Um ano sem Dilma: Onde estão os especialistas que apostavam contra o impeachment?
Hoje é fácil falar do fim do governo Dilma. Mas você lembra dos especialistas que "previam" o fracasso dos movimentos pelo impeachment?
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Apesar de ter pedido o impeachment de todos os presidentes quando estava na oposição (no segundo mandato de FHC, após meros 52 dias no cargo), o PT insistiu na tese de que sofreu um “golpe” quando Dilma Rousseff chegou ao fim de seu longuíssimo e incrivelmente protelado processo de impeachment.
Quando ainda era oposição, o PT não tinha tantos “analistas” e “especialistas”. Ainda assim, quando o Brasil ainda tinha algo que pode ser chamado de jornalismo, a imprensa apoiou o impeachment de Fernando Collor por seu vexame com um Fiat Elba.
Já no poder, e munido de uma ideologia reducionista (ricos contra pobres, depois “classe média” contra “trabalhadores”) mais rapidamente digerível do que um miojo, o PT pôde e pode contar com toda sorte de “especialistas” que fazem “previsões” e “análises” seguindo os ditames daquilo que os ingleses chamam de wishful thinking: tentando fingir que está descrevendo a realidade, quando se está na verdade prescrevendo uma fórmula, torcendo para que ela se concretize, caso as pessoas realmente acreditem que aquilo foi uma descrição.
O caso do impeachment de Dilma Rousseff foi um verdadeiro manancial de análises furadas, com teses as mais imbecis, embebidas em crenças estapafúrdias, teorias da conspiração e projeções risíveis que mereciam ser analisadas por anos a fio por faculdades de jornalismo. Um verdadeiro modelo do que não fazer quando se é jornalista. Ou quando se é um especialista ou analista político, podendo estar perigosamente proferindo a maior sandice de sua carreira.
De fato, ler notícias um ano depois de escritas, comparando as previsões com a realidade, é um exercício divertido e instrutivo. Nassim Nicholas Taleb, um dos grandes gurus das previsões certas (acertou detalhadamente, como este Senso Incomum, a eleição de Donald Trump, apostando contra toda a mídia), que trabalhou como analista de risco no sistema bancário suíço durante toda a sua vida, sempre recomenda que se coteje o que especialistas e pessoas vendendo previsões já disseram no passado com o que realmente aconteceu. O resultado para o caso brasileiro, com uma chusma de especialistas torcendo quando deveriam estar analisando, e com amplo espaço na grande e velha mídia, merece décadas de análise em monografias, livros, media watchers e aulas nas faculdades de jornalismo.
Que tal lembrar, por exemplo, da manchete Manifestações dão sinais de terem chegado a um limite, diz analista da FGV, da Agência Estado, tendo o UOL como comparsa? Seu texto, de agosto de 2015, lido hoje, mostra o quanto os especialistas se afundaram numa patavina de palavras-chave para petistas, como “classe média alta”, “progressista” ou “direitos”, palavras ocas, verdadeiros cantos de sereia que só entusiasmam militantes já convertidos. Faltou só “movimentos sociais”. Ah, não, não faltou. Nada mais delicioso do que ler a notícia hoje, que apostava em uma aceitação de Dilma pelo povo brasileiro em 2016:
As manifestações de rua deste domingo, 16, dão sinais claros de que esse tipo de protesto está chegando a um limite de potencial. A avaliação é do cientista político Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ele avalia que os três principais grupos Vem Pra Rua, Movimento Brasil Livre e Revoltados Online mostraram uma capacidade de envolver mais diretamente as classes média e média alta e não mostraram habilidade para desenvolver uma pauta propositiva, o que leva a limitações “endógenas” dessas passeatas.
As manifestações até agora foram só o ‘não’, ‘não quero a presidente’, ‘não quero o PT’, mas qual é o projeto? Esse não veio, o que mostra uma completa contradição do que esses grupos expressam em termos de renoção política”, avalia Fonseca. O professor vê como positivo o enfraquecimento desses grupos dada essa falta de proposição política para o País, com expressões de ódio e, no limite, abrindo espaço para pedidos de retorno da ditadura. “É o usar da democracia para acabar com a democracia. O descontentamento com um governo não precisa ser assim. A proposta política não precisa ser feita com ódio, mas com proposição, com debate de ideias, não com o objetivo de desrespeitar e exterminar o outro.”
Ainda que menores que o 15 de março e com resultado mais fraco que o esperado pela oposição e por setores da mídia, que segundo o professor ajudaram a dar destaque para as manifestações, elas tiveram sim expressão e ainda inspiram cuidados ao governo. “O arrefecimento dessas manifestações é um bom sinal pro governo e pra sociedade, mas o fato é que houve manifestações relevantes pelo País e isso é um fato político.”
O professor avalia que o caminho do impeachment, no atual contexto e patrocinado pelos grupos que estão indo às ruas, seria muito ruim para o País. A seu ver, não seria possível no cenário de hoje haver o impedimento de Dilma sem haver um clima golpista que lembre o afastamento de Fernando Lugo no Paraguai. Fonseca acredita que um impeachment agora poderia até gerar um clima de guerra civil no Brasil.
Saída progressista
Francisco Fonseca acredita que o resultado abaixo do esperado pelos grupos que organizaram os protestos é mais fruto da baixa consistência desses grupos que de acertos do governo, mas vê algum impulso das estratégias recentes do Planalto. “A Dilma tem saído mais do gabinete, se reunido com movimentos sociais, como na marcha das Margaridas, lançado propostas como o Plano de Proteção do Emprego”, lembrou.
Para o cientista político, o governo Dilma, se quiser de fato “sair das cordas”, deve continuar pela saída progressista, que é a que tem impacto com seu eleitorado. “A saída de Dilma tem que ser pela agenda progressista, pela pauta dos movimentos que a apoiam e não pela restrição de direitos.” O professor avalia que o Planalto deveria dobrar essa aposta e corrigir erros políticos, como aproveitar a reforma ministerial para afastar ministros “fracos”. “Ministros como o José Eduardo Cardozo (Justiça) e o (Aloizio) Mercadante (Casa Civil) são fracos, não compatíveis com as funções políticas que eles têm de exercer.”
Teria como errar mais? Talvez só se considerasse José Eduardo Cardozo, o famoso JEC, e Mercadante, como homens respeitados pelo povo. De resto, vale o dito de Paul Johnson: intelectuais são animados pelo sentimento de que representam “o povo”. Nada, via de regra, mais longe da verdade.
É este o tipo de gente que está até hoje na grande e velha mídia, fazendo “análises” sobre os mais diversos assuntos, pautando de hashtags no Twitter até presidentes de empresas. E continuarão sendo os gatekeepers, os “especialistas” a definirem o que é verdade e mentira no jornalismo, sem serem cobrados em nenhum momento pelas coisas mais ridículas que digam na vida.
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