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Impeachment

Vanessa Grazziotin e a gramátic@ ideológicx

A senadora comunista Vanessa Grazziotin chamou Dilma de "presidenta inocenta". A ideologia progressista é um manancial de humor.

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Vanessa Grazziotin presidenta inocenta

A senadora comunista Vanessa Grazziotin faz parte daquilo que já é chamado de bancada da chupeta: a bancada do jus sperniandi, os congressistas que apenas repetem discursos já manjados e não convincentes para a população para postergar o desfecho do processo de impeachment, mantendo Dilma Rousseff e o país em banho-maria.

Para prosseguir na enrolação, no moto perpetuo jurídico, na frivolidade correndo atrás do próprio rabo, Vanessa Grazziotin soltou uma pérola ideológica: não apenas chamou Dilma Rousseff de “presidenta”, mas ao encaixar um adjetivo na frase, emendou com “inocenta”.

O vídeo para os que, com razão, só acreditam vendo:

Com uma simples sentença, Vanessa Grazziotin conseguiu ensinar mais a quem possui pensamento lógico (a capacidade de extrair novas informações de premissas da realidade) do que a quase década e meia de PT no poder.

Elencando:

1. Para pessoas como Vanessa Grazziotin, tudo precisa ter uma marca de gênero. Tudo. Tudo. Por exemplo, “presidenta”, palavra que existe em dicionários desde bem antes de Dilma Rousseff, mas é uma flexão desnecessária e mais feia do que encoxar a mãe no tanque. Entre o belo e culto e a fealdade extrema, mas que pode virar ideologia para quem quer viver usando a feiúra como mote político, petistas e comunistas preferem a última;

2. Falando em comunistas, Vanessa Grazziotin é filiada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que está coligado ao PT desde a eleição de Lula. Se você chamar o PT de socialista, mesmo pregando o “socialismo petista” em seu 3.º Congresso e mesmo que o interesse dos Comunistas seja idêntico ao do PT, e se você chamar Vanessa Grazziotin de Comunista, vai ter choro e ranger de dentes. Da mesma forma que acima, as palavras e seu correlato na realidade precisam ser invertidos para a esquerda lograr êxito em seu projeto de poder;

3. Tudo isto se dá em nome de uma imensa politização da vida. Tudo precisa ser politizado. Até ir ao banheiro, fazer sexo, ter preferência por um tipo de cabelo ou usar uma flexão gramatical. Neste último caso, instituiu-se três gêneros:
(  ) masculino
(  ) feminino
(X) lacrou na cara da classe média família tradicional homofóbica machista fascista racista, miga!

4. A linguagem não serve mais para descrever a realidade (nem mesmo quando se está defendendo um apaniguado do seu projeto de poder de um processo de impeachment), e sim para criar comoção pública entre seu rebanho e quem atende a seu dog-whistle. Se não tem o que defender, apite para sua militância que ela responderá com auto-afirmação, mesmo sem ter o que afirmar. Você pode até ganhar uma coluna na Folha com isso.

5. Se por acaso alguém te zoar, aproveite para bancar o acadêmico e falar em Marcos Bagno, aquele da tese do “preconceito lingüístico”. Se alguém rir da sua neogramática, afirme que ele tem preconceito com pobre, traduzido num purismo gramatical elitista.

Como se a elite tivesse inventado a gramática para se separar dos pobres, com um conhecimento hermético arcano e danbrowniano só acessível aos iniciados pelo dinheiro. Uma espécie de calvinismo lingüístico.

Pouco importa que a gramática sempre seguiu o uso (o melhor, mais complexo e sutil), e não o contrário. Invente sua própria norma ideologizada, auto-referente, sem respaldo na realidade e ridícula e ainda pode acusar os outros de falta de empoderamento. Whatever it is.

7. Falando em piadas, bom, elas surgirão. Todo mundo vai tirar sarro de você. Como político, ao invés de, sei lá, resolver um problema social ou ao menos poder esfregar na cara da sociedade que conseguiu manipular o povo e outros políticos para salvar seu companheiro do cadafalso, você só conseguiu fazer todo mundo tirar sarro. Daí, o último passo: proíba o humor. Diga que há uma diferença entre humor (só vale piada de pontinho, e sem envolver cor, espécie e gordura) ofensa. Com a população aceitando “proibir ofensa” começando pelos humoristas, logo você poderá proibir qualquer coisa que seja contra o seu partido no poder.

8. Proibidos todos de enxergar a realidade através da linguagem (Dilma não pedalou, se pedalou não foi a bicicleta dela, se pedalou com a própria bicicleta foi para o bem do país e pedalada não é corrupção, se pedalou com a própria bicicleta e pedalada é corrupção então outros pedalaram antes, pelamordedeus não façam nada com a Dilma não importa o argumento, e o PCdoB não é comunista), para quem ainda insiste nesta coisa reacionária, conservadora, obscurantista e tradicionalista de observar a realidade, a linguagem ainda revela seus humores: afinal, Vanessa Grazziotin também prova que esquerdista sempre tem sobrenome tipo Ferazza ou Heidemann. Ainda não encontramos o esquerdista chamado “Severino Cimento”.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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