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Criminalidade

A culpa dos assassinatos é dos assassinos. Parem de culpar “a sociedade”.

Qualquer terceirização de culpa pelo estupro é tratada como o fim dos tempos, mas é a regra para se culpar assassinatos. Isso tem de mudar.

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Gangue de assassinos

Há um Manual Compacto Para Exploração Política de Crimes na internet, ainda que não tenha sido explicitado e escrito em nenhum momento, sendo disseminado inconscientemente, transmitido pelo ar. Ele versa que se deve denunciar qualquer tentativa de terceirizar a culpa por um estupro, quando se aventa fatores que facilitam o ato (de roupas curtas a andar por lugares ermos, o que quase nunca significa, de fato, culpar a vítima).

Entretanto, qualquer outro crime que não o estupro, como o assassinato, o seqüestro ou o homicídio, deve ser sempre amenizado como ato individual, envolvendo maldade no criminoso, e a culpa deve, precisa e só pode ser diluída para um corpo amorfo e coletivo, como “a sociedade”, “o sistema prisional”, “a direita” ou, ainda melhor, quando se culpa uma abstração, sobretudo uma que possa ser imputada ideologicamente a inimigos políticos, como “o machismo”, “a misoginia”, “o conservadorismo”.

Tal visão presta tributo a uma crença mais profunda e menos discutida na vã palpitaria política moderna: o determinismo. Tal crença acadêmica tomou de assalto as Academias, e hoje os formadores de opinião, de jornalistas a psicólogos, de administradores do sistema penal a críticos literários, todos acabam pagando pedágio no determinismo.

Para tais crentes, o ser humano não possui vontade ou arbítrio próprio nenhum, sendo um autômato que apenas reage ao ambiente conforme sua genética – seja para fazer a corte de uma mulher, seja para cometer um assassinato. Não há nenhuma dialética interna no homem, apesar de tanto utilizarem tal palavra para “o social”. A palavra “moral” nunca foi tão atacada, como se fosse uma causa de assassinatos, e não um freio. Conforme explicou Theodore Dalrymple:

A única causa inquestionável da violência, tanto política como criminosa, é a decisão pessoal de a cometer. (Excluo aqueles casos raros nos quais está em jogo uma malformação neurológica ou distúrbio fisiológico). Deste modo, qualquer estudo sobre a violência que não leve em conta os estados de espírito é incompleto e, na minha opinião, seriamente insuficiente. É Hamlet sem o Príncipe.

Seguindo tal devaneio, um criminoso nunca é o agente de fato de um crime, sendo antes uma espécie de “reagente”, pois o real agente seria um tecido social o mais gigantesco, indefinível, dissolvido e vaporoso possível. Essa forma gasosa que seria culpada de assassinatos, e não assassinos.

O movimento feminista, ao apontar que a mulher não é a culpada por um estupro, tenta jogar à visão tradicionalista uma verdade que ela já possuía bem antes das feministas. Bem ao invés de passar um pito e ensinar uma lição, as feministas só conseguem mostrar sua própria incoerência quanto a outros crimes, chamando atenção da esquerda para seu discurso chocantemente contraditório, mas só confirmando o que a visão conservadora sempre defendeu.

A exploração midiática da tragédia, embora incapaz de explicar em conceitos e fenômenos o que vai acima, é fanática na crença determinista, uma típica religião abstracionista de acadêmicos. Os prosélitos deterministas e suas explicações “sociais”, variando entre a ONU e youtubers, nunca dizem que um criminoso comete um crime, o que é uma situação real e concreta. Preferem sempre desintegrar o que vêem para um esquematismo com linguagem floreada, mas de todo dissociada da realidade.

https://twitter.com/JOAQUINVOLTOU/status/816325153323937792

A manobra tem apenas um objetivo: equiparar quem comete um crime horrendo com inocentes que possam ter algo em comum com a estrutura inventada. Mesmo que o que inocentes e autores de assassinatos tenham em comum não vá muito além de respirar.

Assim, ao invés de dizer “Um criminoso mata uma família inteira, inclusive o próprio filho no Réveillon”, o palpitariado diz que “O machismo mata uma família”. Com esta simples manobra descritiva, ao invés de associar um homicida a outros homicidas, inclusive aos assassinos defendidos pela esquerda como “vítimas do sistema”, o assassino passa a ser associado a pessoas inocentes, mas que não sejam feministas. Basta discordar da visão maniqueísta de feministas para ser culpado por um assassinato – de preferência um do qual o acusado nunca ouviu falar.

https://twitter.com/GABRIELPlNHEIRO/status/816069768444866560

No esquematismo do palpitariado, nunca há espaço ou capacidade de questionar se “o pensamento conservador”, que é o alvo da dissolução, permite que se agrida vidas e se escore em uma defesa de bandido, estuprador e assassino, ação que só pode encontrar eco no pensamento de esquerda. Menos ainda se pode perguntar que espécie de pensamento conservador permite o assassinato de uma família, se a família só é defendida pelo pensamento conservador, enquanto é atacada pela esquerda (que, frise-se, exatamente por isso chama conservadores de “machistas”).

A manchete “Corintiano mata família inteira” seria considerada falsa, sensacionalista ou mesmo caluniosa, ainda mais se funcionasse como dog whistle para que logo pululem análises e pensamentos forjados como se fossem metafísicas acabadas no molde “Corinthians faz mais uma vítima” ou “Família é vítima de ideologia corintiana”, tentando-se culpar todo o Corinthians pelo crime de um corintiano. O assassinato passa a ser efetuado por um todo, por isso deve ter penas mais brandas.

Entretanto, tal prática é praticado abertamente, gerando visões de mundo fanáticas, sectaristas e ultra-radicais para falar que é preciso combater um “machismo” amorfo, uma “misoginia” com 500 significados possíveis e um “conservadorismo” equivalente a qualquer coisa que a extremíssima-esquerda não concorde, mas nunca em punir claramente o autor individual de um assassinato – o que seria precisamente este “conservadorismo” tão criticado.

Apesar das palavras voluptuosas e requintadas, o resultado é unicamente tornar qualquer semi-analfabeto em um militante que se considera o maior especialista em sociologia, antropologia, Direito Penal e filosofia moral tão somente por ter aprendido um vocábulo beletrista como “misoginia” e passar a aplicá-lo para tudo – inclusive e sobretudo para o que não é misoginia, ou machismo, ou conservadorismo, ou fascismo. Qualquer assassinato típico foge de seu horizonte conceitual.

É o prato cheio para alguém recheado de condenações na Justiça, mas solto devido ao “atenuante de senilidade” como Paulo Henrique Amorim, definir que um crime brutal como o assassinato ocorrido no Réveillon de Campinas foi devido à “Rede Globo e à Lava Jato” (sic), o que por si explica a senilidade. Ou, como Paulo Henrique Amorim prossegue, que assassinatos e violência são devidos ao “ódio à política, ódio a Dilma, ódio às mulheres, ódio à Lei Maria da Penha, ódio ao Lewandowski, ódio à defesa dos direitos humanos”, equiparando, novamente, pessoas inocentes, que discordam das opiniões de Paulo Henrique Amorim, com genocidas, com psicopatas, com os assassinos mais frios que puderem ser encontrados no país com mais assassinatos por ano.

O objetivo deste pensamento metonímico é claro: os inocentes serão tratados como culpados (incluídos em abstrações como “o sistema”, e mais claramente indigitados em concepções ideológicas imprecisas como “o conservadorismo”), enquanto a própria esquerda, que cuida da linguagem e do imaginário coletivo, pode tranqüilamente defender o assassinato de seus desafetos (estes que buscam uma ordem, e não um bandido de estimação para defender do bandido adversário) sem o menor problema com a polícia.

Estupros, roubos, seqüestros e assassinatos, numa taxonomia sadia, são crimes análogos e correlatos: é bem provável que quem roube, tratando a propriedade, o trabalho e o resultado das escolhas de vidas alheias como bens próprios, também se veja tentado a estuprar e matar. O que a taxonomia ideológica e doente tenta pespegar é associar crimes justamente a quem combate crimes, enquanto homeopaticamente vai transformando o imaginário coletivo, através de palavras chics e termos defraudados da ciência, para que crimes verdadeiros (bem diferentes de “machismo” ou termos como defeito de país “o sistema carcerário”) possam ser praticados e defendidos abertamente, desde que em nome da ideologia de esquerda.

A cada novo pós-adolescente crendo que descobriu a cura do câncer por aprender a falar em “homofobia”, em “desigualdade social”, em “empoderamento” ou, como já tenta ser a modinha de 2017, em “punitivismo”, temos mais pobres sendo roubados e assassinados longe da universidade freqüentada por ricos onde o pós-adolescente aprende seu academicismo. E o ideólogo de 140 caracteres apenas defende o assassino de pobres, nunca o pobre assassinado.

to be continued…

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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