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Cinema

Polícia Federal: A lei é para todos – e o filme, para quem não gosta de bandido

O filme Polícia Federal: A lei é para todos, sobre a Operação Lava Jato, monta as peças do quebra-cabeça que parecem soltas no noticiário.

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Polícia Federal: A lei é para todos

É fácil perder o fôlego e se emocionar com filmes de ação, ou mesmo investigação criminal, com muita política no meio. Mas imagine o leitor que ele tenha sido assaltado por um assaltante poderoso. Ainda por cima, vê o assaltante posteriormente, repetidas vezes. O assaltante, cônscio de que a lei só chega ao rés-do-chão do crime, ri de sua cara, o provoca e ainda ostenta (!) seu controle sobre o sistema. Então, pouco antes de ser preso, alguém faz um filme contando a história desse roubo. É exatamente esta a sensação que se tem ao se assistir Polícia Federal – A lei é para todos.

É um raro – em muitos aspectos, único – trabalho no Brasil de levar ao cinema (à cultura e ao imaginário popular) uma obra que mostre, através de uma narrativa com começo, meio e fim, o que está acontecendo na política do país.

O Brasil, como se sabe, é o único país no mundo cuja literatura não reflete a sua sociedade: todo o nosso imaginário literário estancou-se na ditadura militar, que já acabou há mais tempo do que durou. Não há literatura brasileira na era Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma (com a notável exceção de Cristóvão Tezza, cujo O Professor sente desgosto ao testemunhar os descocos de Dilma na TV).

Tal como a Constituição Federal de 1988, toda a literatura, a música e o cinema brasileiros – tudo o que forma o imaginário popular – seja Capitães da Areia ou O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias (escolhido pelo Ministério da Cultura para concorrer ao Oscar 2008 no lugar de Tropa de Elite), são revanchistas com a polícia, acreditando que punir bandido é o mesmo que ditadura militar.

Em poucas décadas de aplicação do verdadeiro discurso de ódio do despoliciamento, a população hoje tem medo de ser morta por um celular de R$ 100, mas não da polícia. Os poderosos, por outro lado… não poderiam temer mais qualquer passo dos agentes da lei – os únicos em quem a população confia, até mais do que as igrejas ou a imprensa, que deveria informar a população, e hoje é enxergada como desinformante e manipuladora.

É neste clima que Polícia Federal: A lei é para todos chega ao cinema num auspicioso 7 de setembro. Uma década e meia após o antigo “partido da ética” (quem se lembra?) chegar ao poder, o discurso pobrista da esquerda não convence mais ninguém (e tem apelo muito maior entre os ricos universitários, como mostra Flávio Gordon em seu imprescindível A Corrupção da Inteligência).

O povo trabalhador e honesto, que não é doutrinado por ideologias de massa, não tem o que ler ou ver no cinema, senão os mesmos intelectuais se auto-justificando e tentando vender novas ideologias (e novas reclamações da ditadura, cada vez menos assustadora a cada filme esquerdista). Sobrevivendo da leitura de notícias de jornal, cerrados a obras de imaginação (onde a vida ganha maturidade, como nos lembra Alexandre Soares Silva) com ideologias ainda mais fictícias do que unicórnios, o brasileiro vive sem narrativa – exatamente aquilo que a esquerda oferece a jovens como droga, embora a sua seja adolescente, umbigocêntrica e ilusionista, escondendo seus malfeitos sob velhas ideologias de nomes pomposos sempre repaginadas.

É exatamente o trabalho que o diretor Marcelo Antunez faz ao narrar, ainda que de maneira bem resumida, os principais desdobramentos da Operação Lava Jato, inclusive alguns que, graças à narrativa picotada da mídia, não são conhecidos do público.

Flávia Alessandra como a delegada Beatriz em Polícia Federal: A lei é para todosNeste sentido, o filme Polícia Federal cumpre uma missão extra: traduzir alguns detalhes de uma trama multicapilosa para um publico assolado por delatores, empreiteiros, deputados e toda (má) sorte de assaltantes da nação, vistos e revistos em incontáveis notícias, sem que nunca se tentasse criar uma narrativa com alguma tentativa de começo, meio e fim para a população.

Alguém lembra que papel tem Paulo Roberto Costa? Ou o que exatamente fazia Alberto Youssef para Marcelo Odebrecht? Qual o papel de Antonio Palocci ou Delcídio do Amaral no maior esquema de corrupção do mundo? É exatamente o que o filme de Marcelo Antunez faz.

Não é possível nem dar spoilers de um filme cujo fim todos conhecem (e até o seu pós-fim, visto em qualquer noticiário): todavia, o filme é capaz de causar emoções completamente novas com “notícias velhas” quando vistas dentro de um todo coerente: se você não ia com a cara de nomes como Alberto Youssef e Marcelo Odebrecht (ou Lula), espere até ver seus atos encadeados em uma narrativa que una pontos, sem notícias “soltas” de números que já não conseguimos contabilizar.

Baseado no livro investigativo de Carlos Graieb e Ana Maria Santos, o filme mostra justamente o trabalho da polícia que não é visto pelas notícias: a tensão estupendamente silenciosa de uma condução coercitiva, a dificuldade em transformar provas em informações, o desespero dos policiais que incontáveis vezes pensam em desistir, sabendo que seu trabalho sempre será desfeito em alguma outra esfera da Justiça, via de regra aquelas com indicações políticas.

Mas sobretudo: como é feito o trabalho de um policial federal envolvido em uma Operação do porte da Lava Jato. Bem ao contrário do que pensa nossa vã blogosfera progressista (hoje espalhada por praticamente todas as publicações de grande porte do país), não se tem um alvo político (ou um político-alvo) e se parte da cabeça para descobrir os membros – o que gera todas as teorias da conspiração que não unem lé com cré que tanto fazem alguns viajarem na maionese.

A Polícia Federal trilha o caminho perfeitamente oposto: investiga um pequeno delito, até subir ao mandante, e então ao chefe, e assim ir até os mais altos escalões (a própria cronologia de prisões da Lava Jato é irrefutável). Até mesmo o nome da investigação surgiu de um posto de gasolina onde um traficante lavava dinheiro… com o mesmo Alberto Youssef.

Um juiz como Sérgio Moro, então, e visto quase que invertidamente pelos brasileiros, sobretudo seus detratores: seu papel, como aplicador da lei, e não de investigador, é quase passivo – isto quando seu legalismo não chega perigosamente perto de atrapalhar investigações onde já se tem uma certeza óbvia, embora não traduzível em provas jurídicas, de crimes e culpados.

Filme Polícia Federal: A lei é para todos. Flávia Alessandra, Antonio, CalloniO filme precisa “resumir” um complexíssimo esquema de corrupção deslindado pela Polícia Federal em diversos estados (e até fora do país), então se foca completamente no grupo de trabalho do delegado Ivan (Antonio Calloni, em magistral atuação).

Flávia Alessandra faz a delegada Beatriz, inspirada em Erika Marena. Marcelo Serrado parece o verdadeiro Sérgio Moro em diversos momentos, Ary Fontoura faz uma gloriosa atuação como o ex-presidente Lula, Bruce Gomlevsky encarna profundamente o policial Júlio, além de uma bela ponta de João Baldasserini como o também policial Vinícius.

O mais interessante para o filme dificilmente consegue ser percebido vendo-se com os olhos de hoje. Não temos registros históricos a serem vistos futuramente de como é a vida nos anos 2010, que dirá nos estertores do pior governo brasileiro: como eram as conversas familiares, como se dá na prática essa tal “polarização” de que tantos falam, como era a relação dos brasileiros com a mídia, e da mídia com a verdade (é impossível não gargalhar nervosamente ao se identificar uma repórter do blog Brasil 247, um dos que sempre aparecem misteriosamente às voltas do caso Celso Daniel).

É curioso ver que a crítica da mídia, na pré-estréia do filme, reclamou de ser um filme “parcial” e “maniqueísta”, talvez por sentir falta de pintar belas características em Alberto Youssef ou Paulo Roberto Costa, além de mostrar, talvez, algum policial parecendo mais criminoso, talvez até mais petista, no meio da empreitada.

Bernardo Mello Franco, escrevendo para a Folha, por exemplo, criticou a falta de “nuances” (sic), dizendo que, por isso, o filme “se assemelha a uma peça de propaganda”. Pode haver maior propaganda contra o PT do que falar de crimes?

Alguém aí reclama de O Poderoso Chefão, Scarface, Operação França ou Os Intocáveis, dizendo que é preciso também ouvir o lado dos bandidos, onde já se viu só ver os mafiosos, digamos, “sem nuances?” Só na cabeça de jornalista fracassado da Folha de S. Paulo.

Mas a crítica mais curiosa veio do presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, que afirmou que o filme é propagandista e uma caricatura mal feita da Polícia Federal. Foi respondido pelo presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal, que declarou que o filme é um retrato do dia a dia da Polícia Federal.

O sétimo capítulo do livro de Carlos Graieb e Ana Maria Santos chama-se “Polícia Federal versus Polícia Federal”, aprofundando muito mais um tema que só aparece en passant no filme: como muita gente da própria Polícia Federal, inclusive companheiros de anos dos agentes das forças-tarefa, atrapalharam a Operação, muitas vezes por razões ideológicas, e por diversas vezes quase colocaram tudo a perder.

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais não acaba simplesmente confirmando a própria tese do livro? Para a sua sorte, jornalistas de grandes veículos de mídia não unem pontos, nem os mais fáceis (que dirá aqueles que explicam a lavagem de dinheiro no exterior pelas empresas de fachada de doleiros), e muito menos cobram coerência de outros jornalistas, como aqueles que, repentinamente, querem um filme “imparcial” (sic), depois de anos martelando apenas a sua visão esquerdista e pró-PT todo santo dia no ouvido da população.

Ary Fontoura como Lula em Polícia Federal: A lei é para todosÉ duplamente chocante para um país perceber não apenas que todo este enredo se deu com o dinheiro do povo sem que o povo saiba apontar o que cada personagem que está o tempo todo no noticiário fez – mas também perceber que nunca nomes como Lula, Dilma, Odebrecht, Dirceu, Palocci e toda a maior quadrilha do planeta não é comentada por escritores, que a MPB, o sertanejo e o pop se calaram em cumplicente e rouanetado voto de silêncio, que a poesia, acadêmica ou cancioneira, não tentou uma única rima fácil com mensalão e petrolão. Que simplesmente nenhuma novela fala de Lula e Dilma.

O mundo da realidade e dos símbolos culturais que cuidam de traduzir as jogatinas do poder ao imaginário popular nunca esteve tão divorciado. Soa estranho ouvir o nome “Lula” no cinema (qualquer freqüentador de cinemas brasileiros, nos últimos anos, cansou de ouvir “Bush”, “Obama” ou mesmo “Hillary Clinton” em filmes americanos).

Se precisamos entender como o PT pôde implantar um projeto totalitário de poder com a cumplicidade de empreiteiros amorais que só queriam lucrar, não importando se fosse com as obras para algum coronel do PMDB para seu curral eleitoral no Nordeste ou para os projetos socialistas do PT em Cuba ou na Venezuela, basta refletirmos antes sobre este clima cultural: um filme sobre a Polícia Federal, tão defendida e respeitada pela população que não sofre a lavagem cerebral das ideologias, é único, raro, “polêmico”. Como os intelectuais poderiam estar mais afastados do povo e mais próximos do poder, se nem em totalitarismos como o nazista e o socialista deixou-se de ter literatura e artes de resistência?

Polícia Federal: A lei é para todos tem esta última polêmica: o seu título, a lembrar que não importa se você é rico como Marcelo Odebrecht, poderoso como Paulo Roberto Costa ou ideológico como Lula, a lei realmente deve valer para todos. O silêncio da esquerda brasileira poupando inclusive críticas a doleiros como Youssef e empreiteiros como Léo Pinheiro mostra por que o Brasil se volta cada vez mais à direita, mesmo sem a ter em partidos.

Como mudança final, além do filme, deve-se também reconhecer o trabalho heróico das poucas empresas que corajosamente apareceram como financiadoras do filme. Se algo podemos fazer para mudar o país, além da manjada mensagem do voto, é recompensar empresários que investem em bons projetos.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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