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Alemanha aceita refugiados sírios, mas não ucranianos

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Apesar de ser a língua mais falada na Europa, o alemão produz barreiras quase infranqueáveis para a população de fala latina e inglesa do Ocidente, tornando o mundo germânico quase “separado” de nossas preocupações cotidianas.

Afinal, alemão não é uma língua mais ou menos apreensível, como inglês ou espanhol. A língua alemã ou se estuda por certo tempo, ou não se entende praticamente nada.

Talvez também graças a isso, o importantíssimo histórico alemão é quase desconhecido no Brasil, fora o nazismo. Mesmo sendo o lado mais oeste da Cortina de Ferro, é difícil encontrar um universitário brasileiro que saiba o nome dos ditadores socialistas da Alemanha Oriental, por exemplo.

No jornal Frankfurter Rundschau, um dos cinco maiores jornais da Alemanha e o mais à esquerda de Frankfurt, uma notícia importante para o entendimento da geopolítica mundial e as raízes do problema migratório na Europa parece ter passado despercebida do restante do mundo.

Apesar de o plano da chanceler Angela Merkel originalmente ser o de receber mais de um milhão de refugiados em 2015, a chanceler está voltando atrás após o escândalo que se iniciou com a onda de estupros na noite de réveillon em Colônia, Hamburgo e outras cidades e a reação dos alemães, tanto à direita quanto à esquerda.

A acachapante maioria dos imigrantes é de origem síria, pois não buscam asilo na vizinha Turquia – também de maioria muçulmana e com longo histórico imigratório na Alemanha. A Síria passa por uma guerra civil e tem parte do seu território controlado pelo Estado Islâmico.

Ukrainan-war-refugees-03Mas outra guerra não gerou o mesmo efeito nas leis de imigração alemãs: a guerra ucraniana. O Frankfurter Rundschau acompanhou a trajetória da família Nykonchuk e do engenheiro elétrico Hryhorii Demnychenko em sua tentativa de obter asilo político na Alemanha. Tanto a família quanto o engenheiro possuem um histórico de assimilação bem maior do que a média dos imigrantes.

Sergei Nykonchuk tinha um emprego fixo na construção civil, suas filhas iam a aulas normais, sua família não dependia de subsídios do governo. Já Demnychenko é considerado uma “dádiva” para seus chefes na empresa FWZ Elektrotechnik, em Bibergau. Seus chefes e colegas torcem para que ele continue na empresa.

Mesmo assim, ambos estão ameaçados de deportação, pelas normas alemãs. A família Nykonchuk passou a viver em asilo numa congregação protestante. Políticos da União Social Cristã (CSU) determinaram que a Ucrânia é um “país seguro”, mesmo que o país passe por um conflito civil, militar e transnacional imensamente grave.

Hryhorii Demnychenko fica com a voz embargada e o típico nervosismo eslavo desponta ao falar do risco de deportação. O embaixador da Ucrânia na Alemanha, Andrij Melnyk, declarou: “Estes homens não precisam temer repressão”.

Todavia, casos como o do jornalista Ruslan Kotsaba evidenciam outra realidade. Após declarar publicamente que recusaria o serviço militar, foi detido e será julgado por traição.

Geopolítica leste-oeste

A família Nykonchuk foge de uma área na linha de frente dos combates entre separatistas pró-Rússia e nacionalistas ucranianos, e outros, como o engenheiro Hryhorii Demnychenko, foram convocados para a guerra e recusaram o chamado às armas.

Na verdade, para a Ucrânia, estado satélite da antiga União Soviética e que sempre viveu sob auspícios e a sombra ameaçadora da Mãe Rússia, a atual guerra costuma merecer algo entre o repúdio e o mero desinteresse.

ucrania revolução laranjaA Ucrânia consegue a façanha de ser um país ainda mais corrupto do que a Rússia (152.ª posição contra 143.ª, no ranking da corrupção). Com um Estado gigantesco, uma burocracia infernal e quase quatro revoluções em uma década, em que heróis nacionais são presos, aliados se tornam inimigos mortais e os personagens da trama política nunca são algo além de populistas manejando massas de apoio.

Matar e morrer para defender tal escol de “salvadores da pátria” se torna questão extremamente discutível para a maioria dos ucranianos. É um país quase sem um lado a ser defendido, a não ser o aeroporto para refazer a vida na Europa. Demnychenko conta sobre ataques em casa, mulheres abusadas, amizades desfeitas. Amigos tiveram o rosto esfaqueado por não terem servido. Ex-amigos agora ameaçam quem não obedece ao exército. E ele, com 27 anos, se nega a lutar: “Eu só quero viver normalmente”.

Ucranianos, afinal, ao contrário dos sírios, são perfeitamente integráveis à Europa, com uma cultura comum, uma habilidade lingüística muito maior, a proximidade de costumes e o desejo de fazer a vida pelo trabalho, pacífico e em civilidade, fugindo de governos opressores.

Ucranianos são parte comum da Europa há muitas gerações, sem causar 1% do transtorno dos refugiados do Oriente Médio. Países como a Alemanha possuem, sobretudo no Leste, uma fortíssima influência de povos eslavos sem grandes choques.

putin hande weg ukraineAderir à influência política de Moscou parece uma opção cultural viável para vários dos ucranianos, ainda que a tentação da maioria seja por uma aproximação com o Ocidente europeu e americano – apesar de ser uma cultura estrangeira à Ucrânia, ainda é uma cultura infinitamente melhor. O próprio Aleksandr Dugin, considerado “o cérebro de Putin” pelo Council of Foreign Relations, em sua teoria “eurasiana”, não considera a Ucrânia um país, senão apenas um apêndice da Rússia.

Contudo, o país pode ser uma das principais pedras de xadrez para o século do terrorismo. Parte do governo ucraniano pratica assustadoramente o tráfico de armas para o Estado Islâmico, além de recrutar muçulmanos e nacionalistas anti-Ocidente.

Por isso, muitos analistas, mesmo os mais conservadores, já refazem o tabuleiro geopolítico: talvez seja o caso de aceitar uma influência maior do eurasianismo de Putin na Ucrânia, do que tornar o país, também rota comercial, um manancial de treinamento para jihadistas do Estado Islâmico.

O que, é claro, pode gerar futuramente os típicos boatos acadêmicos de que a América e o Ocidente financiam o eurasianismo de Putin – fofoca que pode perdurar por séculos.

Um dos grandes erros da Alemanha no momento é permitir a imigração de sírios em massa, mas raramente aceitar ucranianos fugindo desta guerra, sob alegação de que a Polônia é que é responsável por seu asilo. A Polônia, vítima do nazismo e do comunismo, forte culturalmente apesar deles, ultra-católico e que, por isto, pela projeções da Stratfor, o think tank que mais acerta previsões no mundo, pode se tornar a maior potência mundial em 2050. E que, sem surpresas, recusa a maioria dos imigrantes islâmicos.

Ukrainan-war-refugees-01Boa parte da cultura alemã já possui diálogo com a cultura eslava. Praticamente nenhum com muçulmanos da Síria. Ainda mais chocante é a disparidade de perfis: enquanto os imigrantes sírios são em sua maioria acachapante homens sem instrução, solteiros, entre 15 e 40 anos, os ucranianos vêm em famílias, boa parte já com algum conhecimento do idioma e uma formação aproveitável, ou mesmo competível, no mercado de trabalho alemão. A diferença entre homens e mulheres ucranianos é apenas levemente acentuada para os primeiros.

Apenas 7 mil ucranianos pediram asilo na Alemanha entre 2014 e 2015. Mas a maioria tem seu pedido negado. Já os sírios, muitas vezes quase sem documentação, são aceitos às mancheias pela política fiel ao politicamente correto que Merkel abraçou.

A própria Rússia já acatou 248,201 refugiados. A Polônia já abrigou um milhão.

O que aparenta ser uma causa humanitária vem a ser, justamente, parte da guerra e do típico método de conquista islâmico enfiado no coração da Europa, enquanto causas humanitárias análogas merecem repúdio do governo.

O que a onda migratória significa, e as escolhas do governo alemão ratificam, é apenas a destruição direta da cultura ocidental, e sua nada lenta substituição pelo império da ummah islâmica.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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