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Lição rápida para entender mais de política

Após Trump pegar o mundo "de surpresa", exceto uns gatos pingados selecionados como nós, ensinamos uma lição a quem quer evitar novos micos.

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South Park politics
Regra simples para exponenciar seu conhecimento de política, em um simples exemplo: Donald Trump é conhecido pela América há anos. Figura pública, esteve sempre nos holofotes. Seu jeito é conhecido. Suas declarações, idem.

Bastou virar candidato para ter suas declarações mais privadas ou não-mediadas (sabe aquilo que você fala com seus amiguinhos politicamente corretos quando ninguém tá ouvindo, igual todo mundo?) e colocadas em outro contexto pela imprensa. Como ter dito que se Ivanka não fosse sua filha, “namoraria com ela” (grosso? melhor dizer que foi canastrão: estava demonstrando que sua filha é tão bonita que deve ouvir justamente ouvir esse tipo de cantada tosca até dos amigos dele).

Na América, a imprensa diz-que-Trump-disse tal coisa sem dar o contexto, 90% do público entende (inclusive quem odeia Trump ou Republicanos) já conhece o contexto das frases, reavalia se as frases são boas “em si” mesmo divorciadas de seu (como é mesmo a modinha hoje?) “lugar de fala” original e começa o telefone sem fio.

Sabendo que a imprensa, o Quarto Poder, é biased, tem uma agenda, um projeto próprio, algumas pessoas acreditam. Outras, acreditam ainda menos em algo tão logo esteja estampado no New York Times (aquele que errou TUDO) ou no Washington Post.

Aqueles que até ontem ficavam felizes com o homem da TV, o Donald Trump, ser mais um Democrata entre tantos, hoje precisam se descolar dele, tentando retirar suas frases da enunciação correta e dizendo: “É racista!” – não porque acreditem que o homem que emprega uma torrente de negros e recebe votos deles (pergunte a qualquer haitiano) seja “racista”, mas para associar uma frase mal cuidada sua, ou melhor, sua existência inteira ao racismo, que é repudiado, ora veja, pelos seus eleitores (que outro motivo haveria para chamá-lo de “racista” esperando diminuir sua votação?).

No Brasil, ninguém conhece Donald Trump, a não ser saber que o homem apresentou a versão original de O Aprendiz e é (como é a modinha, mesmo?) “magnata”.

O telefone sem fio já chega aqui em seu grau non plus ultra: as declarações de jornalistas, do Quarto Poder, não são mais encaradas como uma interpretação delimitada dos fatos, mas como os fatos, nada mais do que os fatos, imparciais, de aceitação obrigatória. Quem você pensa que é para não aceitar os fatos? The big data?

Quando a aceitação maciça está nesse nível, ninguém será o corajoso a levantar a mão e dizer: “Mas peraí, será que a declaração sobre deportação não significa apenas cumprir a porcaria da Constituição, e não criar uma milícia para sair perguntando a qualquer um com cara de chicano na rua onde está o seu green card, senão será deportado?” – afinal, dizer isso pode ser uma verdade, mas quem ousaria ser contra toda a patotinha de uma vez, ainda sendo o primeiro?

Por muitos anos no Brasil, a imprensa também era entendida como o Quarto Poder, até mesmo – e sobretudo – durante a ditadura militar. Até mesmo o ditador mais brutal que o Brasil já teve, Getúlio Vargas, tinha como inimigo público número 1 um jornalista, Carlos Lacerda. Sendo um poder privado, era entendido como tendo não apenas um, mas vários interesses, e conflitantes. A população sabia, por exemplo, interpretar O Estado de S. Paulo como um jornal conservador, enquanto sabiam que o Jornal da Tarde era povão e sem grandes preocupações morais.

Este cenário é impossível de ser entendido por quem só conhece o jornalismo do século XXI. Aqui, o que dizem os governantes se torna lei. A agenda do partido no poder e da imprensa é integralmente indiscernível. E ninguém toma o que jornalistas dizem como uma interpretação possível entre outras: para eles, o fato não é a frase, e sim que “Donald Trump é machista e pensa como Adolf Hitler”.

Sobretudo, toda a imprensa em uníssono, pode ser a Veja ou a Caros Amigos, tem uma única e mesmíssima opinião a respeito de alguém que entrou no rolo compressor do assassinato de reputações como Donald Trump: aquela que garante que ele é machista, racista, xenófobo ou outro palavrão cabeludo, tendo como fonte outros jornalistas que apenas citam uma fala sua recortada em uma reportagem da CNN, sem nunca ouvir o discurso inteiro, ou se perguntar, afinal, o que ele quis dizer, se tem mesmo algo a ver com o que a CNN diz que-ele-diz.

Sabendo desse mecanismo, observe seus colegas, os comentadores de notícias cheios de moral e informações que “ninguém tem” e, sobretudo, a pior das raças a vicejar sobre este Vale de Lágrimas, os leitores de manchete: aqueles que construíram toda uma visão de mundo passeando aceleradamente os olhos por manchetes, sem nunca ler seu conteúdo, apenas para confirmar algum preconceito que já possuíam, chamando quem possui mais informações, justamente, de preconceituoso.

Basta enxergar o mundo e as notícias por tal prisma, enxergando não apenas o que dizem, mas o mecanismo revelador do caipirismo tupiniquim, para entender por que toda a imprensa erra – e, com ela, toda a avaliação do Brasil – enquanto o mundo mais avançado cada vez ri mais da velha mídia arcaica e faz sua história sem obedecê-la bovinamente.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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