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Numerologia

Ibope e Datafolha resolveram tirar uma com a cara dos brasileiros

Pesquisas de Ibope e Datafolha indicam números estranhos, como uma "virada" de 51% de votos para Haddad em São Paulo, onde obteve apenas 19% de votos no primeiro turno

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Haddad e Lula

Talvez Haddad tenha alguma chance de aparecer na frente de Bolsonaro no interior do Ceará. Ou em algumas cidades do Rio Grande do Sul. Talvez em Fernando de Noronha. Nunca perto da Venezuela. Mas há um lugar em que Haddad certamente não tem a mais remota chance de vencer Bolsonaro, esse lugar é a cidade de São Paulo, onde uma parcela enorme da população considera o candidato petista o pior prefeito que a cidade já teve (tendo Marta Suplicy, Paulo Maluf, Celso Pitta, José Serra, Luiza Erundina e tantos outros como concorrentes ao posto). Mas não é isso que o Ibope quer fazer crer aos brasileiros.

Na última pesquisa do Ibope na cidade, valendo-se de uma metodologia que só existe para gerar essa manchete, Haddad teria ultrapassado Bolsonaro, chegando a 51% contra 49% dos votos válidos.

Sim, aquele Fernando Haddad que conseguiu a façanha inédita na história paulistana de perder no primeiro turno, e para um novato como João Doria. Aquele Fernando Haddad que teve a pior avaliação entre prefeitos em fim de mandato desde Celso Pitta. Aquele Fernando Haddad que perdeu em todas as 58 zonas eleitorais de São Paulo (56 para Doria, 2 para Marta). Aquele Fernando Haddad das ciclofaixas que todos desprezam. Aquele Fernando Haddad que quer proibir associação do seu nome ao “kit gay”, que não ousaria sonhar em concorrer à prefeitura de São Paulo novamente para não passar vergonha, aquele Fernando Haddad estaria com 51% dos votos em São Paulo.

Explica Fábio Pegrucci:

Se há um lugar do Brasil em que Fernando Haddad NÃO vai vencer a eleição é na CIDADE DE SÃO PAULO, de onde ele foi praticamente EXPULSO em 2016: Perdeu em TODOS os 58 distritos eleitorais, desde a Avenida Paulista, até a zona rural.

Em uma cidade em que as eleições são tradicionalmente muito disputadas, nunca antes se vira um governante ser rejeitado de forma tão categórica: foi um massacre.
Dos mais de 9 milhões de eleitores da cidade, 967.190 (pouco mais de 10%) votaram pela reeleição de Haddad; foram apenas 16,7% dos votos válidos.

No 1º turno na eleição presidencial, ele recebeu 1.253.162 votos (19,7% dos votos válidos), contra 2.835.930 de Bolsonaro (44,58%).

A informação, fartamente estampada em manchetes durante todo o dia, de que houve uma INACREDITÁVEL virada em pouco mais de 2 semanas (Haddad estaria com 51% dos votos na capital), é absurda.

Consultando-se a íntegra da pesquisa Ibope no ESTADO de São Paulo (como parte da pesquisa nacional), incluindo também a pesquisa para governo do estado (e outras consultas relacionadas, como o possível impacto de mensagens de WhatsApp na decisão do voto), realizada entre 20 e 23 de Outubro, em 78 municípios, é possível entender parcialmente: das 1.512 entrevistas (para um universo de mais de 33 milhões de eleitores), 413 foram realizadas na capital; 784, no interior; e 315, na “periferia”: mas não há explicação sobre a que “periferia” o instituto se refere; não se sabe se é à periferia da cidade (bairros periféricos, distantes do centro) ou aos outros 38 municípios que integram a Região Metropolitana de São Paulo.

Os números totais são:
-Interior: Bolsonaro, 63 x Haddad, 25 (com 9% de brancos e nulos, mais 2% de indecisos);
-Periferia: Bolsonaro, 53 x Haddad, 30 (com 11% de brancos e nulos, mais 5% de indecisos);
-Capital: Bolsonaro, 40 x Haddad, 41 (com15% de brancos e nulos, mais 4% de indecisos).

Editorias de todos os jornais pegaram apenas esse último recorte (“capital”, 413 entrevistas), não questionaram a inclusão do campo “periferia”, traduziram para “votos válidos” (excluindo brancos, nulos e indecisos), deram uma arredondada para cima, chegaram ao número mágico:
Haddad 51% e não tiveram dúvidas:

Tacaram nas manchetes, sugerindo uma impressionante reação do candidato do PT, justamente na cidade que mais motivos tem para não elegê-lo. Alguns ainda tentaram relacionar a surpreendente “queda” de Bolsonaro (que estaria recebendo menos votos do que teve no primeiro turno) ao apoio de João Doria (que lidera no estado, mas perde na capital), o que não faz qualquer sentido.

Intencionalmente ou não, pode ter havido uma distorção simples no campo “capital”: conhecendo-se a cidade, é facílimo saber onde encontrar 413 pessoas com maior probabilidade de declarar voto em Fernando Haddad, sem ferir os demais parâmetros (idade, escolaridade, sexo, renda):

-O entorno da USP, a região da Praça Roosevelt e a Vila Madalena, seriam minhas apostas, caso quisesse encontrar tal resultado. E foram essas 413 almas, representando mais de 9 milhões de eleitores, que pautaram grande parte dos noticiários e alegraram a militância petista.

É provável que a intenção da parte dos jornalistas, responsáveis por pinçar esse pedacinho da pesquisa e transformá-lo em fato midiático, tenha sido apenas essa mesmo: aplicar um desfibrilador na moribunda campanha de Haddad. Prefiro não pensar em nada além disso.
No mais, os números que realmente interessam, considerando todo o Estado de São Paulo, são:

-Bolsonaro, 54 x Haddad, 31 (com 11% de brancos e nulos, mais 3% de indecisos); ou, em votos válidos: 64 x 36.

O Ibope parece estar realmente empenhado em vender para o Brasil a idéia de que Haddad é benquisto por quem o conhece. É difícil imaginar, entretanto, Haddad pegando um ônibus lotado na periferia sem 50 seguranças armados até os dentes por perto.

Se está bizarra a forçação de barra do Ibope para Haddad já dá com a língua nos dentes, chega o Datafolha e resolve esculhambar o coreto. Em Florianópolis, a capital mais conservadora do Brasil, o Datafolha carca 38% de votos para Haddad, e Bolsonaro apenas com 34%. Para lembrar dos números do primeiro turno, temos Bolsonaro com 53% e Haddad com apenas um cabalístico 13%.

https://twitter.com/ehomath/status/1055589055805689856

Foi uma semana em que Haddad foi visto largando uma Bíblia que ganhou de presente pra trás, em que até Mano Brown fala em um comício do PT que vão perder, em que Haddad é pego na mentira dizendo que Mourão torturou (risos) Geraldo Azevedo, em que a suástica fake que ele usou em sua campanha para atacar eleitores de Bolsonaro se mostrou uma mentira, já que a polícia descobriu que a menina se auto-mutilou.

Mesmo assim, Ibope e Datafolha juram que Haddad ganhou uma quantidade inacreditável de votos de Bolsonaro justamente onde é menos provável que consiga ganhar.

Mas, claro, se você desconfiar de algo, você que não respeita a democracia.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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