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Impeachment

Análise racional do discurso de Dilma Rousseff

Dilma Rousseff envia carta ao Senado e ao povo brasileiro. Uma análise racional ponto a ponto esclarece o que se altera no impeachment.

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Beavis and Butt-Head. The great Cornholio

Dilma Rousseff, a presidente afastada, divulgou hoje, via Medium, uma carta ao Senado e ao povo brasileiro. Em termos técnicos, traduz-se: você tem uma nova mensagem.

Dilma Rousseff escreveu a carta em português, com uma fluência pouco comum a seus discursos. Todavia, ao ser lida, a carta imprime aos ouvidos (sic) a voz da presidente, como podemos acompanhar na leitura abaixo:

Dilma Rousseff inicia a carta justificando que escreve “para manifestar mais uma vez meu compromisso com a democracia”.

Você iria a um bar com um cartaz dizendo que sua cozinha é higiênica? Ou andaria numa montanha-russa que, sem ninguém perguntar, escreva em letras garrafais na entrada: “É seguro, sim”? É o mesmo que afirmar: “Não pense em uma abóbora”. Lá estará a abóbora onipresente em nossa mente, não apenas dominante, mas expulsando qualquer outro pensamento que possa freqüentar nossas sinapses.

Dilma falando pela pentelhésima vez que ela própria é a democracia, que ela ter poderes mesmo cometendo toda a sorte de crimes é “o Estado Democrático de Direito” e que qualquer processo seguindo o rito justamente de tal Estado é “golpe” segue a mesma regra. Apenas quem já está convencido consegue se convencer.

Qualquer pessoa normal levanta os sobrolhos em sinal de suspicácia num primeiro momento, mas já a esta altura só se pode bocejar violentamente diante de mais uma repetição que nada acrescenta ao que Dilma já disse, em português e dilmês. Acaso alguém irá mudar de opinião com uma cartada dessas?

Isto a despeito de o PT usar a palavra “democracia” de uma maneira completamente inadequada (já explicamos o que é a tal democracia que o PT tanto defende). Dilma não conseguiria convencer nem o Terceiro Congresso Nacional do PT (aquele que pregou o “socialismo petista”, e que depois o partido tirou o vídeo do ar, mas a internet nunca esquece), que dirá pessoas normais.

La Démocratie c’est moi

Além disso, Dilma afiança que voltar à presidência “poderá contribuir decisivamente para o surgimento de uma nova e promissora realidade política.” Em 13 anos (!) de PT no poder, parece um pouco tarde para isso.

Dilma assegura que cometeu erros, para variar sem admitir quais (pedaladas? mensalão? petrolão? decretos? Pasadena? eleição fraudada? trambique com empreiteiras? fingir que Celso Daniel foi assassinado num furto que foi longe demais?). Diz:

Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho.

Ouçamos algumas, em resposta ao tweet que publica seu texto:

https://twitter.com/seujoca/status/765628570387542016

https://twitter.com/SaoBlack/status/765640097727479808

https://twitter.com/DanielH5120/status/765628074289422337

https://twitter.com/RaposaNaChapa/status/765625530364391424

https://twitter.com/pperini/status/765625918211629057

https://twitter.com/monderlich/status/765627299676971008

https://twitter.com/RaposaNaChapa/status/765628875187576832

https://twitter.com/danieltojal/status/765627293377134592

É o famoso “carinho da torcida”. Certamente Dilma “acolhe essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho”. Falta só certas pessoas saírem da frente.

Justiça seja feita, tem também um carinha com camiseta do MST elogiando. E xingando quem se opõe a Dilma. Um. Esse MST virou outro depois da internet graças às privatizações.

Apesar de o estilo escrito disfarçar o dilmês, não deixa de conter uns erros de ortografia (quem manda usar revisor estatal?), como a bizarra vírgula nesta passagem:

Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições.

Curiosamente, seus acusadores também são o povo, que entupiu avenidas em número infinitamente maior do que a mortadelocracia para exigir sua saída. Segundo o próprio Datafolha, 66% do país quer o impeachment. A aprovação de Dilma, ao subir para a casa dos 2 dígitos, foi comemorada por dilmistas e petistas. E novamente nenhuma contra-prova sobre pedaladas, decretos e “eu não sabia de nada” foi apresentada.

O dilmês também permanece na cabeça de Dilma, como se vê:

Seria um inequívoco golpe seguido de eleição indireta.

De que “eleição indireta” estaria Dilma falando?

Depois de falar de um tal “Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social” (depois do PAC, o PUN – agora vai!), como se “unidade nacional”, what the fuck ever does it mean, fosse a solução para os problemas do país (alô, galera do Amazonas! tamo junto!), Dilma finalmente diz a que veio:

Por isso, a importância de assumirmos um claro compromisso com o Plebiscito e pela Reforma Política.

Ok, logo após afirmar que haverá um “golpe de Estado” (sic) com “eleições indiretas” (?!) se o Senado continuar seguindo o rito que lhe é obrigatório e julgar a presidente da mesma maneira que o povo a julgou, afirma que quer um plebiscito, o que não está previsto na Constituição de maneira nenhuma.

Quem está sentindo cheiro de golpe? Não está vindo do lado de quem soltou o PUN?

Sua justificativa é de que há “práticas políticas questionáveis, a exigir uma profunda transformação nas regras vigentes”. Pela regra vigente, Dilma está sendo impeachmada. Dilma quer trocar a regra justamente por ser autora de “práticas políticas questionáveis” e golpista é quem não quer canetada para se manter no poder.

Dilma quer o plebiscito “com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral”. Será que ela nos agraciará concorrendo novamente ao cargo? Será que pagará os bilhões que custam um plebiscito para saber se teremos novas eleições do próprio bolso? (brincadeirinha, Dilma, pode desligar o telefone com o Marcelo Odebrecht) Que raio de reforma política e eleitoral é essa? Alguma para que nenhum petista nunca saia do cargo? E quem quer isso, além de a própria Dilma?

Admita-se que Dilma parece finalmente preocupada com alguma preocupação real dos brasileiros, e não dela própria. Vide:

Esse Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social permitirá a pacificação do País. O desarmamento dos espíritos e o arrefecimento das paixões devem sobrepor-se a todo e qualquer sentimento de desunião.

Não entendemos ainda como “unificar a nação” (modelo Bismarck?) vai trazer paz ao país. Mas curioso falar em “desarmamento”, ainda que do espírito – já que o desarmamento do cidadão só elevou nossa taxa de homicídios para a mais alta do mundo, com 60 mil por ano. Afinal, o desarmamento, proposto pelo partido de Dilma, também foi proposto por um plebiscito… e perdeu. Mesmo assim, a lei passou.

https://twitter.com/willlwag/status/765627938129768449

De novo, alguém está sentindo cheiro de golpe? Não é um cheiro de PUN?

Dilma também apela para o clichê “diálogo”, para que “busquemos as melhores soluções para os problemas enfrentados pelo País”. Dá pra entender que ninguém convide Dilma para as rodinhas, mas todo mundo já conversou, inclusive com o Congresso, e a solução já foi posta: um país sem Dilma.

De toda forma, fica outro faux pas ao admitir, na passagem “[d]iálogo com a sociedade e os movimentos sociais”, que sociedade e movimentos sociais são duas entidades distintas, impermeáveis uma à outra. Já escrevemos que o erro do PT é confundir militância com povo.

Dilma, por exemplo, pede isso (é meio difícil de traduzir, façam um esforço):

As forças produtivas, empresários e trabalhadores, devem participar de forma ativa na construção de propostas para a retomada do crescimento e para a elevação da competitividade de nossa economia.

Com o qual “as forças produtivas” já responderam com isso:

Impeachment 7 ações. Fonte: Infomoney

Fonte: Infomoney

Renuncia Dilma vez

Dilma Rousseff, o PT, a esquerda, o jornalismo, a academia e os intelectuais, artistas e a classe falante em geral, portanto, vivem numa realidade de puro discurso, enquanto aqui na realidade linha 8542 – Pça. do Correio/Brasilândia as coisas já acontecem como ela promete que acontecerá, ou não acontecem quando Dilma diz que acontecerão com uma precisão cirúrgica.

Dilma Rousseff: "Ah, porque não sei o que, não sei o que, não sei o que lá"Mas mesmo seu discurso contém trechos que, virginal ao contato com a realidade no reino das idéias platônicas, não se sustentam em pé nem com a força de Atlas, como a passagem sobre políticas ” valorizando a igualdade e a diversidade”. Dá para ser igual e diverso ao mesmo tempo? Ou somos iguais, ou somos da diversidade. Pregar igualdade entre diversos é o leito de Procrustes. Algum dos dois terá de ceder a muque.

Dilma promete tudo no abstrato e genérico, como se estivesse em campanha eleitoral: vai ter “melhores empregos”, “saúde pública”, “educação”, “moradia”. Quem paga a conta nunca é mencionado.

Também há uma curiosa passagem sobre o “fortalecimento da soberania nacional”. Não estando em guerra com ninguém no momento, o único fortalecimento da soberania nacional seria retirar o Brasil do Foro de São Paulo (o que por si só já seria motivo não apenas para impeachment, mas para fechamento do PT).

Novamente, a solução passa pelo apeamento de Dilma do poder, já que foram as análises estratégicas transnacionais das ditaduras bolivarianas que a financiaram (aliás, porto de Mariel, metrô de Caracas, gasoduto na Bolívia, golpe na Nicarágua, tudo com lucro para Odebrecht e campanhas eleitorais de João Santana… por que Dilma não comentou nada antes de falar que é inocente e não sabia de nada e não tem nada a ver com isso?).

Tem alguns outros “argumentos”, por exemplo: é a primeira mulher presidente, digo, presidenta. Ou “[a] essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade”, o que sempre levanta a questão: todos quem, cara-pálida?

Rola também uma frase perigosa:

Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém.

Nossa colunista, a dra. Janaína Paschoal, que iniciou esse processo de impeachment junto a Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr., com aprovação do povo brasileiro, tampouco tem contas secretas no exterior, desviou patrimônio público ou recebeu propina. Que acusação foi essa?

Claro que o melhor parágrafo é este:

É fundamental a continuidade da luta contra a corrupção. Este é um compromisso inegociável. Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade daqueles que, comprovadamente, e após o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, tenham praticado ilícitos ou atos de improbidade.

Então, né?

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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