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Filme que você precisa ver: Chuck Norris vs Communism (2015)

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Sabemos bastante sobre o horror do nazismo (embora não saibamos o que foi o nazismo) para nossos sentidos se escandalizarem e fazerem qualquer associação ao Terceiro Reich nos embrulhar o estômago. Como já notou Alain Besançon, por outro lado, a memória não retém as atrocidades do comunismo.

Na comparação entre os dois, trata-se antes de um caso de imaginação do que propriamente de teoria, já que somos igualmente deficientes para entender até mesmo o ideal socialista do nacionalismo alemão sob a suástica.

Raros aprenderam sobre Adolf Hitler com livros: é nosso imaginário mais básico, nossas impressões primeiras que conseguem evocar, da superfície dos dados aprendidos, o horror que foi o nazismo. Vimos tantos filmes, imagens e descrições do nacional-socialismo que até temos a impressão de termos visto, sentido, testemunhado parte do inferno que se tornou a Alemanha e, depois, a Europa, sobretudo após a eclosão da Segunda Guerra e o início do Holocausto.

Quantos filmes são conhecidos sobre o comunismo? O imaginário coletivo, ainda mais em países de Terceiro Mundo (expressão inventada por Mao Zedong para se tornar “líder mundial” ao menos de uma parcela do mundo), ainda tende a criticar a palavra “capitalismo”, quase sempre em países que mal o conhecem, e imaginar o que seria o socialismo como uma espécie de rave de Zion do Matrix 2.

A verdade sobre o Gulag, a inanição genocida do Holodomor, os campos de matança de Pol-Pot, a reforma agrária de Mao fazendo com que 70 milhões de chineses tivessem grama e cascas de árvore como última refeição antes de morrerem de fome, a crise de AIDS na Albânia ou os fuzilamentos na Hungria ou em todo país socialista passam longe de estarem na imaginação de qualquer socialista fora da velha linha-dura – sobretudo, é inexistente entre jovens e os famosos “críticos do capitalismo” sonhando com “outro mundo possível” incapazes de descrever.

Se fomos corretamente bombardeados com meio século de filmes sobre o nazismo e ainda não arranhamos sua superfície, chega em boa hora o incipiente movimento dos países que viveram a experiência comunista (como os próprios dirigentes a chamavam, e não “socialista” – vide o imprescindível livro de Archie Brown) para mostrar ao Ocidente o que é que estávamos felizmente perdendo.

Uma surpresa do ano passado é o petardo disponível na Netflix Chuck Norris vs Communism, filme romeno de Ilinca Calugareanu com um tema incrivelmente mais sério do que parece pelo título: como os romenos vivendo sob o comunismo do tirano Nicolae Ceaușescu viam filmes ocidentais contrabandeando fitas cassete e assistindo filmes escondidos da polícia.

chuck-norris-vs-communism-sigFilmes “contra-revolucionários” e material “subversivo” de primeira categoria? Bem, tem Rambo, com Sylvester Stallone, e Braddock 3 – O Resgate, com Chuck Norris, que contêm expressões pesadíssimas como (tirem as crianças da sala) “comunista maldito” (ufa, essa foi horrível, eu avisei). De resto, o que a polícia secreta comunista (a violentíssima Securitatea) perseguia eram filmes como Uma Linda Mulher ou 9 e 1/2 Semanas de Amor. Um “valor burguês” como o amor poderia colocar o sistema abaixo – esta é a “superioridade” comunista.

Narrado na forma de documentário com romenos narrando aquela época, entremeado com cenas dramatizando suas histórias, temos diante de nossos olhos justamente a construção inversa de imaginário: a pobre e oprimida população de um país comunista se juntando na clandestinidade para tentar imaginar como é viver num país livre no Ocidente.

Os tais “filmes imperialistas”. Ou você acha mesmo que quem vive assistindo pronunciamento de Ceaușescu nas duas horas por dia em que a televisão funcionava queria mesmo era assistir filme do Felipe Braga na única hora em que não está sendo vigiado pela polícia política?

Os relatos da censura deixariam boquiabertos quaisquer estudantes universitários de cursos de Comunicação, Letras ou Cinema se atentassem para o que de fato está em discussão. Como uma cena em que a censura romena analisa se vai deixar passar um desenho animado russo. Por uma fração de segundo, um coelho surge na tela carregando três balões: um vermelho, um amarelo e um azul. BEEEEING, dispara o alarme: são as cores da bandeira da Romênia, num desenho russo, com um coelho menor do que o personagem principal. Daria a impressão de que a Romênia, sob o forte e supostamente auto-suficiente socialismo juche importado da Coréia do Norte, estaria nas mãos da Rússia, em sinal de subserviência. “Que mensagem estaríamos passando a nossas crianças?”, postula um censor.

Ora, não é exatamente o que se tanto estuda com teorias pauleira como a Escola de Frankfurt, tão encomiada quanto menos é entendida? Se György Lukács e, posteriormente, Horkheimer, Adorno e Benjamin são tão louvados como realização máxima da crítica literária e artística (quando não crítica única) é justamente por preconizarem o modelo Securității de censura, encontrando leituras capitalistas, burguesas, imperialistas, direitistas, reacionárias ou o adjetivo que quiserem inventar em qualquer obra inocente, já que o marxismo não permite que se enxergue algo sem ideologia por trás.

Basta lembrar do sucesso dos anos 70 Para Ler o Pato Donald, que jurava encontrar um método de colonização da América Latina no sucesso da Disney. Uma panacaria que, hoje, a análise do discurso, aliando marxismo, psicanálise e semiótica, elevou à enésima potência – dogmas momentâneos como “apropriação cultural”, “micro-agressão”, “mídia golpista”, “multiculturalismo” ou “não vai ter golpe” têm sempre algum intelectual caudatário da Escola de Frankfurt por trás.

Ninguém melhor para apresentar este cenário aos brasileiros do que o filósofo Olavo de Carvalho, que por sinal morou quase um ano na Romênia após a queda dos Ceaușescu. Foi ele que denunciou sozinho o perigo da clave de interpretação da realidade dada pelo neomarxismo da Escola de Frankfurt, sendo escorraçado da discussão acadêmica-jornalística por nadar sozinho contra o dogma frankfurtiano. Hoje refugia-se sozinho entre os poucos que atravessaram a parede censora da intelligentsia e tiveram coragem de conhecer seu pensamento enfrentando o enxame frankfurtiano, que produz o totalitarismo dos vilões do filme, não a libertação dos contraventores.

Se temos dificuldade para entender como é a vida comum no comunismo (não só a vida na fome das fazendas coletivas e nos campos de trabalho forçado, mas a vida “normal”, das cidades que não são cadeias de prisioneiros políticos – ao menos formalmente), nada melhor do que ver como essas pessoas de carne e osso contam como era descobrir o inverso: de que a vida normal pode ser normal num país normal. Algo tão chocante que nós, ocidentais sortudíssimos, só mesmo pelo vício do costume e preguiça da inventividade não percebemos.

Todos os filmes eram dublados pela mesma dubladora, Irina Nistor, uma das principais narradoras do documentário, que traduzia e imediatamente dublava todas as vozes dos filmes. Os romenos ficavam surpresos com a fartura das mesas ocidentais: cenas de luta em um restaurante terminando com alguém caindo sobre a mesa não deveriam ser cogitadas num cinema romeno nem mesmo se não fosse comida de verdade e nem mesmo se a Romênia tivesse uma indústria de cinema.

Poder falar “Jesus!”, “Papai Noel”, nomes de santos, “Páscoa”? Como o mundo livre capitalista poderia tomar tamanha liberdade enquanto o comunismo romeno destruía igrejas de um país tão católico (e outrora vencedor dos muçulmanos turcos) e mandava à prisão quem ousasse freqüentar uma igreja?

A vida além da Cortina de Ferro se torna incrivel e assustadoramente opressora vendo as imagens ainda de hoje, com a arquitetura soviética onipresente e uniforme em todo o mundo transformando prédios em verdadeiros cubículos em labiríntica repetição.

Falar que um parente possui um videocassete em público, geralmente contrabandeado de alguma visita a países fronteiriços e custando mais do que uma casa, é o mesmo que confessar um assassinato nas ruas aos berros hoje – afinal, com a perestroika de Gorbachev e com a caturrice de Ceaușescu em ser “o último stalinista”, o regime precisou endurecer a perseguição política, e num modelo político em que Estado e sociedade se tornam um corpo uno, qualquer vizinho invejoso, discussão ou mesmo ser mal visto por alguém significa ser denunciado às autoridades.

Os relatos de pessoas que tinham medo até de entrar por uma porta ao serem gentilmente convidados (tudo no socialismo se torna um risco longe dos olhos protetores de testemunhas) sobre as desconfianças de seus colegas de trabalho mostram que a vida vermelha é uma espécie de jogo de detetive 25 horas por dia – com assassinatos políticos reais. Um desconfia que o outro é espião do governo, enquanto o que é desconfiado desconfia que o desconfiante é que trabalha para o governo secretamente. Não há exatamente um “trabalho” no país além de espionar quem trai o socialismo.

O melhor, é claro, fica para Chuck Norris e os filmes de ação. São eles que animam, atiçam a fantasia e o desejo de heroísmo dos jovens, estes que, para o bem ou para o mal, estão sempre à frente dos velhos progressistas.

Assistindo escondidos os filmes de Chuck Norris, Schwarzenegger, Stallone, Bruce Lee e van Damme, meninos contam como vêem, pela primeira vez, alguém se sacrificar pelo outro. Uma história em que se pôr em risco por uma amizade é escancarado aos olhos – o que o coletivismo socialista, centralizado no Partido-Estado, nunca permitiria, enquanto ocidentais crêem que socialismo é sinônimo de caridade, o seu exato oposto.

É nas narrativas de superação de personagens machões e “violentos” (na verdade, guerreiros) que os jovens descobrem um modelo de heroísmo conhecido pelo Ocidente civilizado desde as primeiras narrativas da Odisséia ou da Eneida (vide como Christopher Vogler as descreve tão bem em A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica Para Escritores, usando os ensinamentos do Herói de Mil Faces de Joseph Campbell). Ser revolucionário e contrário a tradições é, justamente, jogar isto no lixo e preferir qualquer propaganda política repetindo slogans martelados roboticamente. Algo que, infelizmente, o Brasil já conhece quase tão bem quanto a Romênia comunista.

Após ver belas histórias de auto-superação, ouvimos a mais bela frase do filme: de que a partir destes filmes, uma pedra não era mais só uma pedra, uma parede não era só mais uma parede. Que os meninos passavam a disciplinar suas brincadeiras, de própria vontade, querendo ser mais do que aquilo que o governo dizia que eram.

Foi essa mudança no imaginário, que a maldição comunista e suas teorias tão em voga no Ocidente provocaram, que provocou mudanças em todo o bloco soviético. Antes da realidade, e muito maior do que ela, está a imaginação. Não há lição que os brasileiros, à esquerda e à direita, precisem com mais urgência nestes tempos.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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