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Jornalismo

Letícia Sabatella não foi “agredida”

Ao contrário do que diz a mídia, é uma ofensa afirmar que Letícia Sabatella foi "agredida" na manifestação pelo impeachment em Curitiba.

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Letícia Sabatella sorri e conversa com policiais em manifestação pró-impeachment, em Curitiba

A notícia do domingo, que deixou o nome de Letícia Sabatella nos Trending Topics do Twitter, foi de que a atriz global teria sido “agredida” na manifestação pró-impeachment de Dilma em Curitiba. Acusações de “fascismo” enxamearem as redes.

As manchetes que afirmam que Letícia Sabatella foi “agredida” (por exemplo, na Revista Fórum, no Brasil 247, no Notícias ao Minuto, no Catraca Livre, no R7, no VioMundo, na RedeTV ou na Veja) extrapolam o uso da sinonímia ao usar variações da palavra agressão.

O vocábulo agressão sozinho, na língua portuguesa, apenas possui o sentido de agressão física. Nem mesmo numa briga de vizinhos alguém, ao ouvir um insulto o mais cabeludo possível, afirma que está sendo “agredido”. Apenas acompanhado do adjetivo “verbal” é que se pode entender um xingamento por agressão. É um sentido derivado, quase uma metáfora com o sentido original. Um eufemismo advocatício.

Letícia Sabatella, no máximo, foi xingada. Relatos afirmam que algum animal a xingou de “puta”. Uma manchete que afiance que Letícia Sabatella foi “agredida” leva a crer ao desavisado que não irá ler a notícia (cerca de 99% da internet) que a atriz teve seu cabelo puxado, tomou tapas na cara, chutes, cusparadas, pauladas, voadoras.

Mais ou menos como na imagem abaixo:

Petistas agressores

Quando a agressão de petistas sofrida pelo cidadão acima ocorreu em um protesto pró-Dilma no Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, os jornais não noticiaram a tentativa de linchamento como uma “agressão”, e sim como uma “troca de agressões”, como se alguém sozinho pudesse agredir uma farândola de sindicalistas uniformizados com o mesmo poder ofensivo.

Isso faz parte do que chamo em meu livro, usando vocabulário dos pesquisadores John Arquilla e David Ronfeldt e do Pentágono, de infowar, a guerrilha por obediência política usando o noticiário e, sobretudo, a internet (no que já é chamado de netwar, a guerra de narrativas em rede, dependendo em menor escala da centralização da mídia tradicional).

A principal forma de o PT ganhar poder político é se fazendo de vítima. Sempre que petistas afirmam possuir pouco poder (são pobres, ou negros, ou gays, ou mulheres, ou “lutaram contra a ditadura”, ou estão sofrendo um “golpe”), eles acabam ganhando poder, através de votos, perdão imediato de seus crimes, desvio de foco, criação de sentimentos de “dó” ou aceitação pacífica de suas teses.

Para isso, nada melhor do que uma atriz global como Letícia Sabatella ir parar “por engano” (sic) em uma manifestação pró-impeachment e ser “agredida”.

Como não foi agredida de fato, apenas recebeu os mesmos insultos que petistas reservam a seus adversários, se forçou a permanecer na manifestação (o que não foi noticiado, muito menos por sua própria gravação), mesmo que até a polícia, acionada, tenha lhe informado que ela própria estava causando tumulto e que deveria se retirar dali para sua própria segurança (não ameaçada em momento algum). Manifestações contrárias no mesmo local, como pessoas informadas sabem, são proibidas por lei.

Para manter o vitimismo, notícias falam que “se deparou com um grupo que defende a intervenção militar”, o que não se vê em vídeo nenhum. Exatamente ao contrário do que as notícias e a própria Letícia Sabatella tentam fazer crer, ela própria, afinal, estava de provocação. “Trocando insultos”, como a imprensa noticiaria em caso inverso:

https://twitter.com/Corotenho/status/760084608868376576

Apimentando com ridículo o que poderia ser apenas falso, Letícia Sabatella “precisou ser escoltada pela polícia” contra uma grande manifestação que nada anormal fazia contra ela. Percebendo a contradição, a estrela da Rede Globo pediu ao menos para que os policiais não encostassem nela, depois de tanto afirmar que queria mesmo era continuar ali. Se estava sendo ameaçada, por que precisaria de escolta? Restou o estribilho instantâneo e oco de afirmar que a situação era “anti-democrática”.

Na verdade, Letícia Sabatella nem sequer recebeu os mesmos insultos com os quais petistas homenageiam seus adversários. Parece ter sido xingada de “puta”, o que é bem grave. Todavia, basta lembrar de quando nossa colunista, a advogada proponente do impeachment Janaína Paschoal (agora com conta no Twitter) foi cercada por filiados ao PT no aeroporto de Brasília para recuperar o senso de proporções.

 

Letícia Sabatella ouviu frases de efeito como “A nossa bandeira jamais será vermelha!”, o que não a ameaça em nada e pode ser traduzido como “O projeto de poder do PT de guinar o país para alguma variação moderna do socialismo, projeto este que a senhora defende, não logrará êxito!”, enquanto Janaína Paschoal ouviu frases como “Fascistas não passarão!”, com a qual ela concordaria perfeitamente se se tratassem de fascistas de verdade, mas que dirigido a ela como insulto enquanto é cercada e quer sair de um aeroporto pode ser entendido como uma ameaça de agressão física.

Bastaria pensar no significado óbvio e nada arcano das frases para perceber a nada sutil diferença. Mas aparentemente o critério de verdade não faz mais parte das linhas editoriais jornalísticas – quantos jornais afirmaram que Janaína Paschoal foi agredida no aeroporto de Brasília?

O sentimento irrefletido de aceitação ou repulsa instantânea, criado pelas manchetes, faz com que as pessoas percam completamente a noção de agressor e agredido, de carrasco e vítima, de bandido e herói, de certo e errado – e se perdem em comparações apartadas do real:

https://twitter.com/Corotenho/status/759882931460530176

https://twitter.com/cydlos/status/760168452053168128

https://twitter.com/TonhoDrinks/status/760082243620667392

É preciso então ser dito claramente: goste-se ou não, concorde-se ou não com Letícia Sabatella, ela não foi agredida.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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