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Intelectuais

O Escola Sem Partido segundo Renato Janine Ribeiro

Em crítica ao Escola Sem Partido, o professor Renato Janine Ribeiro propõe que se trate do efeito sem que se mexa na causa.

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Renato Janine Ribeiro – ex-ministro da educação no reinado da rainha louca – resolveu se pronunciar no Facebook contra o projeto Escola Sem Partido.

Renato Janine Ribeiro Escola Sem Partido Facebook

https://www.facebook.com/renato.janineribeiro/posts/1363470260334433

 

Como se sabe, Renato Janine Ribeiro é apenas mais um dos tantos “especialistas” em educação a se manifestar contra a iniciativa, que parece ter tocado um nervo sensível na política educacional brasileira, provocando reações hidrófobas por parte dos auto-intitulados “progressistas”. Estranhos progressistas, a bem da verdade, pois, quando o assunto é educação, jamais se os viu tão reacionários e avessos a quaisquer mudanças no status quo. Defendem, com unhas e dentes de aristocrata, um Antigo Regime educacional que, há décadas, vem levando nossos estudantes para o buraco.

Sobre o conteúdo do post, admito que, fosse outra pessoa a manifestá-lo, eu talvez viesse a lhe apontar o cinismo. Porém, em se tratando da personagem em questão, penso que o problema deve mesmo ser mais de deficiência que de vilania.

Já no fim do comentário, Renato Janine Ribeiro recorre a uma estratégia que se tornou padronizada na esquerda lulo-petista: esta, quando pega em flagrante delito, tem por hábito acusar os outros de “criminalizar” as suas atividades. Que essas atividades sejam, em si mesmas, criminosas, é algo impensável para um lulo-petista puro-sangue. O leitor deve se lembrar da expressão “criminalização da política”, difundida pelos líderes da seita. Maquiavélicos que são, assaltar a Petrobrás era, para eles, uma atividade política regular.

Depois da “criminalização da política”, Renato Janine Ribeiro propõe agora a “criminalização do ensino”. Para ele e sua patota, a doutrinação criminosa que promovem em sala de aula não passa disto: “ensino”. E, sendo assim, só mesmo espíritos patentemente cruéis insurgir-se-iam para “criminalizar” a singela atividade de sequestrar a educação brasileira para fins político-partidários. Não é uma graça o Janine?

Mas o ponto alto da postagem do fanfarrão uspiano é quando acusa o Escola Sem Partido – reparem bem! – de desviar a atenção das questões realmente educacionais como, por exemplo, “nossas falhas na alfabetização”. Temos aí uma ilustração perfeita daquilo que Olavo de Carvalho chamou de logica brasiliensis, aquela que, nas palavras do autor,

“constitui-se inteiramente de erros de leitura, distinção precária entre palavras e coisas, falta de senso das proporções, imprecisões monstruosas de vocabulário, confusões entre diferentes níveis de predicação, misturas de gêneros (e de gêneros com espécies), e demais calamidades da mesma ordem, as quais não denotam apenas ou propriamente falta de cultura e treino, mas falta daquele instinto lógico elementar que é próprio do ser humano enquanto tal e que até os mais iletrados possuem por natureza. Não se trata, pois, em geral, nem de desonestidade premeditada, nem de falha educacional, mas de uma autêntica deficiência mental, adquirida no processo mesmo de aquisição dos meios de expressão necessários ao ingresso nas classes ditas cultas”.

Ao acusar o Escola Sem Partido de desviar a atenção de nossos problemas educacionais, Renato Janine Ribeiro dá provas claras daquela “autêntica deficiência mental” de que fala Olavo, porque, no fim das contas, o que ele está fazendo é acusar o Escola Sem Partido de se concentrar na CAUSA e não no EFEITO. Segundo o pitoresco raciocínio de Janine Ribeiro, se você tem um carro que não anda por falta de gasolina, querer botar gasolina é o mesmo que “desviar a atenção” do fato de que o carro não anda. Alguém avisa: “Mas há que se pôr gasolina, ó, Janine!”. Ao que este responde, todo pimpão: “Você está desviando a atenção do problema. O problema não é a gasolina. O problema é o carro não andar”.

Mas seria esperar demais de Renato Janine Ribeiro a compreensão do papel desempenhado por ele e seus colegas de ideologia na catástrofe educacional brasileira. Ele jamais compreenderia – porque, no fundo, é beneficiário daquela catástrofe – que o Escola Sem Partido está lidando com a CAUSA de nossos problemas de alfabetização, ensino de matemática e etc., qual seja o fato de que, há décadas, a educação brasileira, submetida ao projeto globalista de “educação não-cognitiva” (ver, sobre isso, a obra indispensável de Pascal Bernardin), vem sendo conduzida por gente interessada, não em ensinar as crianças a ler, escrever e somar, mas em educá-las “para a cidadania” (ou seja, para votar no PSOL), infundir-lhes “consciência crítica” (isto é, marxismo) ou fazê-las “lutar por um mundo melhor” (quer dizer, protestar contra o impeachment de Dilma Rousseff).

Ora, as crianças brasileiras são mal-alfabetizadas e não sabem fazer conta PORQUE os cursos de pedagogia e formação de professores se dedicam a formar militantes e ativistas políticos, não professores autênticos. E não estou exagerando. Para notá-lo, basta examinar a produção acadêmica brasileira nas áreas de pedagogia e educação.

Tomemos o exemplo de uma tese de doutorado defendida na faculdade de educação da USP, cujo tema é a formação dos professores de matemática, e cujo título é Paulo Freire e Ubiratan D’Ambrosio: Contribuições para a Formação do Professor de Matemática no Brasil. No resumo, lê-se:

“Nossa investigação é uma pesquisa teórica de cunho histórico-filosófico-educacional, que tem como objetivo principal discutir as contribuições de Paulo Freire e de Ubiratan D’Ambrosio para a formação do professor de matemática no Brasil. A dialética e as técnicas de análise de conteúdo constituem a metodologia adotada. Desse modo, nos impusemos como tarefa analisar a formação do professor de matemática de modo contextualizado com a nossa realidade social atual e reconstituindo a função histórica que a nossa escola e a formação docente desempenharam como reforçadora das desigualdades sociais e mantenedoras do status quo da sociedade capitalista. No levantamento histórico, utilizamos as contribuições de G. Freyre, S. B. de Holanda, C. Prado Júnior, L. Basbaum, C. Furtado, F. de Azevedo, J. K. Galbraith, O. de O. Romanelli, A. Teixeira, entre outros. E, em nossa análise, nos valemos das contribuições de K. Marx, F. Engels, A. Gramsci, M. Chauí, L. Althusser, J. Contreras, O. Skovsmose A. Ponce, M. Gadotti, K. Kosik e outros referenciais próprios da área. A formação do professor de matemática é vista como resultado de um processo histórico-cultural que mantém ainda uma forte herança de elementos de uma sociedade colonial, corroborado pela não participação democrática do povo brasileiro em seu processo de constituição sócio-cultural numa sociedade capitalista e excludente. E o trabalho demonstra que os atuais processos de formação de professor de matemática ainda são fortemente sedimentados numa formação alienada aos ditames de uma sociedade de classes, que não permite ao futuro professor compreender e fazer uso da necessária autonomia inerente à sua atuação, o que o faz atuar como um intelectual orgânico a serviço da consolidação da hegemonia da classe dominante. Nesse sentido, os constructos teóricos de P. Freire e de U. D’Ambrosio mostram-se como indicadores de encaminhamentos possíveis no processo de formação de um professor de matemática crítico/libertador e, por isso, consciente de sua tarefa como agente ativo na formação de um educando, não especialista em matemática, mas inserido em sua realidade social como um sujeito transformador e em transformação, que encontra na matemática uma ferramenta para o processo dialético de sua própria construção. Assim, a investigação indica a necessidade de uma atuação dos formadores no sentido de conscientizar os futuros professores de matemática de sua tarefa como intelectuais orgânicos a serviço da construção da hegemonia dos excluídos, dos explorados em geral. Ou seja, a investigação aponta a necessidade de a formação inicial se constituir como um antidiscurso ao discurso ideológico da classe dominante” (grifos meus).

Que o leitor não pense tratar-se de um caso aberrante. Ao contrário, antes que por sua excepcionalidade, ele impressiona por sua tipicidade. E é assim com qualquer disciplina. Em matemática, ensina-se luta de classes. Em português, também. Em educação física, idem. É preciso muita cara-de-pau para querer falar dos nossos problemas de alfabetização sem mencionar nada disso. E mais cara-de-pau ainda para acusar de pretender “desviar o foco” um projeto que, ao contrário, vai ao cerne do problema.

A tese acima deve ter sido aprovada com honrarias e louvores. Seu autor talvez ocupe um cargo no MEC ou numa secretaria estadual de educação. São tipos assim que formam os professores brasileiros e, portanto, deformam os nossos estudantes. O assunto era para ser matemática, mas virou puro discurso marxista, gramscista e paulo-freiriano sobre luta de classes, hegemonia e conscientização. E ainda há quem negue a natureza fortemente ideologizada de nossa educação! Não houvera teses como essa, ora bolas, e o Escola Sem Partido não precisaria existir!

Apenas pelo resumo da tese, fica fácil entender por que os alunos brasileiros ocupam as últimas posições nos testes internacionais. Numa das últimas avaliações do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), por exemplo, divulgada em abril de 2014, o Brasil ficou em 38º colocado entre 44 participantes de uma avaliação de matemática e raciocínio lógico. “Os estudantes brasileiros têm sérias dificuldades para resolver problemas de matemática aplicados à vida real”, conclui uma reportagem sobre o caso (ver aqui). Saindo da matemática para leitura, o resultado é igualmente catastrófico (ver matéria).

Do ponto de vista dos pais daqueles estudantes, e da sociedade brasileira em geral, o fenômeno é certamente assustador. Mas, do ponto de vista dos pedagogos e educadores brasileiros, não parece haver grandes problemas no resultado do PISA, uma vez que – diz com todas as letras o autor da tese citada – o objetivo do professor de matemática, por exemplo, NÃO é formar um educando especialista em matemática, mas alguém “inserido em sua realidade social como um sujeito transformador e em transformação” blá blá blá…

Está claro, portanto, que o objetivo da pedagogia brasileira, do MEC e das secretarias de educação não é o mesmo que o dos pais e o restante da sociedade. Eis o grande problema da nossa educação, que precisamos começar a compreender e enfrentar: enquanto a sociedade espera que os professores ensinem matemática, português, ciências etc. ao estudantes, os profissionais que formam os professores não estão interessados em nada disso. Para eles, aquelas disciplinas servem tão somente de meios para a doutrinação de crianças e jovens no discurso comunista (em versão gramsciana ou paulo-freiriana) da luta de classes.

Que assim seja confessa o próprio pedagogo da USP, para quem a sua missão é “conscientizar os futuros professores de matemática de sua tarefa como intelectuais orgânicos a serviço da construção da hegemonia dos excluídos”. E você aí, caro e ingênuo leitor, pensando que a tarefa do professor de matemática fosse ensinar a fórmula de Báskara…

Mas Renato Janine Ribeiro não quer ouvir falar de toda essa “bobagem conservadora”. para usarmos a definição de Leandro Karnal sobre o Escola Sem Partido. Ele acha que nossos estudantes não sabem ler, escrever e somar por mera obra do acaso. E, sendo assim, ele quer aplicar mais e mais do mesmo veneno. Quer persistir com a causa esperando que, magicamente, ela produza um outro efeito.

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Assuntos:
Flavio Gordon

Flávio Gordon tem 37 anos, é carioca, casado, doutor em antropologia social, escritor, tradutor e autor do blog "O Brasil e o Universo: crônicas sobre a surrealidade política e cultural brasileira" (http://obrasileouniverso.blogspot.com.br). Twitter: @flaviogordon Facebook: https://www.facebook.com/flavio.gordon

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