Pajubá: Questão sobre dialeto travesti no ENEM mostra o desleixo com a cultura no Brasil
A quizomba que sucedeu à questão sobre o pajubá no ENEM não foi colocada nos termos corretos: não se trata do dialeto travesti, e sim da normalização da nova hoste esquerdista
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A questão 31 do ENEM realizado no penúltimo domingo levantou uma enorme polêmica por seu conteúdo. Um longo texto sobre o “pajubá”, dialeto falado por travestis, ensejava uma pergunta sobre o que define um dialeto. A questão, como é praxe no ENEM, versa sobre o conceito de variação lingüística, a última moda acadêmica a se repetir em provas de vestibular e afins: como há variação interna na língua, crêem alguns que há mais proveito em se estudar variação lingüística do que gramática normativa.
Não há dúvidas para quem estuda lingüística da importância do estudo da variação. Línguas inteiras, como alemão e italiano, de países que só recentemente e a fórceps se unificaram, dependem do estudo da variação lingüística até para serem entendidas como uma unidade. Difícil, por outro lado, é imaginar se definir o que é um “dialeto” trará alguma utilidade para jovens que não trabalharão com lingüística, ao invés de se preparar para uma prova que lhes julgue por conseguir compreender um texto.
A definição de dialeto, na verdade, não é clara nem mesmo para os lingüistas. A rigor, uma língua e um dialeto são a mesma coisa, necessitando-se uma divisão muito mais geopolítica do que estrutural para que se defina alguma diferença. É famosa entre lingüistas a frase “Uma língua é um dialeto com um exército ou marinha”, provavelmente de um aluno de Max Weinreich, mostrando que tal distinção é política, e não propriamente lingüística. Ora, o alemão, de norte a sul da Alemanha (sem contar Áustria e Suíça), possui mais variação lingüística do que o português é diferente do espanhol, por exemplo.
Se tal distinção tão pouco tem ver, de fato, com alguma definição objetiva da língua, por que tal questão está no ENEM, uma prova que tem se tornado uma espécie de sucedâneo federal do vestibular? É o mesmo que ter uma questão sobre métodos de coletas de dados de tribos indígenas para apresentação ao professor de antropologia do que alguma envolvendo demarcação de terras, assunto muito mais abrangente e importante a todos, e não a futuros especialistas no assunto.
É justamente a resposta a tal pergunta que realmente incomoda. Ora, basta ler com atenção o enunciado da questão para perceber que não se tratava de uma questão exigindo algum conhecimento sobre o dialeto, mas sim sobre o conceito de dialeto em si. Mas, além da definição vaporosa (e que não é tema do ensino médio), por que o exemplo precisa ser um dialeto de travestis?
Os travestis estão na moda. Ainda que o Williams Institute da UCLA tenha considerado que apenas 0,3% da população americana se considere “transgênero”, não há outro assunto que esteja tão em voga. Vide Pablo Vittar e Thammy Gretchen terem sido considerados “mulher” e “homem” mais sexy do Brasil nas posições invertidas de seus sexos biológicos por revistas, embora absolutamente ninguém no público os considere minimamente atraentes. Reportagens na TV não param de falar em preconceito contra transgêneros. A ideologia de gênero é um dos temas principais da Base Nacional Comum Curricular em discussão no Ministério da Educação. Foi um dos temas a mover a esquerda nas últimas eleições, falando tanto em “movimento” LGBT. A mídia não pára de citá-los, necessariamente como vítimas de quem não é transgênero, sempre divididos entre os progressistas e os “preconceituosos”.
O que se faz é uma normalização forçada. O tal dialeto pajubá, afinal, existe não para o transgênero fazendo doutorado em polimerase de DNA, e sim para o transgênero que “trabalha” com prostituição, para poder falar em um código que a polícia não entenda (tática comum a diversos grupos criminosos, como as gírias de traficantes e de presidiários).
Não há problema com o exemplo do ENEM, ou não haveria, se não viesse como mais um exemplo de uma tentativa de normalização do comportamento de um grupo usado atualmente pela esquerda progressista como verdadeira massa de manobra revolucionária. Se a luta de classes entre proletários e burgueses não faz mais sentido num mundo em que tais “classes sociais” nem mais existiam, a tônica agora é tratar como uma normalidade da vida um dialeto de prostituição para escapar da polícia.
A tática funciona tão bem que, uma semana após o exame, a discussão foi inteiramente feita apenas apontando que a questão não exigia conhecimento do dialeto da prostituição travesti, sem nem sequer se atentar para o fato de que tal dialeto existe como um escape às forças de ordem. Tudo tratado como mera descrição sociolinguística.
Em outras palavras, não se trata apenas do conhecimento necessário para se passar no ENEM, como se tanto discutiu, mas das referências do ENEM. Ora, por que a prova que mais tenta unificar o currículo brasileiro entrou na onda progressista de tratar como um tema normal exata e coincidentemente o último grupo social a integrar as hostes arregimentadas pela esquerda?
E por que uma prova de português, além de lidar com um assunto de interesse quase que exclusivo de estudantes de Letras, como a variação lingüística e a definição de dialeto, esponjosa e absurdamente longe de um consenso mesmo entre lingüistas, ainda por cima tem como referência, ainda que seja de mero exemplo, não um texto com qualquer complexidade ou utilidade, mas uma mera descrição de um dialeto de travestis, que agora poderão chamar de “preconceituosos” todos os que criticarem até mesmo a escolha do dialeto na prova? Toda a aceitação é forçada com técnicas como essa.
Com tão poucas questões para avaliar o conhecimento do aluno, seria no mínimo sensato escolher textos com alguma complexidade, com alguma referência cultural um pouco mais elevada. É claro que alguém precisa saber ler um texto sobre um dialeto e entender que se trata de um dialeto, uma reportagem policial, um texto sobre preconceito. Mas presume-se que o padrão sejam textos com assuntos de maior profundidade, com alguma utilidade – sobretudo, que façam o estudante pensar em algo mais sério e importante do que um dialeto de prostituição.
Fosse um exemplo em um uma questão uma vez, não haveria problema. O problema mesmo é o método: sempre um reforçamento daquilo que a esquerda quer como sua nova estratégia. A escolha do ENEM são textos de literatura canônica extremamente desatualizada, um verdadeiro pesadelo para atiçar o gosto pela leitura de estudantes que já não o tragam de casa, enfrentando os dissabores da escola, e, para compensar, textos sobre dialetos de travestis ou sobre uma vovó lésbica que beija a própria sobrinha, sob o olhar curioso da netinha. O que é normalizado, muitas vezes, é normatizado a seguir.
Que cultura formamos? Que literatura iremos cultivar? Que pensamentos elevados sobre qualquer coisa textual sairá desta forma de ensinar e avaliar e definir um currículo nacional? Lembrando que a Base Nacional Comum Curricular, que teve nas figuras de Jair Bolsonaro e Marco Feliciano dois grandes inimigos, não pára nunca de falar em “gênero”. Será que estamos paranóicos ou enxergamos uma agenda?
A cultura brasileira foi tão maltratada que, desde 1964, simplesmente não há mais literatura brasileira, a não ser “literatura de resistência”, lançando mais livros sobre a ditadura do que o total de seus dias. Não temos mais conexão entre realidade e literatura, entre a cultura e os problemas da população.
O ENEM e sua ideologia, quase descambando para um partidarismo explícito, pode repetir o bordão de resolver tudo pela “educação” o quanto for: ele é muito mais causa do problema do que sua solução.
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