóruns internacionais pode ser atribuído a essa polissemia de sua definição.” (IBIDEM), a confusão semântica original não pode embaraçar o seu uso.

Nesse sentido, “Grandes pesquisas sobre o alfabetismo/analfabetismo, realizadas nas últimas décadas, abandonam a tentativa de estabelecer uma escala única de habilidades em prol do estabelecimento de conjuntos de tarefas socialmente relevantes, nas quais usos de materiais impressos ou escritos podem estar implicados. Mais do que a definição de sub-habilidades que comporiam habilidades de leitura ou de escrita genéricas, esses estudos procuram investigar a capacidade dos indivíduos de aplicar essas habilidades para atingir metas específicas, socialmente significativas.” (IBIDEM)

Ou seja, a capacidade de exercer competências específicas, conforme seu estrato social, é fundamental na definição de conteúdo discernível no termo “analfabetismo funcional”.

Em suma: “Reconhecendo a dificuldade de estabelecer com precisão quais seriam as demandas referentes à alfabetização colocadas pelas mais distintas realidades nacionais e regionais, assim como os problemas envolvidos em estabelecer índices quantitativos que permitissem comparações válidas, a própria Unesco sugeriu que se tomasse como indicador do nível de alfabetismo de países ou regiões um determinado número de anos de escolarização.” (IDEM, p. 148)

Corroborando o expendido, por oposição, uma definição do termo “analfabeto funcional” é: “Termo que se refere ao tipo de instrução em que a pessoa sabe ler e escrever mas é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas. Ou seja, o analfabeto funcional não consegue extrair sentido das palavras nem colocar idéias no papel por meio do sistema de escrita, como acontece com quem realmente foi alfabetizado.” (MENEZES, 2017)

Assim, analfabeto funcional é aquele que não consegue realizar uma atividade intelectual que seria esperada em seu papel funcional. A primeira consequência lógica é: analfabetismo funcional tem parâmetro móvel e teleologia específica. Para cada posição social, há limites para se determinar a existência desse analfabetismo.

Inexistindo um significado específico ao termo, a sua aplicação dependerá da capacidade esperada do agente específico. Enfim, um analfabeto funcional na Educação Básica não é o mesmo que outro na Educação Superior.

DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

A Educação Brasileira divide-se em Educação Básica (com ensino fundamental e médio) e Educação Superior. A Educação Superior é (muito mal) determinada pela legislação nacional, com outorgada dignidade constitucional nos artigos 205 a 214 da nossa Magna Carta.

Nesse momento, basta notar a relevância da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (Art. 207, caput) e o inciso V do Art. 208: “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.” (PLANALTO, 1988)

Regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), as funções da Educação Superior são descritas entre seus arts. 43 a 57. Em apertado resumo, Educação Superior significa: estímulo da produção cultural, espírito científico e pensamento crítico; formação contínua; divulgação de conhecimentos; e permanente aperfeiçoamento cultural, numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração.

Independentemente de considerações sobre as minúcias da legislação específica, mormente a determinação de competências e habilidades descritas nas Diretrizes Curriculares Nacionais de cada curso, torna-se notório estabelecer que Educação Superior não aborda, meramente, o reconhecimento de conteúdos acadêmicos, mas o domínio proficiente da linguagem, a capacidade da produção científica e sua divulgação à sociedade.

Partindo-se desse paradigma, o alfabetismo em Educação Superior pressupõe não apenas um maior conhecimento da linguagem (além de outras ontologias), mas também a capacidade de sua reprodução e aprimoramento.

Enfim, não pode ser possível considerar o domínio intermediário enquanto suficiente na Educação Superior, pois o domínio cognitivo pleno é pressuposto de um verdadeiro acadêmico.

DA PESQUISA REALIZADA PELO INSTITUTO PAULO MONTENEGRO

Indigitado Instituto periodicamente realiza o INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional, considerando que: “Este novo estudo permite ainda identificar como se distribui a população pesquisada segundo os grupos de alfabetismo nos diferentes setores econômicos, posições hierárquicas e funções, evidenciando características da força de trabalho no país e sugerindo enfoques para novas investigações que permitam estimar seu impacto e identificar caminhos para promover avanços efetivos, em espaços e tempos compatíveis com a urgência que os dados evidenciam.” (INSTITUTO, 2016, p. 03)

Novamente, o Instituto já reconhece a concepção de alfabetismo em decorrência de diferentes funções, subentendendo-se ser inapropriado impor-se uma mesma condição de analfabetismo funcional em diferentes posições hierárquicas.

Afirma, também, que “não registramos avanços na proporção de pessoas no nível de alfabetismo pleno, que oscila em torno de 25% desde a primeira edição do Inaf em 2001. (IDEM, p. 01). Note-se que a proporção de um quarto da população abrange todos os pesquisados, não somente aqueles pertencentes ao Ensino Superior.

Descartados os níveis “analfabeto”, “rudimentar” e “elementar”, a Escala de Proficiência, pelo Instituto, possui as seguintes definições (IDEM, p. 05):

Intermediário:

Localiza informação expressa de forma literal em textos diversos (jornalístico e/ou científico) realizando pequenas inferências.

Resolve problemas envolvendo operações matemáticas mais complexas (cálculo de porcentagens e proporções) da ordem dos milhões, que exigem critérios de seleção de informações, elaboração e controle em situações diversas (valor total de compras, cálculos de juros simples, medidas de área e escalas);

Interpreta e elabora síntese de textos diversos (narrativos, jornalísticos, científicos), relacionando regras com casos particulares a partir do reconhecimento de evidências e argumentos e confrontando a moral da história com sua própria opinião ou senso comum.
Reconhece o efeito de sentido ou estético de escolhas lexicais ou sintáticas, de figuras de linguagem ou sinais de pontuação.

Proficiente:

Elabora textos de maior complexidade (mensagem, descrição, exposição ou argumentação) com base em elementos de um contexto dado e opina sobre o posicionamento ou estilo do autor do texto.

Interpreta tabelas e gráficos envolvendo mais de duas variáveis, compreendendo elementos que caracterizam certos modos de representação de informação quantitativa (escolha do intervalo, escala, sistema de medidas ou padrões de comparação) reconhecendo efeitos de sentido (ênfases, distorções, tendências, projeções).

Resolve situações-problema relativos a tarefas de contextos diversos, que envolvem diversas etapas de planejamento, controle e elaboração, que exigem retomada de resultados parciais e o uso de inferências.

Coligindo-se as características determinantes à Educação Superior, conforme já demonstrado, com as exigibilidades da Escala de Proficiência fornecida pelo Instituto, lídima é a conclusão de que não é admissível o nível intermediário enquanto condição suficiente à alfabetização em Ensino Superior. Explica-se:

Meramente localizar informações literais não é suficiente à determinação do pensamento crítico (por mais indeterminado que seja esse conceito), posto a produção científica (um escopo do Ensino Superior) exigir muito mais que a mera recognição de conteúdo expresso de forma literal.

É necessária, à Educação Superior, a capacidade de elaborar textos de maior complexidade e, no mínimo, resolver situações-problema relativos a tarefas de contextos diversos, especialmente com o uso de inferências.

Se o próprio Instituto não percebeu que a sua escala, para não ser arbitrária, deve-se coadunar com as características determinadas pela concepção de Educação Superior (já explanada), é um possível problema de analfabetismo funcional dos seus elaboradores, assunto que extrapola o objeto desse texto.

Nesse sentido, somente pode ser considerado alfabetizado, nos termos vinculantes da própria legislação educacional e conteúdo representativo do termo “analfabeto funcional”, aquele indivíduo (rectius: acadêmico), que possua, até por pleonasmo enfático, alfabetização superior, conseguindo resolver situações-problema em diversos contextos, por meio de planejamento, com o uso de inferências.

A mera capacidade de compreensão de uma informação explícita (critério de proficiência intermediário), por óbvio, demonstra a inaptidão do indivíduo às exigências de uma Educação Superior.

Conforme se verifica na página 09 da citada pesquisa: “A grande maioria de quem chegou ou concluiu a educação superior permanece nos grupos Elementar (32%) e Intermediário (42%), enquanto apenas 22% situam-se na condição de Proficiente da escala considerada.”

Note-se que esses dados corroboram outra pesquisa independente, que afirma: “durante um semestre letivo, constatou-se a presença do analfabetismo funcional em 80% das turmas [de ensino superior], onde as análises feitas por elas tinham um teor imaturo e restrito. Apenas 20% dos alunos conseguiram solucionar todas as atividades propostas alcançando o objetivo dos exercícios, apresentando uma assimilação madura e eficaz dos mesmos.” (TEIXEIRA, 2012, p. 04)

Enfim, considerando-se o expendido, as inferências decorrem por necessidade lógica.

CONCLUSÃO

Não há ponderações psíquicas ou intelectuais quanto ao questionamento da arguente. Pressupondo-se ter sido uma pergunta honesta, ainda que ela não tenha buscado as fontes disponibilizadas pelo Prof. Olavo, é impossível atingir-se uma conclusão diferente da certeza que, novamente, o Prof. Olavo acertou: cerca de oitenta por cento dos estudantes universitários brasileiros sofrem de analfabetismo funcional.

Afinal, critério mínimo ao acadêmico de Ensino Superior é grau de proficiência em seu nível de alfabetização. Demonstrando o Instituto a existência de apenas 22% de alunos nessa situação, por óbvio que 78% dos demais alunos não são, neste nível de ensino, alfabetizados funcionalmente.

É relevante destacar que se busca a atualização intelectual do imenso potencial criativo e crítico da cultura brasileira, francamente espoliada e subjugada a mesquinhos interesses ideológicos e políticos que continuam a assolar um povo inculto, despreparado e aparentemente sem caminhos imediatos disponíveis ao seu próprio crescimento intelectual.

Não apenas por isso, e também porque #OlavoTemRazão, pessoas com interesses mais elevados que a tibieza mental, tripudiação, revanchismo barato e submissão mental, deveriam frequentar as excelentes, e baratíssimas, aulas oferecidas pelo Professor Olavo de Carvalho por meio de seu site www.seminariodefilosofia.org.

Afinal, existir somente vinte por cento dos acadêmicos com capacidade suficiente à Educação Superior é o verdadeiro quinto dos infernos.

FONTES

INSTITUTO PAULO MONTENEGRO (São Paulo). Indicador de Alfabetismo Funcional – INAF: Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho. 2016. Disponível em: <http://www.ipm.org.br/…/…/inaf/relatoriosinafbrasil/Relatrio Inaf Brasil 20112012/INAFEstudosEspeciais_2016_Letramento_e_Mundo_do_Trabalho.pdf>. Acesso: 09.abr.2017.

MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete analfabetismo funcional. Dicionário Interativo da Educação Brasileira – Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/analfabetismo-funcional/>. Acesso: 09.abr.2017.

RIBEIRO, Vera Masagão. Alfabetismo funcional: Referências conceituais e metodológicas para a pesquisa. Educação & Sociedade, ano XVIII, no 60, dezembro/97. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v18n60/v18n60a8.pdf>. Acesso: 09.abr.2017.

TEIXEIRA, Patrícia Luciano de Farias; SOUZA, Maria das Graças; FARIAS, Maria Alves. O Analfabetismo Funcional em Alunos Universitários. VII Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação. Disponível em: <http://propi.ifto.edu.br/…/con…/vii/paper/viewFile/3157/3085>). Acesso: 09.abr.2017

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Assuntos:
Mauricio Marques Canto Jr.

Mauricio Marques Canto Jr. é advogado, com mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná e aluno do Prof. Olavo de Carvalho.

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