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Fina barbárie

O jornalismo e a contemplação carinhosa da desgraça

Tudo o que os jornalistas profissionais mais querem é te deixar de cabelo em pé na frente do sofá

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lixãojornal

Desde que o mundo é mundo é assim: fofoqueiros de todas as épocas sempre se alimentaram de desgraças para manter sua reputação de pé. O jornalismo atual, talvez como nunca antes na história do homem, é formado majoritariamente por fofoqueiros de quinta categoria, pré alfabetizados e totalmente deslocados da realidade mais imediata.

Nenhuma outra classe profissional se mantém em atividade sem que seus membros estejam em constante aprimoramento. Salvo as exceções que confirmam a regra, o jornalismo moderno e profissional não só não se aprimora como despreza as mais elementares regras da própria atividade.

Imaginem um engenheiro que não saiba realizar cálculos que seu bisavô fazia. Hoje, mais do que isso, ele deve dominar as tecnologias que o auxiliam no seu campo de trabalho. Da conta de cabeça ao AutoCad, a engenharia foi, cada vez mais, melhorando seus conceitos e suas ferramentas, mesmo que os cálculos permaneçam imutáveis. Afinal, a matemática não muda. Um calculista que despreze as fórmulas para dimensionar uma viga de sustentação corre sérios riscos de não ir muito longe na carreira. 

Se isso se dá numa profissão altamente delimitada, ela deve se estender ao máximo a profissões cujos limites são muito difíceis de discernir: a arte é um exemplo. Kandinsky pode se desinteressar pelas formas nítidas e ir em busca de formas significativas, mas sua capacidade de expressar as formas nítidas tem que ser quase absoluta, sob o risco de que suas significações se percam em meros retalhos de uma mão desajeitada.

Eric Voegelin diz que “a razão e o espírito são os dois modos de constituição do homem, os quais foram generalizados na idéia de homem”. Esse “descobrimento definitivo” se abre para a razão, na busca pelo conhecimento do mundo; e para o espírito, na busca de Deus. Já disse, em outro texto, que a arte e a religião são as duas formas pelas quais o homem engrandece sua experiência: pelos olhos de Deus ele se vê encolhido e tem a noção de sua pequenez; pelos olhos do artista ele se vê dilatado e pode captar a dimensão de sua enormidade.

A atividade jornalística visa transmitir informações atuais a uma fartura de pessoas que, em função de seus próprios afazeres, não tem como investigar e analisar cada um dos acontecimentos aos quais essas informações se referem. Na sua melhor forma, indivíduos abertos ao conhecimento e ao espírito esmiúçam o mundo corriqueiro a fim de ampará-lo nesses alicerces. 

A massa jornalística atual, a que dá as caras diariamente na televisão, na internet e nos jornais e revistas não possui as ferramentas elementares para captar a complexidade da realidade. A sua visão de mundo é muitas vezes mais rasa que a de um flanelinha de porta de estádio. Há muitas razões para esse declínio e não vou entrar nelas nesse momento. O que é fundamental é retirá-los dessa posição prepotente que assumiram sobre o todo da sociedade. 

Uma Vera Magalhães, uma Monica Bergamo, como diria Ortega y Gasset, possuem um instrumental de noções arcaico e estéril do que seja a sociedade, coletividade, usos, leis, justiça, revolução, etc. A cosmovisão de um Guga Noblat não supera a de um pedreiro que contempla uma perna mecânica. 

Não é por acaso que essa classe esteja se aproveitando de uma pandemia global para se autobeatificar, ao mesmo tempo que se ajoelha a qualquer autoridade do YouTube que, entre um test drive e uma partida de Fifa Soccer, aterroriza a sociedade com previsões totalmente irracionais.

A classe mais desprezada e desprezível tem um amor reverencial às catástrofes e às pandemias. É o sentimento bizarramente confortante de ser o primeiro a testemunhar um acidente. Quanto mais terrível o acidente for, mais ele será instado a contar o que viu, e assim, maior será a importância que dá a si mesmo.

A epidemia zumbi prevista pela Globo até agora não se concretizou. Ao mesmo tempo, o outro lado, desprezando os altos valores, transformou a pandemia num concurso de beleza. A birra midiática não pode ser combatida com mais birra. O indivíduo comum, o afegão médio, cada vez mais percebe quem causa agito e pânico. A nossa resposta tem que ser a ironia do espírito e a habilidade da razão. 

Camilo José Cela, no conto Costumes Ancestrais, fala de uma puta que fodia a domicílio:

“Chamava-se Lobinha, embora alguns a tratassem por Lurdes do Bonequeiro, e tinha uma boa clientela entre os deficientes mentais irreversíveis, os hipocondríacos, os que usavam dentaduras artificiais e sofriam de orquite deixada pelas queimaduras das águas-vivas – o que aliás era um senhor refinamento! -, os reverendos padres que optaram por pendurar a batina e entregar-se com entusiasmo à farra e à sem-vergonhice, os reverendos padres que mesmo quando ainda vestiam batinas e alvas já sabiam que o pecado do escândalo é dificilmente perdoável, os poetas líricos constipados pelo abuso de marmelada, as omeleteiras envergonhadas ou alérgicas, aposentados, artríticos, reumáticos, prostéticos e muitas outras espécies de sedentários.”

O pecado mortal do jornalismo foi se apropriar da graça melancólica e democrática de uma prostituta para entregá-la aos poderosos sob a máscara de uma suposta isenção.

O resto se ajeita.

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Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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