Não termine o ano sem ler Charles Dickens
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Clássico absoluto da língua inglesa, considerado por alguns até mesmo a segunda melhor voz da língua após Shakespeare, Charles Dickens é quase integralmente ignorado na educação brasileira. Nas ganas por ter uma literatura nacional e tentar criar um “cânone” tupiniquim, o Brasil deixa de dialogar com a cultura universal, para se focar em regionalismos de importância não mais do que episódica.
Dickens, todavia, é lido e devorado não só na sua Inglaterra natal, mas em todo o mundo civilizado. Suas histórias sobre a Inglaterra vitoriana não falam sobre aquele tempo, como um registro histórico embolado em forma de literatura, mas sobre algo profundamente humano, que toca a qualquer um, em qualquer época.
E Charles Dickens é ainda mais lido nesta época do ano. O período de festas que vai do Natal ao Ano Novo e que está sob ataque de uma tentativa de “secularização” que nunca ocorrera antes quando o Ocidente era só habitado por ateus, mas que ribombou com força total, trocando-se o “Merry Christmas” por um mais sutil “Merry X-mas” e, enfim, por apenas “Happy Holidays”, para não ofender outros credos. Ou seja, a invasão islâmica.
Dickens é considerado, com certo exagero, como o homem que “criou o Natal”. Ou seja, a forma como é festejado hoje em dia. Narrando o componente humano que subsistia no reino de mudanças aceleradíssimas da Revolução Industrial, Dickens mostra como o puritanismo religioso, a consciência de metrópole, os costumes ultra-civilizados e, sobretudo, a expansão do capitalismo transformaram o Natal, de uma noite meramente diferente das outras antes da ascensão liberal, para uma noite de esbanjamento de uns – festim que muitos tomam como o próprio Natal, e não um banquete em comemoração ao significado do Natal – e comemoração tão modesta de outros tantos.
Hoje, vendo as festas de Natal com luzes, peru, árvores enfeitadas e todos os seus badulaques, ignoramos sua origem e acreditamos que o Natal sempre foi uma época de fartura, em que praticamente todos paravam para comemorar – ignorando que antes do capitalismo, era uma data de miséria com uma ceia especial, mas modesta.
Tal desnível econômico deu mote para alguns tentarem enxergar nas histórias de gente pobre de Dickens (e quase toda a sua obra está delas recheada) alguma espécie de “crítica ao capitalismo selvagem”, mas há algo infinitamente maior em sua obra.
Dickens retrata o momento da transição com visão privilegiada. Se houve um registro da mudança do Natal antes da fotografia, tal se encontra nos contos de Charles Dickens, sobretudo suas “histórias de fantasmas” (ou espíritos, como ghost se encontra tanto em “fantasma” quanto em “Espírito Santo” ou “espírito natalino”). Fizeram tanto sucesso nos folhetins que Dickens escreveu praticamente uma história de Natal por ano até sua morte.
Espírito(s) de Natal
A mais famosa é sua novela (algo entre um conto e um curto romance) A Christmas Carol, de 1843, traduzido como Um Conto de Natal (Um Canto faria tradução mais apropriada). Nela, somos apresentados ao rabugento, sovina, solitário e infeliz Ebenezer Scrooge, que despreza o Natal e vive em função única de seus negócios.
Não é preciso temer spoilers, pode-se acompanhar de qualquer forma este guia de leitura. A novela é ao menos conhecida no Brasil pelos filmes, desenhos animados e adaptações. Até mesmo o personagem Tio Patinhas, que também apareceu pela primeira vez no Natal em 1947, é uma sátira direta de Scrooge (seu apelido no original é Uncle Scrooge, apenas se tornando escocês, e de anti-herói, vira um herói ensinador do capitalismo).
O grande Leitmotiv da obra é dado quando seu sobrinho aparece em seu escritório e lhe convida para passar o Natal em sua casa. O velho Scrooge, que passou o Natal enxotando pessoas que vinham lhe pedir dinheiro para caridade com grosserias, trata com menoscabo até seu familiar e seu convite.
Basta de Feliz Natal! O que é o Natal para você, senão a época de não ter dinheiro para pagar sequer suas contas? A época de se dar conta de que está um ano mais velho e nem uma hora mais rico; o momento para fazer um balanço nos livros de contabilidade e ver que cada item, nestes doze últimos meses, só lhe trouxe prejuízo? Por mim – continuou Scrooge, indignado –, cada idiota que saísse por aí desejando Feliz Natal deveria ser fervido, misturado junto com seu bolo de Natal e enterrado com um galho de pinheirinho no coração, isso sim!
Com extrema habilidade, os personagens são apresentados em sua inteireza com poucas palavras, como se toda a sua personalidade conseguisse ser apresentada mesmo num curto texto no jornal. Sentimo-nos próximos, familiares até, dos empregados de Scrooge, dos homens de caridade, de seu sobrinho, tudo em diálogos transbordantes de significado, como a bela fala de seu sobrinho:
– Muitas coisas boas me aconteceram sem que eu tirasse proveito algum, e o Natal é uma delas. (…) Apesar de ser uma festa sagrada, não a vejo somente assim, mas também como uma época muito agradável: uma época de gentileza, perdão, caridade e alegria. A única que eu conheço, no longo calendário do ano, na qual homens e mulheres parecem abrir de boa vontade seus corações fechados e pensar nas pessoas mais pobres como seus legítimos companheiros na viagem para o túmulo, e não como uma raça estranha, viajando para um outro lugar. Por isso, titio, embora o Natal nunca tenha colocado uma moeda de ouro ou de prata no meu bolso, ainda acho que ele me fez – e fará, ainda – muito bem. E que Deus o abençoe!
Infeliz em sua rotina repetitiva, Scrooge vai para casa e é assombrado pelo fantasma de Jacob Marley, seu antigo sócio, falecido há exatos 7 anos, na noite de Natal. Marley, carregando correntes de baús, cofres e outras ricas quinquilharias representando dinheiro, profetiza a Scrooge que terá o mesmo destino de vagar no limbo carregando uma corrente que ele mesmo construiu, e que sua única chance de salvação está em receber a visita de três espíritos que virão nas próximas noites.
Iniciando a novela com uma referência ao espírito do pai de Hamlet, a aparição sobrenatural não se dá à toa: espíritos vêem o que está além da realidade concreta de nossos olhos. O espírito do Natal, tão bem capitado por Dickens, é um espírito como uma cultura, um ânimo geral, uma revolução. Algo que não pode ser visto, embora todos saibam o que é. Scrooge, que apenas mede o mundo segundo seus cálculos econômicos, precisou do espírito de seu único amigo próximo para lhe contar o segredo do Natal.
Numa novela cujo tema é a redenção (o que é óbvio desde as primeiras palavras), as visitas dos espíritos não são surpreendentes pelo seu desfecho – ululantemente óbvio para tal tema – mas pela habilidade de Dickens em criar uma atmosfera de Natal, fantasmas, Inglaterra vitoriana e passagem do tempo pela ótica de um velho aziago que nos surpreende com uma bela imagem e uma emoção rara a cada parágrafo.
O primeiro espírito de Natal, o espírito dos Natais passados (de Scrooge, frisa), leva Scrooge de volta para sua cidade natal rural, assistindo as sombras das coisas que não existem mais. E um velho com um buraco negro no lugar do coração instantaneamente chora lágrimas copiosas ao ver sua infância novamente, e como as pessoas desejavam “Feliz Natal” umas às outras, e apenas isso já era causa de alegria.
O surpreendente para a emoção de Scrooge não é a lembrança de uma felicidade perdida, como a despertada pela madeleine de Em Busca do Tempo Perdido: Scrooge, na verdade, era pobre, sem amigos, passando o Natal sozinho abandonado numa escola escura e fria, sem nem sua família.
Mas Scrooge não estava sozinho em seu coração: olha pela janela e vê Ali Babá, Robinson Crusoé e tantos heróis e histórias que inundavam seu espírito de aventuras, personagens grandiosos e emoções vedadas a quem só possuía pessoas “normais” por perto.
O velho rico Scrooge observa o jovem pobre Scrooge com um curioso sentimento: a inveja, além da saudade.
E assim surge uma lição de Dickens com seus fantasmas que enxergam além da opacidade da concretude: a data festiva, que Scrooge se recusa a comemorar por não enxergar nela nada de sagrado, diz respeito a lembranças, companhias, momentos partilhados. O pão-duro ranheta esquece de que a imaginação e coração, tão em falta em nossos dias, não cabe numa planilha de custos.
Ao ver uma pobre criança para a qual Scrooge poderia ter feito alguma coisa, o velho se inquieta por querer desesperadamente fazer algo a ela. O espírito do Natal passado lhe retruca: “Quem sabe, no próximo Natal!” – exatamente as palavras que Scrooge usara para expulsar homens pedindo caridade pouco antes. Tais palavras, que o velho há pouco ralhara sem significado, tornam-se um golpe de importância urgente quando Scrooge observa sua conseqüência.
Tudo fica ainda mais claro quando ambos visitam a sorridente casa do velho Fezziwig, onde aprendera os rudimentos de sua profissão. Numa festa gigante, há dança, comida, sorrisos, companhias mil – e o velho se esbalda em lágrimas ao rever suas origens, que havia esquecido como esquecemos do que é o Natal ou a origem de sua moderna representação.
Novamente, o fantasma, sarcástico como um bom inglês embebido em wit, usa as mesmas palavras e o mesmo modelo esquemático de raciocínio de Scrooge para provocá-lo em seu ensimesmamento:
– Uma coisa tão insignificante, afinal – disse o Fantasma –, e ainda assim estes tolos ficam tão agradecidos.
– Insignificante?! – ecoou Scrooge. (…)
– E não é insignificante? O velho só gastou umas poucas libras do seu perecível dinheiro, três ou quatro no máximo. Acha que isso merece tanto elogio?
– Não se trata disso – disse Scrooge, ofendido pela crítica e falando, sem querer, como o seu antigo eu, e não como o seu eu atual. – Não é nada disso, Fantasma. Ele tinha o poder de nos tornar felizes ou infelizes, de fazer nosso trabalho suave ou opressivo, de torná-lo um prazer ou uma tortura. Quero dizer que o poder dele estava em suas palavras e gestos, estava em coisas tão vagas e insignificantes que seria impossível medir o seu valor. Mas e daí? A felicidade que ele espalhou foi imensa e equivale ao gasto de uma grande fortuna.
É observando a vida como um fantasma, através da opacidade, que Scrooge reaprende a olhar o mundo como uma criança repleta de realidade.
Perda de realidade
Aos que tentam enxergar na obra apenas uma tola crítica ao capitalismo (como usualmente tentam seus tradutores brasileiros), permanece-se sob o prisma embaciado de querer medir o mundo, a vida, a verdade e a beleza tão somente por uma balança econômica.
Dickens tem consciência de que a crítica social que faz só é social por ser pessoal, e que a Inglaterra, apesar do absurdo desnível criado pela rapidez do capitalismo, ainda era o país mais rico do mundo na época – e, portanto, ainda era melhor ser pobre na Inglaterra do que em outro lugar.
As críticas “frias” ao capitalismo, sem o espírito de Natal, sem espírito nenhum, só conseguem transformar um rabugento avaro (não apanágio do capitalismo, mas que se torna ainda mais desigual pela capacidade de acúmulo de riqueza do sistema) em um rabugento politiquento, também sem espírito nenhum, natalino ou qualquer outro, também sem enxergar nada além da opacidade da concretude que não seja auferível em câmbio – apenas com um discurso contra o lucro, ao invés de sua busca.
Não à toa, ambos estão punidos no mesmo ciclo na Divina Comédia, em eterna rusga. Pode-se pensar no brasileiro Leonardo Sakamoto ou na americana Salon, qualquer um eivado de críticas panaconas e tentando arruinar o Natal, época de confraternização com a família, com quem pensa diferente, em uma vazia e importuníssima jogatina familiar. Exatamente o oposto do Espírito de Dickens.
O fantasma ainda mostra a Scrooge como este foi envelhecendo, e se tornando o que é hoje. A cena da despedida de seu primeiro amor, quando a moça já percebe que Scrooge era uma pessoa, e hoje é apenas um viciado em lucro, é de arrancar lágrimas de uma pedra, como quando ela declara que Scrooge mudara, enquanto ela permanece a mesma alma humilde:
– Mas eu continuo a mesma. Aquela que lhe prometeu felicidade quando éramos um só coração, mas que está triste, agora que somos dois.
Se tivessem se encontrado hoje, Scrooge certamente não mais se encantaria por ela, por ser uma “pobre” como ele era e, novamente, esqueceu de sua origem. Por isto, agora ela lhe dá a liberdade, o que Scrooge agora mal consegue desfrutar, preferindo acorrentar-se ao monotonismo do trabalho:
– Você foi mudando, modificando seu espírito, dando outro rumo à sua vida, mudando os seus objetivos, mudando em tudo aquilo que fazia meu amor ter algum valor ou significado para você. Se não existisse este compromisso que há entre nós, diga-me, você olharia para mim e tentaria ainda me conquistar? Oh, certamente não!
O que a bela jovem nota, enquanto o cabeça-dura Scrooge recusa-se a perceber, além do esquecimento das origens, é que Scrooge enriqueceu para virar um viciado. O vício, por definição, é a incapacidade de apreciação da realidade, por só se querer uma coisa. Todo vício é monomaníaco, uniformizante, nivelador. Pessoas viciadas são repetitivas e monotemáticas, pensam apenas em uma única coisa. Seu prazer – o dinheiro, as drogas, o álcool, o sexo, a aparência, o poder – lhe cobra toda a realidade e, viciado em algo que poderia ser apreciado com moderação, torna-se escravo da repetição.
Notando só depois de velho (e só com a aparição fantasmagórica) como perdeu realidade ao se tornar um monomaníaco viciado em lucro, Scrooge só consegue perceber pela reexperiência que perdeu um amor, uma família, uma vida plena (de que adianta dinheiro que não pode ser gastado?), tudo aquilo que o dinheiro não pode comprar e até mesmo o que seu dinheiro poderia comprar tão somente por tentar enxergar perdas e ganhos, bem e mal, belo e feio, certo e errado, verdadeiro e falso pela clave única da caixa registradora.
É o mal de tratar algo que pode ser bom, como o lucro, como “o único princípio que orienta sua vida”, como lhe atira à realidade a jovem moça. E Scrooge, só depois de uma vida desperdiçada, sem nada do que o vício nos rouba, é que pode perceber como sua escolha única foi errada.
Ao contrário do que pretende a crítica vã da “intelectualidade” moderna, a crítica não é ao lucro, ao capitalismo, ao comércio, ao modelo liberal (que Dickens, mesmo atolado em dívidas, sempre abraçou): é a diminuição da experiência da vida a apenas um de seus aspectos, sem o maniqueísmo político e muito mais complexo do que a corruptora estatização da vida.
Todas elas também são vícios – são roubo de realidade, são diminuição (e não aumento) de nossas experiências, aventuras, imaginação e possibilidades.
O amor desfeito, o pensamento do que poderia ter sido uma vida mais plena, mais cheia, com mais ao invés do menos do vício, deixa Scrooge no limite. É quando nosso velho anti-herói não agüenta mais seu passado e tem de encerrar a sua primeira viagem fantasmagórica.
Realidades abstratas e fantasmas concretos
Scrooge, sem muita surpresa, é apresentado ao segundo fantasma, o do Natal presente. E também visita com este espectro a sua Londres e todos aqueles de seu cotidiano, com o qual só lida, claro, pensando em negócios.
Além do próprio fantasma, surpreende nesta noite a habilidade de Dickens em descrever cenas com tantas emoções em conflito, formando uma harmonia digna de uma tempestuosa sinfonia.
E Scrooge, desta vez, é confrontado ainda mais com o que dissera para se livrar de presenças indesejadas na véspera de Natal. Novamente, Scrooge falara coisas muito pesadas sem lhes atentar para o devido significado: quando dois cavalheiros lhe pedem contribuição de Natal, Scrooge afirma que já “contribui” com as prisões, as leis de trabalhos forçados e de realocação de mendigos. Quando confrontado com o fato de que tais pessoas em necessidade não conseguem sobreviver sem ajuda, Scrooge bronqueia: “que morram para diminuir a população!”
Mas Scrooge nunca visitara tais pessoas. Eram apenas uma abstração a ele – como o são nosso vocabulário corrente, cheio de “povo”, “desigualdade”, “elite” e outros coletivos de membranas porosas e contornos gasosos.
O fantasma do presente visita tais pessoas, para Scrooge ver o que é uma amável família em necessidade – como o amor de um pai pelo filho doente é algo infinitamente mais verdadeiro e emocionante do que o esquematismo racionalista da nossa política, geralmente nos tratando como estatísticas, engrenagens ou votos.
De abstrações, as pessoas se tornam reais – tão reais que emocionam o leitor, mesmo sabendo serem “ficção” – esta ficção aristotelicamente tão mais verdadeira do que a história. Além de aprender com o fantasma que os hipócritas, afinal, não falam em nome de Jesus Cristo (que dirá no Natal), Scrooge, de um frio burocrata tratando pessoas como números, passa a ser testemunha do que é uma família em necessidade.
Lembra-nos bastante, por exemplo, o atual embate do Planned Parenthood, na América (para quem acompanha as notícias americanas, pois o caso nunca é comentado no Brasil fora de alguns blogs da Veja), em que clínicas de aborto, estes frigoríficos monstruosos tão defendidos pela esquerda, negociavam como se falassem de trapos pedaços de fetos humanos arrancados. Ao se ver o real, e não apenas um slogan ou abstracionismo, é quase obrigatório que as pessoas tenham posturas mais reacionárias e desconfiadas de todo o idealismo dos discursos perigosos. Scrooge, aliás, verá quase seu próprio cadáver também ser negociado quando olhar para o futuro.
É o que lhe diz o fantasma:
– Homem, se o seu coração for humano e não de pedra, esqueça essas palavras cheias de maldade até descobrir o que é “excesso” e onde ele está. Você acha que vai decidir quem deve viver e quem deve morrer? É possível que você mereça menos viver do que milhões de seres iguais ao filho desse pobre homem. Santo Deus!, é insuportável ter que ouvir o inseto na folha decidir que há vida demais entre seus irmãos esfomeados sobre o pó!
Como não deixar rolar uma lágrima – por Scrooge e pelo mundo atual, ainda que não pela pão-durice, e sim pelo seu sinal invertido, ou seja, ser perdulário, preferencialmente com o dinheiro alheio – com o fantasma nos trazendo de volta para o real e a verdade do mundo?
Scrooge só conseguia raciocinar sob conceitos como justiça, punição, retribuição, dívida. É o sistema penal aplicado à família. A família Cratchit, que passa necessidade e que Scrooge poderia ter ajudado, não fosse ridiculamente avaro, age e pensa como família: por conceitos da paixão como benevolência, perdão, amor, gratidão até pelas migalhas.
O erro do mundo moderno é inverter um pelo outro (vide as teorias doidivanas de George Lakoff). Pensar no Estado como uma família, e na família como uma repartição pública. Não nos lembra bastante Sakamoto e Salon?
Incapaz de entender o valor de um abraço, de uma gargalhada, tanto Scrooge quanto nossa modernidade se tornam meramente materialistas chatos, limitados e tentando enxergar todo o mundo por um canudo estreito.
Ambos são fanáticos, revoltados, ensimesmados, monomaníacos e se tornam adversários do real, da família, da paixão, do bom sentimento sem uma agenda ou sem algo a ser retirado dele.
Crendo que o mundo é uma equação, que todos viverão felizes para sempre se seguirem uma matemática e uma forma justiça fechada na repetição de um esquematismo, Scrooge e nossos desprezadores modernos do Natal desaprenderam a amar.
É com esta lição suprema que podemos reaprender o que significa de fato o período do ano que vivemos – não só o Natal, mas todo este período do ano – que podemos entender que o caminho da bem-aventurança, afinal, indica uma aventura, questões complicadas, companhias (não conseguimos viver sozinhos no mundo e precisamos dos “legítimos companheiros na viagem para o túmulo”, como nos admoesta o sobrinho de Scrooge), e não um ciclo fechado em que tudo será perfeito – ou, ao menos, ordenado – se o obedecermos monotematicamente.
É na paixão, no sofrimento, que encontramos a verdadeira caridade – e este amor, pessoal, indissoluto e alegre que precisa ser resgatado para escaparmos de nossas vãs bobagenzinhas políticas de todo dia. Não ganharemos nada na política ou no presente se não ganharmos no eterno e no atemporal – como esta bela obra-prima da literatura.
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