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A anti-fragilidade de Bolsonaro

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O pensador libanês-americano Nassim Nicholas Taleb, um dos maiores intelectuais vivos do mundo, definiu em seu livro A lógica do Cisne Negro: O impacto do altamente improvável que, ao contrário do que tentam prever nossos vãos gurus da futurologia, os eventos futuros no mercado, na política, na ciência e naqueles departamentos do que chamamos vida dependem muito mais da aleatoriedade e do incontrolável do que queremos admitir – como os eventos “cisnes negros”, tão imprevisíveis que jogam toda a nossa noção da realidade para escanteio.

Pergunte a Paul Krugman ou a Guido Mantega, embora apenas o primeiro costume escrever longos tratados sobre como estava certo, mas alguns eventos fizeram suas profecias não se realizarem, enquanto o outro apenas solta clarividências como “vai quebrar a cara quem apostar na alta do dólar” e sai de fininho, apostando alto (e ganhando) na docilidade e obediência jornalística do país.

Mas é no seu já clássico Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos que o gênio de Nassim Nicholas Taleb dá um baile nas crenças acadêmicas tão propagadas como o ápice da genialidade entre intelectuais ocidentais. Taleb percebe que entre as línguas modernas e antigas falta um conceito específico que define muitas coisas acontecendo todo dia diante de nosso nariz, e sempre nos falta uma palavra para compreender de fato o que acontece.

Herakles_membunuh_HidraÉ o que Taleb chama de anti-frágil. As coisas anti-frágeis são aquelas que, como diz o subtítulo, não apenas se mantêm indiferentes com a aleatoriedade, como uma pedra dura ao ser chacoalhada dentro de uma caixa de papelão, mas que ganham com isso, se tornam mais fortes e poderosas. São como a Hidra de Lerna da mitologia grega: quando uma de suas três cabeças de serpente era cortada, nasciam duas no lugar, o que exigiu de Hércules um pensamento mais artimanhoso, a métis dos gregos (a inteligência que tergiversa, elabora, não anda em linha reta) para vencê-la. Se há um livro que você precisa ler para entender o mundo de hoje, Antifrágil é o nome dele.

Coisas anti-frágeis ganham ao receberem pancadas, ao serem criticadas, ao estarem desprotegidas da crença no controle da modernidade. São como vacinas, o Vale do Silício, a tradição oral, o empreendedorismo, a mitologia, o erudição, a reputação de um artista. Coisas frágeis são como a atrofia, o sistema bancário, os e-books e artigos de internet, a burocracia, a ideologia, o academicismo, a reputação de um empregado de corporação. Basta colocar as primeiras no descontrole do mundo para elas se tornarem mais fortes. Coloque as segundas em contato com a realidade e elas se espatifarão como bolhas de sabão.

As aplicações que Nassim Nicholas Taleb dá a elas são tão grandes e variegadas quanto a medicina e os sistemas políticos, a concavidade e a convexidade, a filosofia estóica antiga e o stalinismo de Harvard, a neomania e o New York Times, a plantação de uvas e a escolha de um bom restaurante, o tomismo aplicado ao destino e as rodinhas nas malas.

jairbolsonaro-1Mas foquemos apenas no fator reputação supra-citado. Reputações variam conforme as profissões e modos de vida escolhidos, ensina Taleb (parece óbvio, mas raramente mantemos tal premissa em nossos pensamentos cotidianos). Um padre e um bom sniper não são afetados pelos mesmos elementos – na verdade, eles produzem efeitos opostos em cada um deles.

Hoje, o Brasil enfrenta uma grande cisão com a questão do impeachment e, nas redes sociais e conversas mais rasteiras, com os dois elementos considerados mais extremados na Câmara dos Deputados, o militar de carreira Jair Bolsonaro e o ex-BBB e ativista socialista dos gays Jean Wyllys. Até Roberto Cabrini, do do Conexão Repórter, dedicou seu último programa ao contraste entre os dois. Todos podem concordar que o que mancharia a reputação de um costuma ser o oposto do que denegriria a reputação do outro – todavia, parece que esta proposição é a mais ignorada no debate.

Uma rápida análise de cada um deles serve como exercício da tese de Taleb: qual deles é frágil e qual deles é anti-frágil – e não falamos de virilidade, força ou fala, mas de sua reputação e capacidade de crescer ou influenciar a sociedade – ou, em termos políticos, vencer?

Jean Wyllys precisa esconder do mundo hoje que tem fama graças ao programa televisivo mais oco de conteúdo, inversor da meritocracia e trampolim do anonimato à sub-celebridade relativa (aquela celebridade que só é celebridade em relação a outra pessoa; pense no Júnior, da Sandy). Sua primeira eleição ocorreu apenas pelo quociente eleitoral (mal aí, Humanas), não tendo votos o suficiente para ser deputado por si.

jean wyllys bbb sutiãO que Jean Wyllys tem de robusto, ou seja, de indiferente ao caos, é nadar de braçada num nicho específico, que sempre vai ser seu eleitorado fiel, fanático e salve-salve: o povão de DCE de faculdade de Humanas. Uma turma loser, raramente empregada (muito menos em um setor produtivo de fato, embora só falem em “trabalhadores” e “distribuição de renda”), cujo propósito de vida é escapar da produtividade do trabalho (sendo empreendedor, engenheiro, médico, economista etc).

Estes eleitores, quase nunca ultrapassando 30 anos, têm todos um pensamento ridiculamente idêntico. Basta dizer feminismo, causa LGBT, falar de etnias indígenas desconhecidas de proa a popa, racismo, homofobia, aborto e alguma crise de aceitação sexual e voilà, voto ganho. Não são pessoas que votam pela economia, mas pelo hedonismo, pelo prazer, pela crença na eterna adolescência. E praticam o adesismo absoluto, o que rende as capas de revista Cult.

Claro, O ex-BBB sempre poderá contar com tais votos, mas dificilmente consegue deixar seu posto de parlamentar das causas dos jovens de Humanas com isso, ainda que estejam tentando transformar o mundo numa gigantesca FFLCH.

O que poderia indicar alguma anti-fragilidade em Jean Wyllys é seu vitimismo. Se a história é contada pelos vencedores, hoje não há melhor forma de vencer do que se fazer de vencido, de oprimido, de excluído, de marginalizado, de pobre, de coitado – com toda a mídia, incluindo e se concentrado na Rede Globo, a seu favor, estão sempre a exigir espaços que não foram monopólios seus no último meio milênio e, como se falasse a coisa mais provocadora e chocante, reafirmasse todo o discurso pronto de concordância geral por adolescentes e adolescentes tardios.

Seria alguma forma de ganhar com o caos, mas na verdade, por este discurso ser o da aceitação geral, ele só ganha com tudo dentro dos conformes: com os aplausos que ganha por onde quer que vá falando de causa LGBT, para depois afirmar que vive numa sociedade machista e homofóbica, com o espaço no jornalismo que ganha, ainda que na rabeira dos ataques em uníssono da mesma mídia a seu contendedor Jair Bolsonaro.

Jean Wyllys simplesmente nunca recebeu uma crítica séria na grande imprensa. Uma única falha em sua nuvem de aplausos que fure a bolha de DCEzismo ao redor de sua pessoa e é difícil imaginar um futuro para sua atuação política que não o ostracismo.

Já Bolsonaro só faz aparições televisivas para tomar porrada de seus entrevistadores (porradas em sentido metafórico, não cuspes em sentido concreto, como foi a sua última aparição pré-Cabrini). Não há simplesmente um único jornalista defensor de Bolsonaro na televisão – ao contrário do que adoram dizer roboticamente seus desafetos de esquerda, sempre repetindo que “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”, a emissora ignora os siricuticos de Wyllys e sempre ataca a postura de Bolsonaro.

Mesmo na imprensa escrita não há defesa de Bolsonaro. Inclusive na Veja: o único jornalista da revista que o defende de fato é Felipe Moura Brasil, que escreve apenas para o site da revista. Não há menção positiva na revista que mais criticou o PT antes de 2016 e estava na sala de espera do dentista ou cabeleireiro.

bolsonaro comissão DHBolsonaro não é defendido inclusive pela direita, tendo como grandes críticos até o maior jornalista conservador do país, Reinaldo Azevedo. É sempre associado com aquilo que é considerado quase unanimemente pela classe falante e palpitante como o mal em si do mundo, a ditadura militar. Além de “defensor da ditadura”, seu voto pelo impeachment, homenageando o Coronel Ustra, causou ainda mais rebuliço, sem que ninguém criticasse os votos defendendo ditaduras incrivelmente mais violentas que a nossa ditadura acabou por combater.

Bolsonaro ganha mais votos a cada eleição. E de um militar reformado que fez carreira no Rio de Janeiro, foi ganhando projeção a cada novo ataque que a mídia, a academia e a cultura lhe garantiram.

Por um fator que deveria ser óbvio: o que destruiria a carreira de Jean Wyllys (se o ex-BBB afirmasse, por exemplo, que o mercado enriquece os pobres, ou que o aborto também envolve a vida de um feto) não afeta, senão fortalece, o respeito do eleitorado por Bolsonaro.

Hoje, após o polêmico deputado abrir o jogo e admitir que quer concorrer às eleições presidenciais de 2018, a cada nova aparição, o pré-candidato ganha mais seguidores nas redes. Após seu voto no pedido de impeachment, sua página disparou em curtidas.

Em 2016, a página de Jair Bolsonaro ultrapassou ninguém menos do que Lula, Dilma Rousseff e Marina Silva em curtidas. O principal livro do coronel Ustra que Bolsonaro homenageou, A verdade sufocada: A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça, evaporou das livrarias, exigindo uma nova impressão.

Apesar de todas as campanhas da agência Pepper para criar hashtags no Twitter que defendam Dilma, falando em “democracia” ou “golpe”, a hashtag #BolsonaroPresidente, completamente espontânea, se torna sem agência nenhuma o primeiro assunto comentado no Twitter em todo o mundo.

Crescimento da página de Jair Bolsonaro após seu voto "polêmico" pelo impeachment de Dilma Rousseff

Crescimento da página de Jair Bolsonaro após seu voto “polêmico” pelo impeachment de Dilma Rousseff

Eleitoralmente (ainda que apenas eleitoralmente), Jair Bolsonaro lembra o amalucado Donald Trump –uma causa curiosa, pois até anteontem Trump tenha sido um fervoroso democrata e um obamista ortodoxo, o que a esquerda brasileira nem imagina antes de xingá-lo.

Os americanos criaram a expressão “Teflon Don” para explicar a capacidade de Trump de dizer as mais estapafúrdias asneiras e só ganhar eleitorado com isto. Trump tem uma razão: ele significa algo. Desbocado, arrogante e irritadiço (mais próximo da personalidade de Wyllys do que de Bolsonaro), ele representa um modo de fazer política em falta nos anos Barack Obama: aquele cara que responde a uma provocação.

Num mundo assistindo em desespero a ascensão do Estado Islâmico e da crise de refugiados, os americanos não querem ver logo o seu país, outrora protagonista mundial, ter um presidente que afirme erroneamente que o Estado Islâmico não é islâmico ou que os muçulmanos sempre fizeram parte da tradição americana. O problema é que Donald Trump apenas represente este papel: ele, em si, é quase tão fraco quanto qualquer democrata.

Bolsonaro fala grosso, não mede as palavras, tem reações irrefletidas e excessivamente estomagadas diante daqueles que mais querem lhe prejudicar. O resultado: apenas cresce e, quanto mais é conhecido, mais ganha prováveis eleitores.

A grande dificuldade, hoje, é saber interpretar estes números: se Bolsonaro está mesmo ganhando um eleitorado novo que antes não o conhecia (nas redes há anos é figura carimbada, nos rincões do Brasil profundo depende da TV para se tornar um nome reconhecível), ou se sua ascensão é passageira (pense-se eternamente em Marina Silva), ou ainda se chegará rapidamente a uma curva descendente.

jair bolsonaro kit gaySeus números são menos favoráveis entre os eleitores que mais o conhecem. Contudo, os eleitores que ainda precisam conhecer Jair Bolsonaro são justamente os do Brasil profundo – um Brasil que, exatamente ao contrário do que crê cegamente nossa esquerda, quer alguém que fale grosso, que não precise medir as palavras para uma beautiful people de sabichões que meterem o país neste atoleiro, que são trabalhadores e honestos e não aceitam corrupção e nem “correção” da desigualdade sem mérito, que hoje estão descobrindo o que é socialismo e bolivarianismo e rejeitando frontalmente a mera menção a tais delírios. Que dirá falar em kit gay, em ideologia de gênero, em parada gay com concurso de melhor Jesus e naquilo que segura o país como é.

Qualquer ataque a Bolsonaro usando esta clave de acusações de DCE apenas o fortalece. O que o brasileiro mais quer é alguém que finalmente não esteja no consenso da imprensa e do governo. Jean Wyllys e sua “oposição” a Dilma só convencem gente que acredita em trotskysmo e telespectadores do Big Brother. Jair Bolsonaro, quando é criticado pelo establishment, é reconhecido como aquele que pode estar fora da política petisto-tucana.

Com o vácuo deixado pelo desapontamento de décadas com o PSDB, Bolsonaro pode aplicar a lição de Taleb e mostrar sua anti-fragilidade diante da intelectualidade apatetada do país – falando a língua do brasileiro médio, que está longe de ser as firulas de Folha de S. Paulo ou o hedonismo da esquerda.

Post Scriptum primus: Ignoramos frontalmente o novo acordo ortográfico porque somos reacionários. Apesar do título do livro de Nassim Nicholas Taleb ser traduzido como “Antifrágil”, preferimos ainda o bom e velho hífen para falar da anti-fragilidade.

Post Scriptum secundus: O livro foi recomendação de nosso articulista Martim Vasques da Cunha, que sempre tem crises de ciumeira se citamos Taleb sem fazer tal menção honrosa. Em troca da fama e glória, exijam um novo artigo de Martim Vasques da Cunha.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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