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Por que as denúncias contra Donald Trump só apareceram agora?

Donald Trump sempre andou rodeado de mulheres. Por que só agora é acusado de assédio? E por que a mídia não fala dos escândalos dos Clinton?

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Donald Trump com mulheres

Para quem chegou ao planeta Terra nos últimos dias, a Primeira Trombeta do Apocalipse parece ter sido tocada e, pelos jornais, trata-se de vídeos antigos do candidato à presidência americana, Donald Trump, gabando-se em privado de seus dotes sexuais.

Eu não sei se Donald Trump já assediou sexualmente alguém – e você também não sabe, e não existe estatística, estudo, probabilidade e “ele é narcisista, milionário, megalomaníaco e tem topete engraçado” a respeito disso. Ninguém sabe.

Mas tem algo surpreendente (para nós, 0,0001% da população mundial capaz de unir premissa maior à premissa menor e extrair uma conclusão) nessa história toda: por que essa história apareceu só agora? Frise bem: SÓ agora e BEM agora.

Você, que acha a mídia manipuladora, superficial e parcial, não achou nada estranho? Não desconfiou da mensagem sem prova nenhuma?

Note que não eram vítimas quaisquer: era gente que já apareceu na TV. Com rostos conhecidos por parte do público. Aliás, trata-se de ex-participantes do próprio reality show que Donald Trump comandava e tornaram seu rosto famoso até fora da América.

Não há de fato críticas a qualquer coisa em seu programa de governo, fora a idéia do muro no México (sobre o qual Trump já conversou até com o presidente do México, visita que misteriosamente Hillary Clinton ainda não fez). Nada mesmo. Basta dizer que é xenófobo e racista e voilà. Qualquer pedido por uma informação a mais recai de novo em “xenófobo e racista”. É uma campanha circular e chata. Agora, com um novo ingrediente: é machista e de um assediador.

Quer algo ainda mais estranho?

Há pencas de denúncias contra Bill Clinton por estupro e contra Hillary Clinton por perseguir e tentar calar as vítimas de Bill (também não sabemos). Isso é minimamente comparável com falar impropérios em privado? Será só uma questão de gradação, ou mesmo de categoria diferente – da falta de modos até o crime violento?

Bill Clinton é flagrado olhando para decote em selfieTais denúncias são públicas e notórias na América há mais de uma década. Paula Jones, antes de Monica Lewinski, foi dada como oportunista, caluniadora e louca. Várias outras denúncias apareceram contra Bill Clinton, que não apareceram contra Bush ou Obama. Não me lembro de alguma feminista exigir, digamos, levantar a sobrancelha em sinal de dúvida. De algum jornalista mirar seu faro investigativo na direção de uma notícia que pode ser chocante, ter um desfecho de furo e, afinal, tem um interesse público de escala global.

Donald Trump está concorrendo há meses. Já o acusaram de tudo (inclusive de coisas bem piores), e nada funcionou. De repente, quando aparece na frente em várias pesquisas: BUM! Acusação de assédio sem provas (provas de assédio são mesmo muito difíceis, a investigação se dá pelos eventos anexos). Coisas das quais nunca ninguém tinha ouvido falar.

Quando Trump responde com as falas das mulheres que acusam Bill Clinton de as ter estuprado, e apenas em resposta aos ataques de Hillary, a mídia dá 99% de atenção ao “escândalo” envolvendo Donald Trump, e 1% de comentário sobre… o “uso” e “ataque”… de Trump à angelical Hillary.

Isso, claro, a mídia americana: a brasileira, ao citar sempre os aborrecidos CNN e New York Times como fonte única, nem sequer acha interessante que os brasileiros saibam que Hillary e Bill Clinton respondem por, em sua linguagem, “machismo” bem pior.

O mesmo método já foi feito com muita gente. É o famoso assassinato de reputações. Harold Bloom, para ficar num exemplo famoso, foi acusado de assédio sexual que teria ocorrido duas décadas antes por uma aluna, Naomi Wolf. Tudo o que ficou claro foi apenas a retórica da moça, feminista radical que acusava a Deus e o mundo de “estupradores” e quis tirar uma casquinha do ex-professor quando se tornou um crítico literário conhecido fora da torre de marfim da Academia.

Quem é Naomi Wolf? A autora de Vagina: A New Biography, que por uma curiosa coincidência foi conselheira política de Bill Clinton e Al Gore. A história parece curiosamente cíclica – primeiro como farsa, depois como tragédia. Mesmo veículos considerados praticamente de extrema-esquerda em seus países, como The Guardian e Slate, quiseram distância de Naomi Wolf. Ficou conhecida do grande público como Crying Wolf.

No caso, era a reputação de um crítico literário sendo queimada. Hoje, o destino de um país que determina o destino do mundo. A verdade pode demorar um pouquinho mais do que duas semanas para aparecer, e aí já terá sido tarde demais.

Novamente: sem saber, qualquer coisa pode ter acontecido, mas analisando o histórico e o momento de Trump e dos Clinton, quem parece ter mais, digamos, ficha corrida? 

Não dá pra comparar uma frase de Trump dizendo que NÃO é um predador sexual, apenas gosta de pegar mulher pela [CENSURADO]: conversas informais, de homens e mulheres, no século XXI, são daí pra baixo. Já flagrar alguém rindo de ter feito o cliente, estuprador de crianças, enganar o detector de mentiras, como fez Hillary Clinton, não é exatamente algo que todo mundo já fez na vida. Nem muito menos algo que possamos considerar normal.

Quantas vezes você viu algum jornalista simplesmente apontar, cogitar fazer uma leve referência, aventar o murmúrio de que Hillary Clinton tem em seu histórico alguns escândalos de gosto bem discutível?

Agora, não mais do que de repente, com uma precisão cirúrgica logo após Donald Trump aparecer ameaçando a “eleição certa” de Hillary Clinton pela primeira vez, mulheres afirmam que foram abusadas sexualmente por Trump há 30 anos. Um homem que sempre viveu cercado de mulheres bonitas sem nenhuma acusação pública (ao contrário do casal Clinton) de repente virou o assediador supremo da nação.

Trata-se da famosa Janela de Overton: apontar algo como extremista (no caso, uma fala privada de Donald Trump que pouco difere do que homens [e mulheres] dizem fora do decoro) e ir trazendo toda a opinião pública para um lado. Mesmo a idéia mais obtusamente extremista, ou a falta completa de idéias, passa como algo mais natural e aceitável se contraposta a algo que sofre bombardeio de todo mundo.

Enquanto as pessoas juram que pensam sozinhas, que chegam às suas próprias conclusões, a opinião pública é a coisa mais privada do mundo, sendo manipulada de cima pra baixo, com todo o manancial de votos democráticos seguindo seu dog whistle.

Mais uma vez, justamente as pessoas que se consideram mais bem informadas, críticas e antenadas são as primeiras a repetir o mesmo pastiche homogeneamente repetido por toda a mídia, sem nunca se perguntar se a história é mesmo como contam – e jornalistas, confiando no poder da Janela de Overton, podem apenas tratar como extremismo de caipiras fanáticos até mesmo questionar por que ninguém comenta sobre escândalos do outro lado.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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