A punição por “excesso de liberdade de expressão” ao SBT e Rachel Sheherazade
A liberdade de expressão está sob forte ameaça. Você pode falar o que quiser, desde que concorde com o Estado. Que o diga Rachel Sheherazade.
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O famoso comentário da âncora do SBT Notícias, a jornalista Rachel Sheherazade, sobre um ladrão que foi acorrentado a um poste após assaltar pessoas por reiteradas vezes na mesma reigão do Rio de Janeiro, gerou uma das mais bizarras ações já vistas no país: o Ministério Público Federal, MPF, em seu site, declara que o procurador regional da República Walter Claudius Rothenburg pede retratação do SBT por “excesso de liberdade de expressão” (sic).
O site do MPF explica a ação contra Rachel Sheherazade:
A ação civil pública foi proposta pelo MPF com o objetivo de salvaguardar a integridade física e psíquica de um adolescente vítima de violência, assim como de proteger o público em geral de mensagens que incitam a violência em um contexto social tão fortemente marcado pelo desrespeito aos direitos fundamentais.
Em uma semana em que a liberdade de expressão se vê sob forte ameaça, com deputados processando humoristas sob aplausos de um coletivo ideológico, a ação contra Rachel Sheherazade mostra uma tendência nítida do Estado brasileiro em forçar o entendimento da lei em uma única direção: a da mordaça e do politicamente correto.
A desculpa do MPF de “salvaguardar a integridade física” (sic) soa surreal, ainda mais se na mesma toada o procurador Rothenburg afirma que não se trata de “censura prévia”. Ora, não pode ser prévia, pois a ação do MPF foi a posteriori. Se seguirmos a lógica, o comentário de Rachel Sheherazade também foi a posteriori do ato cometido. Se vale a regra para o MPF, vale para Sheherazade. Qual a diferença? Como a jornalista do SBT poderia estar ameaçando a integridade física de alguém, ao comentar algo já passado?
Também não é imprescindível ser um gênio da linguagem e da lógica para perceber que seu famoso “É até compreensível” tampouco significa “É justo, é o correto, deve ser feito e incentivado”, ainda mais com a preposição “até” sendo colocada justamente como um atenuante (“você é até inteligente”), além de o termo “compreensível” não conseguir ser usado em nenhum momento na língua como algo positivo (“tirar notas baixas quando se está doente é até compreensível” faz sentido, enquanto “respeitar os pais é até compreensível” soa praticamente contraditório).
Curioso ainda que Rachel Sheherazade tenha justamente usado um pequeno absurdo para apontar um absurdo maior: a ausência de Estado de Direito e de leis aplicadas, como disse: “O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite”. Seria este o “abuso de liberdade de expressão” (sic), como se algo continuasse livre se pode haver “abuso” de seu uso?
Para comprovar que Rachel Sheherazade continua certa, a violência no Rio de Janeiro continua galopante, as pessoas morrem nas ruas nas mãos de marginais, e a população não tem o direito de legítima defesa segundo o Estado. Mas, enquanto isso, o Estado gasta tempo, dinheiro e esforço para pedir a punição… de Rachel Sheherazade. A liberdade de expressão é o mero acidente indesejável.
Mesmo um escritor marxista, como o filósofo Walter Benjamin, escreveu, em Para uma crítica da violência (no livro Escritos sobre mito e linguagem) que o principal motivo para o Estado punir a violência é porque deseja o seu monopólio, e qualquer manifestação de violência não implica apenas a violência de um particular sobre outro, mas o potencial de se tomar o poder do Estado de praticar violência.
O que Walter Benjamin queria, na verdade, era que seus acólitos praticassem violência eles próprios, sem os freios de um Estado não-marxista (a República de Weimar e o Terceiro Reich). Para ele, toda violência contra os inimigos da revolução era relevada. Era muito mais do que “até compreensível”: era método, e o único possível.
Lógica, é claro, não parece ser o forte da tendência ideológica de alguns operadores do Direito no Brasil. Basta gritar algo, como “racismo” ou “machismo”, e obedecer irrefletidamente ao comando que usa a palavra, sem concatená-la e formar um todo coerente.
Você pode comprar os livros de Walter Benjamin livremente. São estudados em faculdade. Incentivados. Já se Rachel Sheherazade diz que fácil compreender por que uma violência foi praticada, justamente buscando retomar o Estado de Direito, the rule of law, ela é punida. De fato, mesmo um marxista violento como Walter Benjamin tem lá alguma razão em perceber o ciúme estatal em praticar violência sem querer concorrentes.
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