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Para Carta Capital, governo Dilma é “de direita”

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Não há termos que confundem mais o correto debate político do que direita e esquerda. Como explicamos em nosso artigo de estréia, são shibboleth’s um do outro. Pessoas de esquerda vêem a direita pela sua lente, e pessoas de direita vêem à esquerda também por sua própria ótica, dificultando em demasia alguma possível objetividade que possa ser vista por igual por ambos os lados.

Tal fato é agravadíssimo por um fator cruel: ambos os termos são metafóricos (ao contrário de um termo como “democrata”). Foram os nomes dados a duas posições políticas existentes numa época, ambas geradoras de seus descendentes pela história.

Todavia, como metáforas (os grupos que, na ocasião da Assembléia Nacional Constituinte da Revolução Francesa, sentavam-se à esquerda e à direita no parlamento), são usados não mais como nomes de duas doutrinas específicas, mas como as próprias descrições de todas as sociedades, ignorando-se as relações históricas que eram por estas palavras nomeadas.

Já não existe uma ideologia específica chamada “esquerda”: fala-se como se a doutrina fosse a própria metáfora do seu nome, procurando quem está “mais à esquerda”, que partido é da esquerda de um país – até mesmo se trata como certo que se há uma esquerda política atuando em algum lugar, necessariamente há uma direita, assim como uma sala que possui uma esquerda necessariamente possuirá uma direita. Fato político que não é observado na história.

jacobinosA esquerda eram os jacobinos, grupo revolucionário cujo intuito era degolar o último nobre nas tripas do último sacerdote. Não foram tão efetivos, mas, tomando o poder, degolaram centenas de milhares de pessoas, e muitos acabaram eles próprios degolados no furor para manter a Revolução, como Robespierre. Seus herdeiros foram a Revolução Russa de Lenin, o socialismo, o nacional-socialismo e correntes sindicais, como os Jovens Turcos, propagadores do genocídio armênio, que matou mais de 1 milhão de cristãos.

A direita eram os girondinos, grupo que buscava evitar tal morticínio buscando reformas graduais na velha ordem, sem a crença em uma derrubada do poder para que este fosse gerido por apenas um grupo com total poder de reformar a sociedade. Seus herdeiros foram o conservadorismo (sobretudo anglo-saxão), o capitalismo, as monarquias européias, a Constituição americana, o Estado de Israel, a moral religiosa, o respeito às tradições, a desconfiança de Tocqueville nos políticos.

A esquerda, todavia, é a campeã das narrativas, conseguindo até mesmo imputar alguns fracassos seus à própria direita, que era sua perseguida e vítima. O movimento sindical dos fascismos, incluindo até o próprio nacional-socialismo, por exemplo, foi chamado pela Escola Britânica do Marxismo (de E. P. Thompson e Eric Hobsbawm) de “extrema-direita”, por ter rompido com Stalin após o pacto Molotov–Ribbentrop. Tal designação nunca foi usada pelos próprios fascistas, que tinham a direita liberal (e sua própria encarnação máxima: os judeus) como maiores inimigos.

Todavia, o apelido pegou, e hoje denomina-se sem questionamento algum o nazismo e o fascismo de “extrema-direita”, mesmo que seja a ela oposta em tudo. Um apelido passa a ser uma opinião, e depois um fato – e assim se “desconstrói” o senso comum.

stalin urssAté mesmo as maiores figuras da esquerda, quando acusadas de crime, têm sempre uma explicação para a própria esquerda: Mino Carta, o editor-chefe da revista de esquerda Carta Capital, chegou a afirmar que o próprio Stalin, o maior nome da esquerda por muitas décadas, é, na verdade, de direita, apenas por ser “anti-democrata”. Não há registros de direitistas que promovem genocídios, exceção é claro àquelas figuras odiosas que apenas a esquerda chama de “direita”.

Esta mesma Carta Capital publicou um texto de Douglas Belchior que abusa da metáfora, crendo ser ela a própria descrição da realidade, e não, afinal, uma metáfora que dá o nome das correntes políticas. Afirma o texto que o governo Dilma Rousseff é ruim por ser… de direita.

A mesma revista que passou os últimos 13 anos elogiando o PT, relativizando todos os escândalos de corrupção e autoritarismo envolvendo o partido, ou mesmo chegando ao cúmulo de publicar, na semana em que os mensaleiros foram presos, uma capa de caráter urgente com uma… PERERECA e seu risco de extinção, novamente ignora a história (desta vez, a sua própria) para afirmar que não tem nada a ver com isso, que concorda com os 93% da população que reprovam o governo petista e que nos últimos 13 anos o país foi gerenciado por um péssimo partido. Péssimo, é claro, por ser “de direita”.

Afirma o pastiche que o PT preferiu

aliar-se e render-se à direita histórica ao invés de se unir às forças progressistas que, inclusive, garantiram sua última vitória nas urnas.

As “forças progressistas”, curiosamente, devem ser a própria Carta Capital, que agora nega que apoiou Dilma, para numa só patada se considerar traída. Na verdade, fora o PSOL, que foi mesmo “linha auxiliar do PT”, como acusou Aécio Neves, e lhe rendeu menos de 1% de votos a mais, não houve “forças progressistas” a ajudar Dilma a se eleger. Houve, sim, Eduardos Cunhas, Paulos Malufs, Kátias Abreus, Renans Calheiros, Fernandos Collors, Josés Sarneys et caterva. Todos os opositores do PT sabiam disso (e perderam eleição por não contar com tais apoios), só os petistas é que “não sabiam”, embora fossem jornalistas.

netanyahuMas… “direita histórica”? Alguma relação no governo Dilma com a direita histórica mundial, com os governos de Margaret Thatcher, de Ronald Reagan, de Friedrich Naumann, de Václav Havel, de Sebastián Piñera, de Konrad Adenauer, de Barry Goldwater, de Álvaro Uribe, de Benjamin Netanyahu?

Dilma fez o oposto do que todos fizeram, e até se voltou contra os vivos da lista, se aliando a seus inimigos. Mas, se Dilma e a esquerda caem em desastre, a esquerda imediatamente a chama de “direita”. Seja Dilma ou Stalin. Ou seu primeiro aliado contra o “imperialismo do Ocidente”, Adolf Hitler.

A mesma desconexão entre nome (a metáfora) e a descrição do conteúdo que o denomina é usada de maneira mais xarope ainda com a bela passagem “falar da direita, que são canalhas, seria chover no molhado”. Imagine-se este tipo de “denominação” da esquerda em um portal sério e veríamos choro, ranger de dentes, acusações de xxxxxfobia, pedidos de censura, marco civil da internet e, claro, “Humaniza Redes”, a iniciativa do PT para usar o poder de mando do Estado para perseguir quem não reze a cartilha do partido.

Resta mesmo a velha cantilena que ainda convence alguns de que, apesar de tudo (e é um “tudo” bem grande), a esquerda é que está certa: apelar para o “pensamento de classe”, a Klassenbewusstsein de Karl Marx. A crença dupla de que: 1) existem “classes sociais”, estanques, e não faixas de ganho que se trocam durante a vida; e de que 2) tais “classes” determinam o que as pessoas pensam por elas. Um rico só pensa como rico explorador. O pobre, apenas como oprimido. O fato de todos os intelectuais que repetem isso serem muito mais ricos do que pobres, mas garantirem que ricos só protegem seu próprio patrimônio e pobres se alienam, nunca lhes passou por sua cabeça alienada.

esquerdacaviarAssim, para a Carta Capital, o PT foi “eleito em nome da classe”, no que é verdadeiro, ao menos no sentido de que o neo-marxista Ernesto Laclau dá ao termo. Como até o historiador marxista E. P. Thompson já sabia que é impossível diferenciar um “proletário” de um “burguês”, Laclau simplesmente declara que é a auto-nomeação de classe que “faz” uma classe. Basta um riquinho com bom salário na Carta Capital dizer que é “proletário”, mesmo nunca tendo pegado numa enxada na vida e nem sabendo pra que serve um torno mecânico e voilà, o PT foi eleito em nome dele! Não é de todo mentira, afinal: o PT foi eleito em nome de pessoas ricas que se julgam pobres, como quem escreve na Carta Capital.

Nada demonstra melhor a alienação deste tipo de “análise” classista do que um dos mais hilários parágrafos já escritos em língua portuguesa:

E num contexto de disputa “político ideológica” entre PSDB/PMDB versus PT, eu leio assim: de um lado a direita histórica, escravocrata, fascista, racista e elitista, logo, inimigos históricos da classe trabalhadora. De outro os capatazes, ex-escravos, a serviço das vontades do senhor, logo, traidores da classe trabalhadora. A “esquerda” não está, a meu ver, em meio a essa disputa.

A “direita histórica” (no Brasil, representada por homens do quilate de Joaquim Nabuco, Tobias Barreto, Vicente Ferreira da Silva, Gilberto Freyre, Carlos Lacerda e tantos outros que deram frio na espinha de qualquer “escravocrata, fascista, racista e elitista” deste país), para eles, sempre acreditando na própria metáfora, é PSDB e, ora, o PMDB que elegeu Dilma.

O PT são “capatazes” (alguem se lembra dessa palavra usada em contexto racista contra Joaquim Barbosa?) e traidores.

E a esquerda? Ora, inexiste, porque o PSOL, aquele que faria o que a Carta Capital realmente quer, não ganhou eleições.

Se, na verdade, apenas temos esquerdistas no espectro político brasileiro (com exceções no DEM e no PSC, embora 90% destes partidos entenda tanto de teoria política quanto Dilma entende da Via Láctea do Rio de Janeiro), e o Brasil está muito ruim, ora: basta considerar a todos de direita! Por alguma razão? Não, apenas para a militância (que são os verdadeiros leitores da Carta Capital) repetir o discurso e ver se pega. Se não der, tenta-se outro amanhã.

Vai que Dilma ganha alguns pontinhos de aprovação, e logo se pode dizer que ela é de esquerda de novo, que merece todo o nosso apoio, onde já se viu recusar o “governo dos pobres”, estes pobretões da Carta Capital?

Afinal, onde está o governo “de direita” de Dilma? Dilma diminuiu impostos, aumentou a concorrência do livre mercado, diminuiu o tamanho do Estado, diminuiu barreiras comerciais, aplicou alguma tradição de David Hume a Whittaker Chambers para seu governo, guia-se pela moral judaico-cristã, cuida da coisa pública e combate governos revolucionários e totalitários como a direita sempre fez?

Quando fica claro que a esquerda no poder é ruim, aplica-se mais distanciamento, atribuindo ao resultado da esquerda o que esquerdistas esperam que seja resultado da direita – assim como crêem que o padrão de vida de um austríaco, japonês ou suíço deva-se à “distribuição de renda” ou outra política de igualdade da esquerda. Atribuem à esquerda real a direita irreal e à direita real, a esquerda irreal. Nada mais convidativo para se conhecer o que é, de fato, a direita.

Na verdade, toda a logorréia cartacapitalista serve mesmo apenas para uma confissão que escapou ao autor da obra: a esquerda que funciona, a esquerda boa, a esquerda que tira os pobres da miséria e os transforma em ricos, a esquerda que pega um Haiti e transforma num Canadá, em todo o mundo, tem apenas uma única característica em comum: não existir.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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