Eu quero o cargo de Secretário da Cultura
Já que estão nos acusando de querer cargo, admito: eu quero o cargo de Secretário da Cultura. Meu primeiro ato será extinguir a pasta. Custo zero.
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Você quer pagar mais imposto no novo Playstation pra financiar artista? Nem eu. O artista precisa concorrer com o Playstation no mano a mano e ganhar. O Playstation fez sua glória sem lei Rouanet. O Playstation é mais do que o artista. O artista é que precisa pagar mais imposto pro povo ter acesso ao Playstation.
Abra um jornal (ou melhor, abra uma rede social, que ganhou na teoria darwiniana do jornal) e leia o que dizem por aí. Que o artista tá desesperado. Que precisa pagar a conta de luz, de dívida com o traficante e de AZT do artista. Que o governo não faz nada pelo artista. Quiséramos nós, pessoas normais, que isso fosse verdade.
O problema não é bem a conversa. O problema é o tom gótico e sorumbático associado a uma das palavras mais polissêmicas da humanidade. Falam de “artista” por aí como se estivéssemos em pleno Renascimento florentino ou Romantismo alemão. Parece que tem um Lessing em cada novela na Globo. Um Albrecht Dürer a cada pichação em viaduto. Um Chaucer em cada partícipe do programa da Fátima Bernardes. Um Rivarol a cada esquete do Porta dos Fundos. Um Shostakovich em cada roda de MPB em boteco pé-sujo com cerveja a R$ 30 a garrafa. E aposto que o artista não entendeu porra nenhuma do que acabei de escrever.
Arte, já dizia Platão, é uma tekhné, é estudo, dedicação, inspiração e transpiração. Chamar pela mesma palavra – “artista” – um Beethoven e um Chico Buarque é uma das maiores auto-enganações já inventadas pelo Capiroto. Não surpreende que é a mesma turma que chama aquela maçaroca de algas com gosto de capim ruminado e regurgitado de “hambúrguer vegano”. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Suas palavras mágicas abracadabra não transformam água em vinho. Try harder.
Como chamam só o formato de algo tosco com a mesma palavra reservada para um Shakespeare, um Chopin, um Hoffmannsthal ou um Luis Suárez – verdadeiros artistas – é fácil ver jovem, que não entende nada do mundo e teria dificuldade de entender um artista de verdade, dizendo que vive agora sob o Quarto Reich porque não tem dinheiro estatal pra arte – só pra te avisar, nenhum governo no mundo foi mais estetizado do que o dele próprio, Hitley.
Por isso proponho uma solução. Já que tem uns bandidos por aí inventando que queremos cargos públicos em grupo de Zap com jornalista burro que acredita, peço ao Excelentíssimo Sr. Presidente da República um cargo para mim. O cargo de Secretário da Cultura. Nada de Regina Duarte: euzinho. Minha primeira ação como novo Secretário da Cultura do Brasil será extinguir a Secretaria da Cultura. Custo zero para o contribuinte. A minha segunda será diminuir o imposto do Playstation.
Muito se diz por aí que precisamos de políticas de fomento à cultura. Nada poderia ser mais falso: pergunte para um pai de família se ele quer que seu filho seja engenheiro naval ou artista pra você ver uma resposta sem titubear. Precisamos de uma política de fomento aos engenheiros navais. Só quem se preocupa com artista brasileiro é artista brasileiro. E a opinião de artista brasileiro não conta.
Irei na contramão: inaugurarei uma época de esplendor não com o fomento e incentivo aos artistas, mas com a paulatina e acelerada criminalização dos artistas.
Platão já sabia que artista tinha que ser proibido. E olha que os artistas da época dele eram Homero, Hesíodo, Safo, Eurípedes, Aristófanes, Ésquilo. Só essa turminha. Mas Platão via que sua habilidade com a sedução entre som e sentido, seu meneio de múltiplos sentidos e sensações evocadas e sua flexibilidade com os tons imprecisos da escolha moral humana não eram bons presságios para uma cidade “perfeita”. Imagine hoje, em que nossos “artistas” formando opinião pública de jovens são Marcelo D2, Tico Santa Cruz, Ludmilla, Felipe Neto, Gregório Duvivier e Preta Gil. Tem que proibir o artista.
Aliás, o pai desta última já teve o cargo que pleiteio para mim. Sabe o que ele fez de bom? Pois é. Nem eu. Mas além de ter tido um alto custo para fazer o mesmo que eu vou fazer de graça, não terá o ônus de dar dinheiro para artista. Nem mesmo de cantar. E nem mesmo de dar ao mundo a Preta Gil.
Se é para gastar dinheiro público, será com uma milícia organizada anti-artista. Vai ter um disque-denúncia 24 horas por dia para proteger a população de artistas. “Socorro, Secretaria, tem alguém fazendo rimas na esquina!” Vai ter curso, oficina, workshop e tratamento de choque para os pais mandarem os filhos quando descobrirem que eles são artistas. Vai ter grupo de recuperação “Artistas Anônimos”, pro cabra dizer que está há 3 anos e 8 meses sem fazer arte. E, em casos extremos, vai ter campo de trabalhos forçados para artista. Artista só serve pra construir pirâmide. Pirâmides são mais importantes do que artistas. De que artista egípcio você sabe o nome?
Já notou que toda vez que falam em rima nesse país você já sente a fedentina de maconha? Parece até que estamos testemunhando uns paspalhos de dreads que sabem o que é um madrigal ou que saibam diferenciar uma estrofe sáfica de uma oitava real. Não, é sempre um usuário de entorpecentes “rimando” a vogal tônica de verbos no infinitivo dizendo que o país é injusto porque não o leva a sério e dizendo que precisamos botar bandidos nas ruas porque eles são vítimas do direito natural humano ao Nike e ao iPhone do próximo.
Por exemplo, Zélia Duncan fez um vídeo em que dá a entender (pelo que dá pra entender, o que é muito pouco) que eleitor de Bolsonaro não precisa de artista. Foi mais clara ainda no Faustão: bolsonarista não deveria ouvir Zélia Duncan. Taí, já é um começo: tá proibido para 55% do eleitorado ouvir Zélia Duncan. É uma boa política, mas é só a ponta do iceberg. Falta proibir para os outros 45% (e mais brancos, nulos e quem aproveitou as eleições pra ir trepar ou dormir). Teremos um país Zéliaduncanfree. Fora que pode existir algo mais sintomático do que uma “artista” que passa uma década sem produzir sua, ahn, “arte”, falando sobre a importância das rimas sem saber rimar?
https://twitter.com/zdoficial/status/1213997786443763713
Não adianta ter uma política de Estado sobre arte se o país não tem artistas. E o que chamam de “artistas” por aí é gente feia ficando pelada ou balançando os testículos e dizendo que é uma mulher. Ou, é claro, ficando pelada com criança passando a mão. Ou enfiando um o dedo no toba do outro.
Chega a ser hilário pensar em Zélia Duncan lendo um Alfred Döblin, ou admirando um Kadinsky, escandindo as rimas de um Augusto dos Anjos, se curvando religiosamente diante de um Gioavanni Strazza ou, claro, ouvindo um Rimsky-Korsakov e entendendo o que tá rolando.
Se nos parece chocante que Platão queira expulsar os poetas da cidade (logo ele, fazendo poesia), só precisamos de uma Zélia Duncan para entender perfeitamente o problema. E aí, só precisa fazer com o resto, uns mil por dia.
Começar com artista da MPB já vai melhorar nosso IDH em uns 30 dígitos e salvar nossas conversas de bar, que é o único lugar em que insistem que MPB é música elevada. Daí, continuaremos com o nosso grandioso e faraônico projeto de criminalização dos outros artistas. Depois do Fome zero, o Fomento zero. Lembrando que Anitta e Tati Quebra-Barraco é tudo subproduto tardio da MPB.
Convença Bolsonaro a me dar a pasta de Secretaria da Cultura. Porque o Brasil não precisa de Detonautas, Cláudia Leitte e MC Guimê, o Brasil precisa de Playstation.
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