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Crônica da semana

Milongas Epistolares

Breve compilação de malcriações enviadas ao colunista

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Esse espaço que, toda sexta-feira, uso com muito afinco e cuido com tanto esmero nem sempre agrada aos leitores, o que demonstra que ando na direção certa. O incômodo é o princípio do conhecimento, desde que não seja urticária, disse Kant. Recebo diariamente milhares de mensagens. Muitas delas são perguntas corriqueiras e desimportantes: quais os princípios fundamentais da metafísica? Como me religo ao criador? É biscoito ou bolacha? 

Recebo algumas cantadas, mas todas vêm do mesmo endereço: Miami.

Recebo alguns xingamentos também, o que muito me honra. Nesse país, o fracasso alheio causa inveja. Não tenho condições arteriais para agradecer a todas as ofensas. O mundo está cada vez mais dividido entre aqueles que praticam crossfit e quem tem astigmatismo. Míopes e sedentários formam uma miríade de excluídos. Mas não quero me alongar em sociologia barata. 

Separei algumas das cartas mais relevantes que recebi nesse curto tempo. Acho que as críticas são todas oportunas e as mensagens de incentivo também. Agradeço a todos os que, de alguma forma, contribuem para meu aperfeiçoamento mental, porque o físico está indo para o beleléu. Culpa do Luigi!

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Olá, meu nome é Arlindo Schmeck. Tenho 47 anos. Casei aos 18 com a filha de um potentado mujique que me flagrou sem as calças curtas quando, de um modo pouco ortodoxo, ensinava sua filha a cortar tomates. Escapei da castração exortando toda sorte de belezas da jovem russa, embora ela fosse totalmente vesga e deslustrada. Dessa doce união colhi três rebentos que são a luz da minha vida, muito embora eu já viva no escuro há alguns anos. A família daquele serzinho que amei de modo tão genuíno  me passou um golpe e hoje vivo debaixo de um lariço, torcendo sempre para que não chova. Trabalhei como almoxarife numa companhia de petróleo, ou eram piratas do mar – minha memória vive a me trair. Quero dizer que suas crônicas me ajudaram muito a me tornar um ser ainda mais abjeto.

Obrigado.

 

No Seu texto de 25 de setembro de 1984, o senhor comenta que não se importa com a aparência externa de nosso regime político, mas que seria bom ter uma forma mais enxuta. Discordo. Se o senhor Tancredo Neves for eleito, como parece que o será, teremos enfim um motivo para comemorar. O senhor não sabe, mas a mística republicana, reforçada em toda a América Latina pelos eflúvios da “religião civil” de Rousseau, deu com os burros n’água. O fato é que, enquanto a América do Norte se tornava independente antes da revolução francesa, eu tinha dificuldades de encontrar um sal de fruta na pharmacia. Gostaria que o senhor soubesse que sofre muito com azia. 

Grato

Arthur Bonaparte, interno

 

Foi muito bom conhecê-lo no mês passado naquele encontro de catadores de remela anônimos. O senhor provavelmente não me reconheceu. Eu usava óculos, nariz e bigode. Recomendações médicas. O senhor me disse que tinha dificuldade em conter o espirro e lhe dei duas notas de 5 reais. Lembrou agora? Não? Tudo bem. Pedi que o senhor contasse minha história numa de suas colunas e o senhor deve ter esquecido-se. Tudo bem. Eu fora um grande empresário do ramo têxtil que fali porque o público achou pernicioso demais camisas com uma só manga. Lembrou-se de mim? Creio que ainda não. Escrevo para pedir que reserve na sua agenda um dia para que eu possa assassiná-lo. Será tudo muito rápido. Prometo. Quarta é bom para o senhor?

Arthur Bonaparte, liberado

 

Ao ler a crônica da semana do Senso Incomum, com o título Outra Vez na América Espanhola, fiquei tocado com a altivez e a irreverência do colunista. Não é brilhante, isso é um fato, mas me fez recordar algumas boas coisas. Nasci em outra cidade que também se chamava Buenos Aires. Eu também morri. Uma moeda entalou na minha garganta. Maldito dólar sextavado. Vi o último sorriso de Beatriz. O hálito não era dos melhores. Pitágoras não deixou uma linha escrita. Era dislexo. Mas se disser que eu lhe disse isso, nego. Se estiver lendo essa carta, então o sábio Arquimedes terá acertado e a noite de hoje brilhará como nunca antes. Driblamos o grande roteirista do tempo e das coisas eternas. Você conhecerá tigres bem azuis e nas águas mitológicas do Aqueronte, fará pipi. Tenha uma boa vida.

J. L. B.  

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Assuntos:
Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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