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Ideologia

Não se pode punir imbecilidade como se fosse crime

Os abusos sofridos por mulheres na Copa da Rússia devem ser condenados moralmente com rigor. Entretanto, não são condutas criminosas, ou criaríamos um Estado moralista totalitário.

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Jornalista russa em vídeo de abuso por torcedores brasileiros

Alguns atos de abuso de homens se tornaram notáveis na Copa da Rússia, com a exposição via redes sociais ganhando ainda mais força do que há quatro anos. Primeiro, o grupo de brasileiros que fez uma repórter russa, que nitidamente não sabe falar português, repetir o brado “b… rosa! b… rosa!”. Depois, o russo que tentou dar um beijo forçado na repórter Julia Guimarães antes do jogo entre Senegal e Japão.

Há poucos anos, de presidentes de empresa até a população desassistida, sem estudo formal, teria uma única visão sobre tais atos: não apenas reprováveis, mas um acinte à dignidade das mulheres em questão. Sendo uma sociedade que protege as vítimas de um abuso, deveríamos reprovar tal comportamento e defender mulheres inocentes. E, sendo uma sociedade que sabe dos perigos do autoritarismo, saberia que é um ato condenável moralmente, mas não com a força da lei. Afinal, o que aconteceria se colocássemos os imbecis na cadeia?

Com as ideologias dominando hegemonicamente o pensamento (nas escolas, nas Universidades, no jornalismo, até mesmo em tribunais), ao invés de um mínimo de bom senso, hierarquização de fatos e contraposição entre moral e direito, temos uma única e raivosa explicação para todos os nossos problemas, exigindo punição medieval quando o ato se encaixa em algum -ismo ou -fobia (como machismo ou homofobia), e um abrandamento punitivo se o ato criminoso não fomentar tal narrativa (assaltos, tráfico, mesmo assassinato).

Foi o receituário para ato moralmente condenável ser tratado como algo criminalmente condenável – mais do que isso, como o maior crime da história recente do país.

https://twitter.com/SamTadeu/status/1010934146288504832

No episodio 61 de nosso podcast Guten MorgenO que raios é a direita?, definimos a direita de uma forma poucas vezes sugerida: o conservadorismo, a defesa da tradição do complexo judaico-cristão, do Direito romano e da filosofia grega, defende uma separação entre o poder político e o poder sacerdotal, enquanto a miríade de ataques que a civilização ocidental recebe presume sempre uma unidade entre os dois poderes.

Mesmo no mundo de laicismo absoluto pós-Primeira Guerra, a figura do sacerdote continua presente – apenas foi trocada para o professor, o jornalista, a celebridade, o complexo midiático e de showbiz que delimita o que é permitido.

Desta forma, enquanto no conservadorismo há uma separação entre moral, verdade e política (embora haja um cruzamento necessário no Direito), em qualquer tentativa moderna de refundar a civilização (o que Eric Voegelin chama de gnose moderna) há sempre uma unidade entre o que é verdadeiro, o que é certo e o que um político faz. Não à toa, direitistas observam o Estado sempre com desconfiança e preconizam um Estado como mal necessário, enquanto a esquerda, desde a Revolução Francesa, tem alta admiração não por sacerdotes contrapostos a reis, mas sim uma crença absoluta, total e totalitária em políticos (e revolucionários), colocados como arautos da verdade, juízes da moral e a quem se deve dar todo o poder político e de liderança moral de uma nação.

Nesta era gnóstica em que vivemos, acredita-se piamente que todo o conhecimento possível sobre o mundo pode ser possuído pelo homem (um dos maiores temas da obra Os Demônios, de Dostoievsky), confundindo-se quase sempre o poder de definir o que é verdade nas mãos de um político, de um juiz ou de alguma autoridade do aparato estatal (não do poder de mando do Estado, a autoritas, mas o poder de força física estatal, a potestas), ao invés de permitir alguma liberdade privada, sabendo-se que a lei nunca chegará à verdade, ou que os agentes humanos são falhos, ou ainda que o uso da punição estatal nem sempre conseguirá criar uma moral (ainda mais em crimes que não envolvam violência física).

Ora, a defesa das mulheres foi feita na sociedade de inúmeras maneiras, embora o caráter revolucionário da sociedade pós-moderna trate toda a preservação da feminilidade anterior ao feminismo como uma verdadeira opressão (como o fato de a mulher ser poupada da guerra, ou o código de conduta do cavalheirismo implicar toda a força masculina ser direcionada para a proteção da mulher).

Jornalista Júlia Guimarães desvia de torcedor russo que tenta lhe dar um beijo forçadoEstamos hoje diante de um caso que mostra justamente a falha da ideologia gnóstica do feminismo: houve na Rússia, diversas vezes, o abuso da força de homens. Quando homens enganaram uma repórter russa (óbvio que imprudente em repetir palavras que desconhece em um grupo de homens embriagados, mas a defesa da mulher deve ser integral, não perguntar qual mulher defender), feriram justamente uma regra de conduta social. Alguém imagina um d’Artagnan, um Robin Hood, um Ivanhoe, um Indiana Jones, um Don Diego de la Vega ou mesmo um Don Juan (!), estes exemplos de conduta masculina do passado, fazendo algo parecido com uma mulher, diminuindo sua dignidade, tratando-a como um pedaço de carne?

Curiosamente, o feminismo, que acredita defender as mulheres (e melhor do que um código de conduta púbica), é a primeira e mais histérica ideologia moderna a pregar o hedonismo absoluto, tratando até filhos frutos de relações sexuais anódinas e sem sentido como um “amontoado de células” a ser extirpado como uma unha encravada ou um câncer.

Não é preciso ser muito inteligente para perceber que exatamente tal visão de mundo, abraçada por muitos homens, é que varre o cavalheirismo, o auto-controle sexual, uma moral defensora de bons costumes e da mulher como provedora do núcleo familiar para o “obscurantismo”, preferindo homens igualmente hedonistas, preocupados apenas com o prazer.

O resultado não poderia ser outro: homens gritando “b… rosa!” como um grande feito a ser compartilhado via WhatsApp com os amigos, ou tentando arrancar um beijo forçado de uma repórter no meio da rua. Mesmo que não haja o abuso da força física nos atos, há sempre sua presunção: é por isso que homens não devem ter o direito de tentar arrancar um beijo forçado de uma mulher, mas, a não ser em casos extremos, uma mulher dificilmente consiga ser uma “abusadora” se tentar o mesmo com um homem, já que costumam ser mais fracas fisicamente e não podem usar sua força para “ameaçar”.

Não adianta que as feministas digam depois: “Mas queremos que apenas as mulheres sejam hedonistas, e os homens tratem um não como um não”. Ou a moral é pública e universal ou simplesmente não funciona. Ou se defende que relações humanas tenham significado além de “amontoados de células” e exista uma moral pública sexual (e baseada na rígida distinção entre os sexos), ou restará às mulheres, quando vítimas de abusadores, recorrer unica e exclusivamente à autoridade político-estatal.

Daí que era esperado que feministas, ao virem as cenas horrorosas na Rússia, ao invés de exigirem costumes e hábitos melhores dos homens (aquilo que acusam de “moralismo”), prefiram gritar que “é crime” (mesmo sem elencá-lo), ou fazer abaixo-assinados pedindo pela prisão (sic) dos imbecis. Já que não há (felizmente) leis para punir a imbecilidade, recorrem a paliativos, como passar na TV seus nomes completos, onde trabalham (para forçar demissões e prejuízos) e demais formas de colocar os retardados em perigo físico, para compensar a falta de cadeia.

É mais do que natural que a Latam (onde um dos idiotas trabalhava) o demitisse – que empresa gostaria de ter sua imagem associada a um trouxa como ele? – e mesmo a OAB, por mais reprovável que costume ser, também pode iniciar uma punição administrativa – afinal, até mesmo uma quitanda pode ter um código de conduta.

O que a ideologia moderna causa de erro, além de sua visão platiforme de realidade, é o erro na punição. Ao invés de uma punição moral, resta uma punição estatal – ou, na impossibilidade desta, um linchamento público. Assassinos e abusadores de crianças não costumam ter seu rosto e seus dados repetidos na TV como foram os “machistas” dos vídeos.

Em situações normais, não seria preciso avisar, mas graças à falta de inteligência média, é preciso frisar que isto não significa nenhum abonamento para os completos estúpidos dos dois casos, como muitos tentaram dizer. Deve-se apontar que foram dois erros (dos imbecis e da reação ideológica), e não apenas um.

O que falta ao mundo moderno é um retorno à discussão moral. À noção óbvia de que relações sociais não são apenas desejo, e sim algo com um sentido além das moléculas. Protegeríamos muito melhor as mulheres de situações vexaminosas (e, não raro, perigosas) com esta simples mudança.

E, afinal, o que seria de nossos pensadores se puníssemos a imbecilidade como se fosse crime? Zé de Abreu, o ator global comunista, cuspiu no rosto de uma mulher sentada aos berros e ainda ganhou destaque no Faustão para se auto-elogiar pelo “feito”. Mas quando o imbecil (e abusador pior) está do lado revolucionário do espectro político, de repente a tolerância do feminismo é total.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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