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Mourão, por que não te calas?

Bolsonaro não foi eleito graças a Mourão e tampouco o vice-presidente ofereceu apoio do centrão, palanques ou tempo de TV, por que então o general age como chefe de governo?

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MOURÃO - Bolsonaro - Governo - militar

Antes das eleições todos achavam que um general para vice-presidente, escolhido a dedo por Bolsonaro, sepultaria os interesses da esquerda em um impedimento. Apenas eventual cassação de chapa seria do interesse deles, visto que o general deveria ser ainda mais firme e rigoroso que o capitão (não é?). Mas bastou gen. Mourão abrir a boca para percebermos duas coisas: nos primeiros meses ele se comportou como ombudsman – profissional que acata reclamações externas e tenta resolvê-las de maneira supostamente imparcial – do governo, não-requisitado, diga-se; a cada declaração de algum dos ministros de seu governo plantada como “polêmica” pelo quarto poder (que vilipendiou Mourão e sua chapa ao longo de toda a eleição), Mourão surgia para apaziguar e contradizer seus ministros (exemplos logo a seguir) e, ainda, as declarações de Mourão, por mais direito que o general tenha a elas, costumam ir na completa contramão da plataforma ideológica que levou Bolsonaro à presidência:  autenticidade, característica totalmente vinculada à figura de Bolsonaro, era ele e não Mourão que era recebido por multidões nos aeroportos; conservadorismo de costumes e liberalismo na economia.

A patente de general pode ser superior à de capitão, mas a de vice-presidente não poderia ser mais decorativa que a da senhorinha que serve café em relação ao CEO da empresa. Com um agravante: ninguém votou na chapa PSL-PRTB por causa do Mourão (nem por causa do PSL ou do PRTB, aliás), figura que virtualmente ninguém conhecia. PRTB/Mourão não agregaram tempo de TV, votos ou manobras com o centrão, porque PRTB e Mourão são praticamente insignificantes a esse respeito. Quem fez a campanha virtual, pelas redes sociais, para eleger a chapa que alçou Mourão à vice-presidência do Brasil foram os olavetes, que já estavam em campanha por Jair Bolsonaro há muito tempo, aliás, com clareza de pontos de vista indiscutível.

Considerando isso, algumas trupes se juntaram: petistas e esquerdistas, que veem em Mourão desdizendo o governo do qual faz parte uma oportunidade para instar o caos, além de quererem apontar para uma suposta equiparação que, em verdade, é absurda: Mourão seria o Temer de Bolsonaro. Isso não poderia estar mais errado. Temer agregou à chapa petista tempo de TV, palanques pelo Brasil inteiro e a submissão da grande bancada fisiológica do PMDB aos projetos do governo e mesmo com toda essa contrapartida e poder de barganha, não se viu Temer agindo como se fosse chefe de governo de Dilma logo nos seus primeiros dias de governo. Aliás, isso nunca foi visto, exceto para dias antes da confirmação do impeachment. A comparação é absurda, Temer foi escolhido e aceito porque tinha muito a dar, de Mourão e do PRTB esperava-se, no mínimo, o apoio ideológico, já que a aliança surgiu supostamente por afinidade de ideias – algo que nunca veio.

A estes dois primeiros grupos juntaram-se os “isentominions”, isto é, gente que não é de esquerda e não é petista, mas só consegue dar dois suspiros seguidos se reafirmarem publicamente sua isenção “crítica” com relação ao governo; inclui estirpes liberais, “turma da kombi” (eleitores ideológicos de Meirelles, Amoedo e Alckmin) e outros tipos isolados e numericamente insignificantes. Para estes, Mourão virou herói, mesmo que esteja em região distante deles no espectro político, pois suas tiradas contrárias a Olavo de Carvalho ocupam lugar especial no pedestal de prioridades: seja militar progressista e positivista, seja comunista, seja lá da coloração que for, uma lacrada anti-olavete tem preço inatingível para essa turma – e cada um tem os heróis que merece (isso inclui outras esferas de anti-olavetes: antissemitas, tradicionalistas, islamofílicos etc).

Muita gente, que pensa exatamente do jeitinho que a esquerda quer que pensemos, pode estar surpresa com isso, porque “não é óbvio que um militar é um direitista malvadão”? A esquerda quer pintar todos à sua direita com a mesma cor, mas a verdade é que militares sempre tiveram uma ideologia não muito simpática ao conservadorismo. A ideologia predominante ali faz parte da velharia francesa, um daqueles lixos ideológicos que só sobrevivem depois de mortos no Brasil, como dizia Millor Fernandes, o positivismo. Daí vem a crença pueril no “progresso” como a marcha inevitável da humanidade, desde que os preceitos científicos sejam aceitos e implementados, então a marcha inexorável da ordem e do progresso triunfará.

Nesse meio pode tanto haver espaço para algum ocasional conservadorismo de costumes, quanto para um caso quase completo de progressismo moral, como o de Mourão. Mesmo o propalado anticomunismo do regime militar, característica que, se demovida da narrativa histórica oficial, faz cair por terra as tentativas da esquerda de comparar nossos militares a outros ditadores ou ao próprio nazismo, pode ser questionado quando observamos, por exemplo, que o ditador comunista da Romênia, Nicolai Ceausescu, deposto e morto pelo seu próprio povo foi, antes disso, condecorado com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul pelo general Geisel. Não que isso seja prova de comunismo do general, evidentemente, mas conseguem imaginar qualquer um com um programa anticomunista (ainda que seja anarquista ou social-democrata) que congratule com a mais alta pompa um notório comunista? Não sabemos se Mourão faria isso, crê-se que não, mas quem sabe para agradar a imprensa? A mesma que quis destruí-lo com suas declarações escorregadias durante a campanha (e Mourão, nessa época, quem defendeu a honra da sua chapa não foram seus parceiros militares, mas a ativa ala olavete do governo que hoje você quer expurgar).

Muito foi dito que Carlos e Eduardo Bolsonaro, além do professor Olavo, serem responsáveis por criar cisões e atrapalhar o governo, mas na pior das hipóteses, o inaugurador da cizânia fora o próprio Mourão quando decidiu autoproclamar-se ombudsman do governo. Uma pesquisa rápida e um punhado de notícias deixa isso evidente:

Mourão duvida da capacidade do chanceler Ernesto Araújo

Mourão diz que influência de deputados para compra de tecnologia chinesa é ínfima

Gentil e acessível, Mourão vira queridinho da imprensa

Mourão diz que “por enquanto” não é favorável à privatização dos correios

Mourão: ‘Quem se importa com as opiniões do Olavo?’ 

[Dica: apenas o homem que te deu a posição que ocupa e seus filhos].

Mourão elogia Maia e diz que diálogo com Renan é possível

Mourão cai na armadilha de Wyllys e é todo simpático com parlamentar que cuspiu no cabeça de sua chapa e já disse que cuspiria de novo.

Mourão diz a embaixador palestino que Brasil não pensa em mudar embaixada em Israel

Mourão diz que aborto “é uma decisão da pessoa”

‘Não é ruim, não’, diz Mourão, sobre Collor candidato à presidência do Senado

Presidente da CUT se reúne com Mourão e critica reforma da Previdência

Mourão: Chico Mendes faz parte da história do País

Gen. Mourão diz preferir massacre de inocente a uma guerra civil

Recuo de Moro sobre Ilona Szabó foi perda para o Brasil, diz Mourão

Mourão diz que Olavo deve se limitar à função de astrólogo

 

Vice-presidente general Mourão, já sabemos que nada que levou o presidente Jair Bolsonaro à condição de presidente do Brasil é do seu agrado e já que você não revelou isso antes da eleição, poderia ao menos deixar de contribuir com a imprensa que quer destruir o governo do qual o senhor faz parte com fogo amigo? Atitudes dos seus ministros que não forem do seu agrado podem ser resolvidas internamente, sem querer jogar um prato cheio no colo da oposição do tipo “quanto pior melhor”. Se o seu desejo é ver o governo prosperar só há duas alternativas, a descrita acima ou se calar.

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Assuntos:
Andre Assi Barreto

Professor de Filosofia e História das redes pública e privada de São Paulo. Aluno do professor Olavo de Carvalho. Mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Também trabalha com revisão, tradução e palestras. Autor de "Saul Alinsky e a Anatomia do Mal" (ed. Armada, 2019)

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