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Copa do Mundo

Neymar precisa aprender virtudes com São Tomás de Aquino

Nem só de talento com a bola vive um esportista. Neymar será cobrado por seu comportamento – e São Tomás de Aquino poderia lhe ensinar algumas lições.

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Neymar Jr. foi derrubado na área no jogo contra a Costa Rica, caindo de maneira espalhafatosa, com os braços abertos, e teve um pênalti marcado. Ao invocar o VAR, o árbitro eletrônico, o juiz da partida negou o pênalti, fazendo o jogo seguir. Um pênalti importantíssimo para sair de um 0 x 0 dramático, que quase fez o todo-poderoso Brasil iniciar uma Copa do Mundo com dois empates, enquanto uma esquecida Sérvia já pontuara.

O juiz considerou que, apesar da falta clara, o atacante brasileiro tentou se beneficiar de uma falta que, apesar de óbvia, era leve, tentando fingir um prejuízo maior do que o real. Ou seja, Neymar tentou enganar a arbitragem, em uma atitude pouco esportiva e malandra.

Neymar força pênalti contra a Costa RicaA palavra-chave para entender a decisão é: cair de maneira espalhafatosa. É um espalha-fato: uma tentativa de inventar um fato ab ovo onde ele não existe. Uma hipérbole muito mais próxima da atuação caras e bocas daquilo que a Rede Globo chama forçosamente de “atores” do que de esportistas. As caretas de atores repetindo um roteiro de maneira mais irreal e longe da fala comum do que o Google Translator que vemos nas novelas não possuem regras: o futebol sim. Uma reação a um contato, digamos, fake news.

Minutos depois, após um gol já nos acréscimos, Neymar lavaria a alma da seleção com um segundo gol como último lance, já após os longos 6 minutos prometidos pelo juiz. A imagem do atacante encolhido, chorando copiosamente no campo após a redenção foi repetida infindas vezes na programação da TV.

Se algo ocorreu no mundo (e o Brasil apenas copiou perifericamente o mundo) na última década foi uma redução inacreditável no vocabulário e nos conceitos usados para descrever fenômenos extremamente complexos da realidade. Jornalistas, hoje os principais agentes da repetição de meia dúzia de cacoetes para serem repetidos bovinamente pelas massas, papagaiaram o dia inteiro que eram lágrimas de alegria, da “superação” de um herói nacional. Seu choro pareceu até mesmo um terceiro gol.

Contra a… Costa Rica.

A Copa do Mundo há muito já não é mais um jogo de cartas marcadas (como a diminuta Islândia segurando a perigosíssima Argentina), e parte da graça do evento envolve justamente o imprevisível. Os jogadores brasileiros sofrem uma pressão descomunal ao não conseguirem marcar um gol contra uma Costa Rica que, sabendo-se em desvantagem, usou 9 jogadores como “zagueiros”. Mas a “superação” de  Neymar foi vencer… a Costa Rica?!

É claro, o nome disso é futebol. Ou mesmo esporte. É esperado que o Brasil ganhe. Os salários dos jogadores não podem representar melhor convite a tal resultado. E a pressão é muito mais positiva do que a pressão de um Vestibular pelo qual tantos passam: é a pressão de um favorito favoritando, não de alguém se preparar tanto para algo difícil e extremamente acima dos seus feitos cotidianos. O que era esperado da seleção era apenas que fizesse o que faz o tempo todo. Contra a… Costa Rica.

Cair de lágrimas por conseguir dois suados gols contra um país com menos da metade da população de São Paulo, na fase de pontos, antes mesmo de se classificar? Talvez se fosse a própria Costa Rica, quando ficou em primeiro lugar no “grupo da morte” da Copa de 2014, com Uruguai, Inglaterra e Itália, eliminando dois campeões mundiais e ficando à frente do terceiro. Não quando você é ninguém menos do que o Neymar, um dos melhores jogadores do mundo. Alguém imagina Pelé, Garrincha, Zico, Romário, Ronaldo Fenômeno ou Gaúcho caindo aos prantos? Mas é facílimo “ver” na memória Neymar, David Luiz ou algum astro brasileiro atual.

Conceitos canônicos foram substituídos por meia dúzia de palavras na era das ideologias, quando tudo é -ismo ou -fobia. Palavras só são ouvidas quando se tornam, diga-se, modinhas. Na década de 90 falou-se muito em inteligência emocional. Apesar de ser um conceito tomado pela auto-ajuda e livros mal escritos, ela descreve adequadamente o que falta à geração Neymar: uma capacidade humana básica de lidar com as próprias emoções.

Melhor ainda seria se usássemos o vetusto termo que virou palavrão na era da polícia política do politicamente correto totalitário e viadinho: maturidade. Agir como um homem, e não como um menino.

São Tomás de AquinoPodemos voltar até mais no tempo e lembrar das virtudes cardinais da Igreja, como compiladas por Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Neymar, um gênio da bola, deu uma aula de como é ter talento sem ter virtudes.

Faltou-lhe a prudência (sapientia), a sabedoria para discernir o que é bom e o que é mal, o tirocínio que muitas vezes é possuído por analfabetos e é quase inexistente entre doutores de Harvard. É uma virtude, e não um estudo, que lhe faltou para entender que não se deve tentar ganhar um Oscar de melhor ator quando se quer ganhar um pênalti.

Faltou-lhe a justiça (iustitia), agir conforme o que é de direito, com uma única noção do que é certo (não faz sentido dar um tapa revoltado na bola reclamando de um jogador demorar para se levantar depois de uma falta, e forçar a mesma atitude a seguir).

Faltou-lhe a fortaleza (fortitudo), uma virtude indispensável para qualquer desportista: manter-se firme diante das adversidades, seja resistir à tentação do mal (aquela vontadezinha de cair) ou enfrentar poderosos adversários, como a Alemanha. Nenhum jogador de sinuca no boteco do Careca vence seu adversário sem fortaleza – não há talento com uma bola que a compense.

Faltou-lhe a temperança (temperantìa), a moderação, a sobriedade. Temperança anda para Neymar como água e óleo: além do auto-controle, falta ao craque brasileiro uma mínima e básica noção de hierarquia, de saber não carregar mais peso do que pode carregar.

Toda a reclamação do brasileiro com Neymar (cobrando-lhe e comemorando seu gol minutos depois) é fácil de ser explicada: Neymar é admirado por ser talentoso. É um ícone para a nação. Por isso, adoramos ver seu talento, mas é detestável vê-lo tão mal aplicado, com tão pouca virtude. Ou fair play, para pegar bem com moderninhos seachantes por terem feito intercâmbio. E o que queremos de nossos ídolos é que honrem o seu papel de liderança e sejam exemplos. Neymar sempre será cobrado por isso, e tantos outros craques já perderam seu apelo justamente pelos maus exemplos (de Edmundo a O. J. Simpson).

O psicólogo canadense Jordan B. Peterson tem de destacado no mundo por ensinar meninos a virarem homens. Virtudes são o que faz um homem um ser maduro (vir). O que chamaram de inteligência emocional (controlar as emoções, ao invés de ser por elas controlado) possui um substrato muito mais profundo nos ensinamentos dos antigos, que sabiam mais do que nós sobre tudo.

Os hindus, por exemplo, falam da Rta. De maneira grosseira, podemos defini-la como a adequação das coisas numa ordem de sentimentos. Ao testemunhar um bebê chorando, nosso sentimento deve ser o de atenção, e ao contemplar algo belo, devemos encher nossa alma com boas sensações. Os próprios deuses parecem estar abaixo da Rta: é inconcebível a um deus criar a luz, a água, os ventos ou o homem e não reagir a eles como é da ordem das coisas.

Num plano bem mais platiforme do que o mítico-metafísico, Neymar, tão talentoso, caro e perigoso (e, por isso, um ídolo), não tem se mostrado prudente, justo, valente e moderado. Na profunda crise de masculinidade pelo qual passa o mundo, acaba sendo infelizmente óbvio que cairia no choro após finalmente conseguir marcar um gol sofrido contra uma Costa Rica, se anda longe das outras virtudes que formam um homem (em todos os sentidos). Não basta ser talentoso e ter uma namorada bonita: um homem está acima e além disso.

É um Neymar homem que o brasileiro quer ver, não um Neymar menino, sempre precisando de umas broncas corretivas.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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