Santiago Matamoros e as batalhas contra o islã
A lenda medieval de Santiago ensina muito sobre as relações do Ocidente com o islamismo – e como perdemos uma simbologia capaz de superá-lo.
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O calendário litúrgico da Igreja Católica no dia 25 de julho celebra a festa São Tiago Maior, o apóstolo. De acordo com os relatos nos quatro evangelhos, era filho de Zebedeu e irmão de São João, o evangelista. Antes de seguir Jesus Cristo, trabalhava como pescador com o irmão e o pai e com os apóstolos São Pedro e Santo André. Foi um dos discípulos mais próximos de Jesus Cristo juntamente São Pedro e São João, tendo sido testemunha com os outros dois dos milagres da ressurreição da filha de Jairo e da Transfiguração ocorrida no Monte Tabor. É o único apóstolo cujo martírio foi relatado na Bíblia, na qual é narrado que o rei Herodes Agripa I (10 a.C.-44 A.D.) “mandou matar à espada Tiago, irmão de João” (Atos 12,2).
Segundo uma antiga devoção, São Tiago tentou evangelizar a Península Ibérica, retornando após o fracasso dessa missão para Jerusalém, onde foi martirizado. A tradição afirma que por esse motivo o corpo do apóstolo foi transportado para a Galiza e sepultado em Compostela, onde os restos mortais permanecem até os nossos dias na Catedral de Santiago de Compostela, atraindo inúmeros peregrinos para fazer o famoso Caminho de São Tiago. Um relato mítico, também, cumpriu um papel fundamental para a escolha do apóstolo como o protetor dos reinos de Galiza, de Leão, de Castela, de Aragão e de Portugal: trata-se da lenda de Santiago Matamoros.
Desde os primórdios a fé islâmica propagada por Maomé (570-632) sempre defendeu e praticou o uso da violência e da expansão militar como instrumento de conversão. O fundamento para essa postura foi expresso em algumas passagens específicas do Alcorão com as seguintes palavras:
“Encontrareis outros que desejam estar em segurança, em relação a vós, e em segurança, em relação a seu povo. Cada vez que forem levados à sedição pela idolatria, nela, fá-los-ão decair. Então, se não se apartam de vós, nem vos lançam a paz, nem detêm as próprias mãos, apanhai-os e matai-os, onde quer que os acheis. E, contra esses, damo-vos evidente autoridade” (Sura 4, Aya 91).
“Não se igualam os ausentes do combate, dentre os crentes não inválidos, e os lutadores no caminho de Allah, com suas riquezas e com si mesmos. Allah prefere os lutadores, com suas riquezas e com si mesmos, aos ausentes, dando-lhes um escalão acima destes. E a ambos Allah promete a mais bela recompensa. E Allah prefere os lutadores aos ausentes, dando-lhes magnífico prêmio:
Escalões concedidos por Ele, e perdão e misericórdia. E Allah é Perdoador, Misericordiador” (Sura 4, Aya 95-96).
“E quem emigra, no caminho de Allah, encontrará, na terra, bastante abrigo – aviltante para o inimigo – e prosperidade. E quem sai de sua casa, emigrando para Allah e seu Mensageiro, em seguida a morte atinge-o, com efeito, impenderá a Allah seu prêmio. E Allah é Pedoador, Misericordiador” (Sura 4, Aya 100).
“E, quando percorrerdes a terra, não haverá culpa sobre vós, em abreviardes as orações, se temeis que os que renegam a Fé vos provem. Por certo, os renegadores da Fé são-vos inimigos declarados” (Sura 4, Aya 101).
Animados por esse “espírito missionário” os maometanos iniciaram em 622 um processo de expansão, por intermédio do qual, gradativamente, foram conquistando territórios e fiéis do Oriente Médio em direção ao Mediterrâneo, ocupando o Norte da África e, finalmente, subjugando a Península Ibérica em 31 de julho de 711 na Batalha de Guadalete.
A maioria dos cristãos da região por séculos resistiu ao domínio islâmico por intermédio do chamado processo de Reconquista, desde o verão de 722 na Batalha de Covadonga, liderada pelo rei Pelágio das Astúrias (685-737), até a capitulação do Reino Nasrida de Granada em 2 de janeiro de 1492, na época dos reis católicos Dona Isabel I de Castela (1451-1504) e Dom Fernando II de Aragão (1452-1516).
No entanto, o processo de Reconquista, além do elemento militar, contou com um importante fator simbólico na resistência contra o domínio islâmico da Península Ibérica: a lenda de Santiago Matamouros. De acordo com a tradição, São Tiago Maior teria aparecido miraculosamente, em 844, montado em um cavalo e armado com uma espada para lutar em vários combates travados pelos cristãos espanhóis contra os infiéis maometanos, durante a mítica Batalha de Clavijo.
A partir dessa época, em todas as campanhas militares da Reconquista tanto os exércitos dos diferentes reinos da Hispânia quanto as tropas de Portugal invocaram o nome de Santiago Matamoros. Na clássica obra Don Quixote de la Mancha (1605), Miguel de Cervantes (1547-1616) afirma que “Santiago Matamoros é um dos mais valorosos santos e cavaleiros que o Mundo alguma vez teve; foi dado a Espanha por Deus, como seu patrono e para sua proteção”.
Infelizmente, em nosso atual ambiente cultural, marcado pelo secularismo militante, caracterizado pela descrença, pelo indiferentismo, pelo multiculturalismo e pelo irenismo, a devoção à Santiago Matamouros se tornou politicamente incorreta e contrária aos esforços de diálogo inter-religioso defendidos por uma parcela majoritária das autoridades civis ou eclesiásticas.
Parecia impossível para a maioria dos analistas que, em pleno século XXI, os seguidores de Maomé representariam novamente uma grande ameaça para o mundo ocidental. O problema dos radicais muçulmanos em nossos dias é elemento que não foi cogitado pelos otimistas ideólogos defensores do “progresso ilimitado do gênero humano”, que floresceram no período entre a Idade da Razão e a Segunda Guerra Mundial.
De modo inverso, muitos autores, como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em seus delírios anticristãos tiveram uma visão idílica da religião política dos que se submetem ao Alcorão. No entanto, a barbárie islâmica ameaça destruir todos os aspectos, positivos e negativos, da civilização progressista que tentou rejeitar como superstição antiquada a herança civilizatória legada pela cristandade. Poucos foram os intelectuais que compreenderam as consequências nefastas da descristianização e de um possível renascimento da ameaça maometana.
Um dos autores que melhor entendeu o cerne do problema islâmico foi o historiador Hilaire Belloc (1870-1953), que tratou do tema em diferentes obras, tornando quase impossível reunir todos os pontos analisados pelo autor em um breve ensaio. Ao discutir “a grande e duradoura heresia de Maomé”, no livro The Great Heresies [As Grandes Heresias] de 1938, o historiador destaca que um ponto essencial para se compreender é o fato que o islã “começou como uma heresia, não como uma nova religião”, não devendo, por esse motivo, ser tomada como “um contraste pagão da doutrina cristã”, mas, acima de tudo, como “uma perversão da doutrina cristã”, que, diferente da maioria das doutrinas heréticas, “não surgiu dentro dos limites da Igreja Cristã”. Além do esplendor militar do califado, alguns elementos doutrinários e sociais fatores decisivos na expansão islâmica, tal como destacados por Belloc na seguinte passagem:
“Foi a combinação de todos esses fatores – o atrativo da simplicidade da doutrina, a eliminação da disciplina clerical e imperial, a imensa e imediata vantagem da liberdade para o escravo e a abolição da ansiedade para o devedor, a suprema vantagem da justiça de graça baseada em poucas e simples leis novas, facilmente compreensíveis – que constituiu a força impulsionadora por trás da incrível vitória social do islamismo. Os tribunais se tornaram acessíveis a todos sem pagamento e deles emanavam veredictos que todos conseguiam entender. O movimento muçulmano foi essencialmente uma ‘Reforma’, e podemos descobrir muitas afinidades entre o Islã e os reformadores protestantes – sobre as imagens, sobre a Missa, sobre o celibato etc.
O surpreendente parece ser não tanto que a nova emancipação tenha conquistado os homens de forma tão similar e como imaginamos que o comunismo pode se expandir através de nosso mundo industrial atual. O surpreendente é que ainda assim existiu – e persistiu por gerações – uma prolongada e teimosa resistência ao islamismo”
Em nossos dias, o islã se apresenta como uma alternativa salvífica para a massa de descontentes da modernidade, se apresentando como uma alternativa mais crível do que as promessas de criação de um paraíso terreno oferecida pelo ópio ideológico do socialismo, a chamada falaciosa “imanentização do éschaton” para usarmos um termo cunhado por Eric Voegelin (1901-1985) em The New Science of Politics [A Nova Ciência da Política]. O tipo humano descrito por Russell Kirk (1918-1994) no décimo sétimo capítulo, sobre o proletariado, em The Politics of Prudence [A Política da Prudência] e por Theodore Dalrymple em Life at the Bottom [A Vida na Sarjeta], a chamada subclasse, parece ser a vítima perfeita para a sedução apresentada pelo islamismo.
Desse modo, mesmo que políticas restritivas à imigração viessem a ser implantadas no mundo ocidental, essa atitude contrária às liberdades de nossa civilização não significaria uma diminuição do problema no médio prazo. Não adianta combater o dragão verde maometano ou o dragão vermelho socialista apenas com a força da espada, pois tais criaturas monstruosas crescem no vácuo criado pelo encantador dragão dourado, que enfraqueceu a identidade religiosa e cultural de nossa civilização por intermédio das chamas brilhantes do relativismo, do hedonismo, do democratismo, do multiculturalismo e do politicamente correto. Uma civilização é sempre destruída de dentro para fora, cabendo aos agressores externos apenas oferecer os golpes finais.
Insistimos que ainda há tempo de nossa moribunda civilização resistir ao vírus muçulmano que pode leva-la à morte. Todavia, a cura deverá ser buscada no fortalecimento interno de nossas sociedades, pela redescoberta de nossas tradições. Nesse sentido cabe um papel decisivo para o que Russell Kirk denominou “imaginação moral” e definiu como “o poder de percepção ética que atravessa as barreiras da experiência individual e de eventos momentâneos”, ao aspirar a “apreensão da ordem correta da alma e da ordem correta da comunidade política” e, simultaneamente, informar “sobre a dignidade da natureza humana”.
Desse modo, “quando a imaginação moral se enriquece, as pessoas se percebem capazes de grandes coisas”, por conseguinte, o empobrecimento dessa percepção ética impossibilita a ação eficaz e a “própria sobrevivência, a despeito da abundância de recursos materiais”. Na perspectiva do conservadorismo kirkiano a imaginação moral é enriquecida por intermédio dos contos de fadas e de trabalhos literários, nos quais a prosa refletida, a ficção poética e a fantasia ocupam um papel destacado, mas, também, pode ser enriquecida por obras de Filosofia ou de Teologia, bem como pelo estudo da História.
Nesse contexto é fundamental relembra um episódio especifico, ocorrido no ano de 1139, a chamada Batalha de Ourique. Nessa peleia um contingente significativamente menor de homens liderados por Dom Afonso Henriques (1109-1185) derrotou os exércitos mouros, comandados por Ali Ibn Yusuf (1084-1143). Tal evento foi muito importante no processo de Reconquista e marcou o início da independência do Reino de Portugal. A vitória dos cristãos portugueses sobre os maometanos almorávidas é atribuída à intervenção divina, por intermédio da aparição do próprio Jesus Cristo para o futuro monarca português. Essa campanha militar contra os invasores muçulmanos coincidentemente ocorreu no dia do aniversário de Dom Afonso Henriques, 25 de julho, a data da festa litúrgica de Santiago Matamouros. O episódio foi narrado Luís de Camões (1524-1580) nos Lusíadas (1572) com os seguintes versos:
“Mas já o príncipe Afonso aparelhava!
O lusitano exército ditoso
Contra o Mouro, que as terras habitava!
De além do claro Tejo deleitoso
Já no campo de Ourique se assentava!
O arraial soberbo e belicoso
Defronte do inimigo Sarraceno
Posto que em força e gente tão pequeno
Em nenhuma outra coisa confiado
Senão no sumo Deus, que o céu regia que tão pouca era o povo batizado
Que pera um só cem Mouros haveria!
Julga qualquer juízo sossegado
Por mais temeridade que ousadia!
Cometer um tamanho ajuntamento
Que pera um cavaleiro houvesse cento
Cinco reis mouros eram os inimigos
Dos quais o principal Ismar se chama!
Todos experimentados nos perigos
Da guerra, onde se alcança a ilustre fama!
A matutina luz serena e fria!
As estrelas do polo já apartava!
Quando na cruz o filho de Maria!
Amostrando-se a Afonso o animava!
Ele adorando quem lhe aparecia
Na Fé todo inflamado, assim gritava:
‘Aos infiéis, Senhor. Aos infiéis!
E não a mim, que creio o que podeis!’
Com tal milagre os ânimos da gente
Portuguesa inflamados levantaram
Por seu rei natural este excelente
Príncipe, que do peito tanto amavam.
E diante do exército potente
Dos inimigos, gritando o céu tocavam!
Dizendo em alta voz:
‘Real, real! Por Afonso, alto rei de Portugal!’”
O evento é parte fundamental da identidade histórica portuguesa, podendo ser visto, também, como a primeira página da história do Brasil. Infelizmente, a perda da memória e a destruição da linguagem são elementos comuns narrados em todas as distopias. No entanto, até pouco tempo a intervenção divina de Jesus Cristo e a campanha militar contra os mouros ainda fazia parte do imaginário português, tendo sido representado na pintura em óleo sobre tela O Milagre de Ourique (1793) de Domingos António de Sequeira (1768-1837) e nos azulejos Dom Afonso Henriques na Batalha de Ourique (1933) de Jorge Colaço (1868-1942).
No dia 25 de julho, também, ocorreu outro evento histórico importante na luta da cristandade contra os maometanos. Em 1415 as forças portuguesas comandadas pessoalmente pelo rei Dom João I (1357-1433) deixaram a cidade de Lisboa para a bem-sucedida campanha militar que, no dia 11 de agosto, desembarcou em Ceuta, conquistando essa importante cidade no Norte da África. Na batalha o monarca foi acompanhado pelos seus três filhos mais velhos, o futuro rei Duarte I (1391-1438), o príncipe Dom Pedro (1392-1449), o Duque de Coimbra, e o famoso infante Dom Henrique (1394-1460), o Duque de Viseu, fundador da Escola de Sagres, que possibilitou as grandes navegações. O já citado Jorge Colaço retratou essa vitória no painel de azulejos Infante Dom Henrique na Conquista de Ceuta em 1415 (1933).
Os riscos históricos e atuais representados pelo islamismo parecem algo muito distante no imaginário da maioria dos brasileiros. No entanto, a luta contra os infiéis maometanos foi um fator que forjou as nossas raízes lusitanas. É fundamental redescobrirmos nossas tradições culturais por intermédio da história, da literatura, das artes visuais e, acima de tudo, das crenças religiosas, caso não desejemos nos tornar novamente subservientes aos mouros.
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