Bolsonaro, Coronel Ustra e Jean Wyllys: o que o episódio nos ensina sobre a guerra de narrativas?
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Ensina-nos que a direita não sabe absolutamente nada a respeito, que vai continuar perdendo para a esquerda enquanto não mudar e que, neste campo, age como um burro que se move na direção de uma cenoura pendurada ante o seu nariz. Nada que já não soubéssemos, não é mesmo?
De fato, a direita nascente no Brasil – esta “nova direita”, posterior a junho de 2013, a direita que quer fazer revolução de Facebook e acha que a mudança política pode prescindir do estudo sério e paciente da realidade – é facilmente influenciável pela esquerda a adotar os termos que os próprios esquerdistas lançam no debate público – e o fazem com uma ansiedade tremenda.
Dois erros foram imediatamente cometidos pela direita brasileira no episódio envolvendo Bolsonaro e Jean Wyllys:
1) Em vez de focarem seus comentários na cusparada dolosa e premeditada de Jean Wyllys contra Jair Bolsonaro, que pode valer até mesmo a cassação do mandato do psolista, os direitistas brasileiros resolveram, por um consenso mimético quase generalizado, se unir aos próprios esquerdistas para bater em Jair Bolsonaro pela homenagem ao Coronel Ustra durante o discurso do impeachment, aliviando a gravidade do ato de Jean Wyllys, como se a palavra de Bolsonaro fosse mais grave do que uma agressão, e mesmo contribuindo para abafar o seu potencial punitivo real;
2) O que é pior: os arroubos de bom-mocismo, do tipo “é injustificável homenagear torturadores!”, já partem do pressuposto, por ninguém comprovado, de que o Coronel Ustra era um maldito torturador e não um militar difamado pelo PT e demais terroristas da época, um pressuposto perigoso que, em si mesmo, já envolve admitir, antes de tudo, a validade dos termos utilizados pela esquerda e, em seguida, que o Partido dos Trabalhadores e a Sra. Dilma Rousseff, mentirosos em tudo o mais, neste ponto mereceriam o crédito da verdade. Veja-se quantos saltos irrefletidos a direita brasileira deu, de imediato, só ao admitir isto!
O mais impressionante, contudo, é que ninguém parou para pensar sobre o real alcance de seus comentários, sobre a posição que eles realmente firmavam no debate público, antes de sair por aí posando de bons moços moralistas, preocupados em pavonear a beleza dos seus lindos semblantes britânicos, enquanto proclamam, com ares de sóbria direita democrata cool e antenada, que “entre comunistas assassinos e coronéis torturadores, escolho lutar até a morte pela liderdade!”
Quão tolo pode ser um movimento político que não quer estudar e entender a realidade antes de se aventurar em mudar o mundo e derrubar governos…
Vamos por partes.
Primeiro, o erro estratégico.
O deputado mais esquerdista da Câmara, o defensor de cirurgia de mudança de sexo para crianças, cospe num opositor simplesmente por não gostar do que ele diz. Depois, vai às redes sociais e diz que cuspiria de novo. Ato contínuo, mente, afirmando que cuspiu porque foi insultado de “queima-rosca” e “baitola”, o que se comprovou ser falso pelo vídeo do momento, gravado pelo Deputado Eduardo Bolsonaro: Jair Bolsonaro dizia “tchau, querida! Tchau, meu amor!”
Em seguida, um outro vídeo confirma que o ato foi premeditado: a leitura labial de Jean Wyllys, momentos antes da cusparada, denuncia que ele afirmara para o deputado Chico Alencar: “eu vou cuspir em Bolsonaro! Vou cuspir!” E, de fato, foi lá e cuspiu.
Num situação destas, de evidente quebra de decoro e abuso das prerrogativas constitucionais do parlamentar (como expliquei na minha página no Facebook, passível até mesmo de punição com a perda do mandato), a escolha da direita brasileira não é bater no absurdo cometido por Jean Wyllys, mas ajudar o próprio Jean Wyllys a abafar o caso, unindo-se a ele nas críticas a Jair Bolsonaro por ter citado o Coronel Brilhante Ustra.
Há um defeito claro de estratégia, que revela como os direitistas brasileiros não sabem transitar no meio da guerra de narrativas: preferem fortalecer a narrativa do adversário em vez de lançarem a sua própria.
Ainda no dia 17, quando os episódios ocorreram, a esquerda entendeu imediatamente que precisava abafar o ato de Jean Wyllys. Lançou na hora a narrativa de que a homenagem de Bolsonaro ao Coronel Ustra era um fato tão ou mais grave do que a cusparada do socialista. Os direitistas brasileiros embarcaram juntos e, apesar de não diminuírem no próprio discurso a gravidade do que Jean Wyllys fizera, na prática, contribuíram para tornar mais forte no esquema geral do debate público a narrativa contra Bolsonaro.
Por um passe de mágica, uma palavra se tornou mais grave do que uma agressão física desrespeitosa e covarde (Jean Wyllys premeditou, teve intenção, cuspiu, correu e mentiu), demonstrando como no debate público as narrativas podem prevalecer sobre a realidade.
Tudo, volto a dizer, com o auxílio da nossa esclarecida direita brasileira.
No momento atual, a OAB-RJ pede no STF a cassação de Jair Bolsonaro pela homenagem a Ustra (o que não tem o mínimo respaldo jurídico, mas serve para fortalecer a narrativa de que uma palavra de Bolsonaro é, ela sim, passível de punição com perda de mandato, enquanto a cusparada de Jean Wyllys, não), ao mesmo tempo em que a direita brasileira se gaba de ser isenta e de não apoiar torturadores.
A verdade, senhores, é a seguinte: goste a “nova direita” ou não, Jair Bolsonaro é um personagem simbólico. Quem encarna como ele, a um só tempo, a rejeição ao esquerdismo leninista do PT, ao esquerdismo social-democrata do PSDB, ao socialismo trotskista do PSOL, ao fisiologismo do PMDB e ao vanguardismo da “nova esquerda” ambientalista e cool reunida na REDE? Bolsonaro é o único personagem, no cenário político atual, que é percebido instintivamente como estando fora e contra tudo isso.
Não é preciso muito esforço para sabê-lo: basta observar que o Senador Ronaldo Caiado, citado como opção pela “nova direita”, ainda é meramente mencionado em todo o debate público como um “parlamentar de oposição” (demonstrando que o seu espectro político ainda é o de um Senador de dentro do cenário vigente, na ala de oposição), enquanto que Bolsonaro é, ele sim, mencionado como “parlamentar conservador” ou “reacionário” (o que confirma que, no debate público, somente ele encarna uma distinção simbólica capaz de o colocar fora do cenário vigente).
Bolsonaro é alguém que quebra a polarização política brasileira e, na mesma tacada, quebra também as opções de nova polarização, apresentadas pela esquerda: o PSOL, um “novo PT”, e a REDE, um “novo PSDB”. É, ainda, alguém que não depende de partido, mas apenas de si mesmo e do próprio nome, que angariou apoio político mesmo quando esteve num partido que o rejeitava. Há dificuldade em perceber que este é o cenário real?
Como disse antes, a direita brasileira de dois anos de idade gostando ou não, Bolsonaro é o símbolo unificador da rejeição a todo o esquerdismo que dominou o Brasil durante a Nova República. Ponto final.
A falta de boa vontade em perceber o cenário real antes de sair fazendo a “revolução nossa de cada dia” é que provoca, na direita brasileira, erros crassos como este de se unir aos esquerdistas e fortalecer sua narrativa contra o único símbolo unificante e catalizador da rejeição ao esquerdismo nacional. É uma ânsia de suicídio, um desejo inveterado por perder a guerra de narrativas, que só pode existir naqueles que vivem em realidades paralelas, esquizofrênicas, e não no mundo real.
Mas, como nada está tão ruim que não possa piorar, a turma de Jean Wyllys, no desespero de evitar que a gravidade da cusparada fosse percebida em seu alcance real (porque houve quem a denunciasse), apelou ao fato, conhecido desde o dia 17 (e, inclusive, publicado pela Folha de S. Paulo), de que Eduardo Bolsonaro teria revidado a cusparada de Jean Wyllys da mesma forma. Lançou a narrativa de que, se o psolista merecia a cassação por ter cuspido em Jair Bolsonaro, o filho do Deputado também mereceria por ter feito o mesmo.
O que faz a inteligente direita brasileira? Não é preciso esforço para adivinhar.
Demonstrando que o burro não apenas pode seguir uma cenoura diante de seu nariz, mas correr loucamente atrás dela, os direitistas brasileiros imediatamente concordam: “É isso mesmo! Pau que dá em Chico, dá em Francisco! Fez o mesmo, se igualou!”.
Não, meus senhores, não foi a mesma coisa. Qualquer criança sabe perceber a diferença entre o brutamonte da escola que empurra um garoto menor simplesmente para agredi-lo e outro que, na defesa do inocente caído no chão, empurra de volta para revidar. O que é de pronto perceptível a uma criança não é tão claro para a bela direita brasileira e com diploma, confirmando que o senso de proporções infantil é muito mais sóbrio e amparado na verdade do que o irrealismo com certificação universitária da direita facebookiana.
Eduardo Bolsonaro revidou instintivamente, por uma reação natural, em defesa do próprio pai. Até no direito o fato tem atenuantes: foi movido por violenta emoção, na defesa de elevado valor moral (a honra do pai) e em meio a tumulto do qual não foi provocador. Jean Wyllys, ao contrário, cuspiu com intenção maldosa e de forma premeditada, protegendo-se depois em sucessivas mentiras.
A direita acima do bem e do mal consegue perceber a diferença de natureza e gravidade nos dois atos? Menos ainda: a esclarecida direita brasileira sequer se perguntou porque, passados dois dias, apenas ontem o PSOL falou do revide de Eduardo Bolsonaro? O simples ato de fazer perguntas triviais evitaria que a direita brasileira cometesse erros idiotas no seu desejo louco de seguir a onda e opinar no Facebook para receber mil likes.
Seria menos ruim, contudo, se os erros parassem por aí. Não, eles continuam.
Ao partir de imediato para as críticas a Bolsonaro pela homenagem ao Coronel Brilhante Ustra, os direitistas brasileiros assumem, na própria consumação do ato, o pressuposto de que Ustra é, realmente e sem sombra de dúvidas, um maldito torturador.
O pressuposto, em si mesmo, já é contestável. Todas as provas de que Brilhante Ustra era um torturador originam-se, exclusivamente, dos depoimentos de guerrilheiros e terroristas da época, que precisam alegar as torturas sofridas como condição prévia para o recebimento das polpudas indenizações pagas pelo Estado desde o governo FHC (só as indenizações aprovadas na Comissão da Verdade somam R$ 3,4 bilhões).
O simples fato de que as provas contra Ustra venham de pessoas diretamente interessadas (financeira e ideologicamente) em que ele seja visto como torturador deveria servir para, ao menos, lançar dúvidas. Quais são as outras provas? De quais outras fontes?
É de todos conhecido, ao menos no âmbito da nascente direita brasileira, que os grupos guerrilheiros de esquerda planejavam, em 1960, a implantação, no Brasil, de um regime comunista de moldes cubanos. As torturas de que Ustra e outros militares são acusados foram alegadas justamente pelos que intentavam a instauração de um regime político infinitamente sanguinário e, ele mesmo, essencialmente torturador (até os dias de hoje, como vemos em Cuba, “ilha-prisão”, tão amada pela Presidente Dilma Rousseff e Jean Wyllys). Isto não deveria levantar dúvidas sobre a idoneidade e isenção do testemunho desta gente?
As provas da Comissão Nacional da Verdade, por exemplo, são extremamente contestáveis. A Comissão já nascia com o objetivo de “investigar a repressão na ditadura” e, no próprio objeto, não admitia a possibilidade contrária, isto é, de a repressão não ter ocorrido ou de, pelo menos, ter ocorrido em escala menor do que o apregoado – admitir a possibilidade oposta, ainda que em tese, é o mínimo que se pode pedir de uma investigação que se pretende isenta.
Mas não havia, para a Comissão da Verdade, contraditório possível. A condenação estava decretada a priori, no próprio objeto delimitado. Mais que isso: a condenação prévia era condição mesma de existência da investigação que pretendia decretá-la apenas ao fim! Como se pode admitir isenção nas provas colhidas sob tal expediente e partir para a aceitação cega de suas conclusões?
Em termos de infowar, de guerra de narrativas, a existência da repressão foi tomada como pressuposto porque o objetivo da Comissão da Verdade foi, exatamente, o de fortalecer a narrativa contrária, isto é, de que os terroristas e guerrilheiros comunistas lutavam, na verdade, por democracia e liberdade, e não pela instauração do regime cubano. De que os seus atos terroristas foram movidos por objetivos nobres muito maiores e, por isso, seriam justificáveis. De que o regime socialista é belo, livre e bom e, portanto, explodir bombas em aeroportos e assassinar inocentes para consegui-lo é coisa mui moral. De que as torturas e assassinatos cometidos dentro dos próprios grupos guerrilheiros de esquerda, por estarem lutando contra o sanguinário regime militar, tinham, elas mesmas, natureza diferente e seriam respaldados pela nobreza das intenções socialistas finais.
Tudo isto é narrativa e, para esta narrativa valer e respaldar o socialismo do PT (como acabou fazendo nas últimas duas décadas), é preciso criar a contrária: apagar a realidade sanguinária sobre os movimentos guerrilheiros de esquerda e, de outra sorte, atribuir aos militares os crimes que os próprios guerrilheiros cometiam em escala astronômica e planejavam cometer de forma institucionalizada, se os seus planos tivessem dado certo.
O mero contexto acima – que, acreditamos, ninguém minimamente instruído na direita brasileira é capaz de ignorar – deveria provocar questionamentos, deveria motivar perguntas: Ustra é mesmo um maldito torturador ou este foi um expediente narrativo que deu fabulosamente certo?
Mais: se há um apreço tão grande pela liberdade entre os direitistas brasileiros, no mínimo eles deveriam buscar ouvir o outro lado, antes de assumir irremediavelmente que Ustra torturou e matou. O Coronel Brilhante Ustra escreveu dois livros a respeito: Rompendo o Silêncio e A Verdade Sufocada, facilmente encontrados na internet em arquivos PDF. O site www.averdadesufocada.com, mantido pelo Coronel até sua morte no ano passado e hoje ainda atualizado, traz uma série de informações preciosas a respeito.
Digo tudo isto apenas para concluir o seguinte: a pressa irresponsável com que os direitistas brasileiros assumiram a condenação de Brilhante Ustra como pressuposto de toda a discussão serviu apenas para sacramentar como regra do debate os termos do opositor. Quando a esclarecida direita brasileira aceita os termos do adversário, ela é obrigada de imediato a debater sob a égide de suas regras e, portanto, já perdeu o debate. É cristalino.
Ao aceitar, sem reflexão, sem questionamento, sem oitiva do lado contrário, que Brilhante Ustra é um torturador sanguinário e que Jair Bolsonaro merece severas críticas por homenageá-lo, a direita brasileira reconhece aos esquerdistas brasileiros e a Dilma Rousseff (que alega ter sido torturada pelo órgão que Ustra chefiava) o crédito da verdade.
Dilma Rousseff (que, segundo a direita brasileira, mente em tudo) recebe agora, desta mesma direita, o certificado de isenção no testemunho da verdade e a coroação por ter sido vítima de um torturador homenageado pelo principal personagem do espectro político adverso. Dilma é mentirosa, só não nisto! Tudo – vejam só! – envolvido no simples ato de assumir como pressuposto incontestável e apriorístico os termos lançados pelos adversários.
Coisa semelhante ocorre quando a direita aceita discutir com a esquerda se o impeachment de Dilma Rousseff é “golpe contra uma Presidente legitimamente eleita”: se nós precisamos justificar que não é golpe, nós já perdemos, pois a narrativa que fica é o debate sobre golpismo ou não.
Pior ainda: quando a direita começa a debater se é golpe, ela já aceita como condição prévia ao debate que Dilma foi “legitimamente eleita”, apesar de já sabermos que sua eleição foi ilegítima por ter sido obtida através de propinas, desvio de dinheiro público, abuso de poder econômico e político, com apuração de votos secreta e inauditável. Antes de discutir golpe, a direita deveria questionar a própria legitimidade da eleição; mas, não: ela passa direto por este assunto, assume-o como pressuposto do debate e começa a debater se é golpe ou não é. Já perdeu.
Agora, me digam: quem, entre todos os direitistas juvenis que opinaram e escreveram textões belíssimos e isentos no Facebook, pensou sobre estas consequências antes de fazê-lo? Quem refletiu sobre o que de fato suas ações representavam em termos de narrativa antes de nos dar o consolo de conhecer a sua opinião de bom moço belo, justo e moral?
Ortega y Gasset, evidentemente, teria tomado uma atitude completamente diversa ao opinar sobre a situação atual: “Quem verdadeiramente aspira a criar uma nova realidade social e política precisa se preocupar, antes de tudo, em invalidar esses pobres lugares-comuns da experiência histórica pela situação que suscita. De minha parte, reservarei a qualificação de genial para o político que, mal começando a operar, deixe loucos os professores de História dos institutos, ao verem que todas as ‘leis’ de sua ciência estão caducas, interrompidas e feitas em pedaços.” (A Rebelião das Massas, p. 168, Vide Editorial). Ortega y Gasset, muito provavelmente, elogiaria Bolsonaro pela sua investida contra os tabus que a esquerda nos impôs ao longo de duas décadas.
A verdade, pura e simplesmente, é que a direita brasileira não entende absolutamente nada sobre a infowar, a guerra de narrativas e, por isso, vamos ainda penar muitos anos com a vitória sucessiva das narrativas de esquerda, para as quais não só não oferecemos qualquer resistência, como até contribuímos para fortalecer.
Por acreditar que não precisa estudar e entender a realidade antes de sua aventura revolucionária, o direitista brasileiro estará condenado a cometer erros absurdos, tolos, que porão a perder todas as mínimas conquistas que tenha podido obter pela adesão popular de momento. Como manter esta adesão, ele não sabe, sequer está preparado.
Sua preocupação é obter mil likes no Facebook e lançar palavras bonitas, vazias de conteúdo real, mas que servem como um distintivo emocional de beleza: sou bonito, sou legal, não apoio torturadores, sou o cara.
A “nova direita” brasileira é como um garoto que coleciona bottons de políticos nas eleições: suas opiniões vazias só servem para pregar na roupa e mostrar aos outros a que grupo eu pertenço.
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