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Sigilo total, jornalista profissional

Meio dia útil na vida de um jornalista profissional

Vinho caro, tuítes, iluminismo 2.0, cruzada contra o obscurantismo. Saiba o que um jornalista profissional faz em meia jornada de trabalho

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Neuza Guimarães, jornalista, acha que os eleitores do Biroliro são o suprassumo do fanatismo político. Fica indignada com o que considera ser o fim do debate inteligente, da argumentação lógica. “E essa agora de quererem aplicar medicação que não tem selo da OMS? De furarem quarentena cientificamente comprovada pelo grande cientista Tamarindo?” Neuza repete todo dia, para não perder a sanidade: não tenho político de estimação!

 Nem bem raia o dia, sem nem averiguar no espelho o estrago que uma noite mal dormida faz num rosto já desarmonizado por natureza, abre o celular e vai direto ao Twitter ler tudo o que o presidente, seus ministros, seus filhos, seus assessores, seus apoiadores, seus amigos, sua tia conserva, seu primo olavista, sua mãe reaça, o padre Jeremias, da paróquia São Eustáquio, o rabino Ben Shmek, o coronel Trautman, Huguinho, Zezinho, Luizinho, escreveram. 

Inconformada com tanta ignorância, antes mesmo do protocolar bom dia aos filhos, Neuzita já é uma estação de energia elétrica de nervos. Das oito e meia da manhã às onze, já publicou cento e quarenta e quatro tuítes ligando Bolonoro à implementação do radicalismo na política, à milícia carioca, ao obscurantismo, ao nazismo, ao fascismo, às mortes por coronavírus, à idade média, ao gabinete do ódio, ao golpe militar, ao AI-5, ao incêndio do Joelma, à falha de San Andreas, às dez pragas do Egito, ao tsunami na Malásia, ao assassinato de Marielle Franco e Odete Roitman, ao stand up comedy brasileiro (aí é caso de polícia mesmo). 

Ao meio dia, esfrangalhada, consumida pelo árduo dever de abrir os olhos da malta ignara e influenciável, nossa heroína posta a foto de seu almoço no Instagram: salmão grelhado, batata sauté e brócolis na manteiga; ao fundo, uma estonteante taça de vinho Château Troplong Mondot Grand Cru Classé Saint-Émilion AOC 2016. A legenda da foto: “quem se ama não quer guerra com ninguém.” O bom dia sequer foi dado.

O celular apita. É o chefe, governador chiquérrimo de um estado da federação. Por questões éticas darei um nome fictício ao estado. Chamarei de São Paulo. 

A conversa é rápida. O governador quer que se intensifiquem as mensagens positivas sobre suas ações de governo. “Neuza, eu fechei tudo. Não aceito mais essa desobediência. Vou prender quem furar a quarentena e colocar em risco a vida das pessoas. Meu único objetivo aqui é a saúde da população.”

“Claro, J. Estou conversando com AB para trazer um youtuber de Catiri do Oeste que leu um estudo científico do NESADVL (núcleo de estudos para a substituição dos artigos definidos por verbos de ligação) de Harvard e que comprova que até 2067, morrerão de COVID19 entre 600 e 1 bilhão de pessoas. Tudo checado pela OMS.”

“Ótimo, Neuza. Estarei em meu gabinete todo preto moderno, usual e prático. Amanhã farei compras de dezoito top siders e trinta blusas de tricô para amarrar nos ombros. Não quero ser incomodado.”

Neuza desliga. Uma da tarde. Considerando que o artigo 303 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) estabelece que a jornada de trabalho do jornalista é de cinco horas diárias, ultrapassamos muito mais que meio dia de trabalho na vida de um profissional das informações cretinas. 

Finda-se a exposição.

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Assuntos:
Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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