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Lacração

A reação da mídia e da esquerda à fala da ministra que viu Jesus numa goiabeira é puro ódio a pobres

Muitos riram de Damares Alves, futura ministra dos Direitos Humanos, por ver Jesus numa goiabeira. Não riram da experiência, e sim da pobreza de uma menina abusada sexualmente

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Damares Alves ministra Direitos Humanos Jesus goiaba

A futura ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, causou celeuma na internet por ter dito em um culto evangélico que viu Jesus em um pé de goiaba na sua infância. Ao menos era apenas isso que se lia nas manchetes. Como tudo o que gera furdunço na internet, ninguém pesquisou nada, mas já estavam armando a Terceira Guerra Mundial por conta de frases soltas.

A internet, sobretudo aquele nicho Twitter-YouTube, uma espécie de Vila Madalena-Leblon virtual, onde todos são ricos, belos e poderosos, mas se fingem de oprimidos, explorados, humilhados e ofendidos (quanto mais se fizer de coitado, mais curtidas e grana na conta), tratou de tratar a ministra Damares como uma evangélica lunática retardada, como aliás essa turma trata todo mundo que não acredite em patacoadas de Richard Dawkins.

Ricardo Noblat, Marcelo Rubens Paiva, Rosana Hermann, Vera Magalhães, José Simão, William de Lucca, Gilberto Dimenstein, Xico Sá, Reinaldo Azevedo, Kelly Matos, Nilson Xavier, Leandro Karnal e o perfil do Globo Rural no Twitter: todos aproveitaram-se da frase para exibir sua superioridade epistemológica por nunca terem visto Jesus em um pé de goiaba.

Toda a metafísica, a profundidade de pensamento dos formadores de opinião do Brasil (seja um colunista do Estadão, seja um YouTuber teen, para quem consegue perceber alguma diferença) é feita através de manchetes. Ninguém ali tem uma única dúvida, um esgar de desconfiança em relação a alguma manchete de jornal. Os tais “céticos”, os que julgam ter pensamento “científico”, constróem todo o seu castelo de cartas baseando-se na crença absoluta nos sentimentos que uma manchete de jornal é capaz de evocar nos leitores mais apressados e desatentos. 

Por exemplo, se Damares Alves pensa em exigir não apenas pena de prisão, mas de multa para estupradores, mas a manchete fala apenas que a futura ministra dos Direitos Humanos falou em “Bolsa Estupro”, pronto: todos saem regurgitando seu interior para esfregar na cara do público como são superiores, inteligentes, bonitos, cheirosos, poderosos e merecem mais curtidas e dinheiro porque sabem do ridículo que é uma “Bolsa Estupro”. O teatrinho das vaidades funciona pela aposta certa de que milhões e milhões de pessoas no público tampouco lerão algo além da manchete cretina, pois até as notícias de uma mídia com um ranço de desinformação acabariam com a brincadeira – que dirá se buscassem textos sérios. E isso apenas em UM exemplo.

Quase todas (e é difícil achar as exceções) as crenças da mídia e da esquerda são baseadas neste princípio.

O problema: a manchete “Futura ministra diz ter visto Jesus num pé de goiaba” soa ridícula, óbvio. Mas simplesmente foi mais uma manipulação retardada da mídia (ou seja, de freqüentadores da Vila Madalena-Leblon na puberdade da vida real) para fazer leitores de manchete acreditarem-se inteligentes e poderosos por não terem visto Jesus em goiabeiras (parabéns pra vocês, hein? que seres humanos maravilhosos e invejáveis vocês são. posso andar com vocês no recreio?).

Lendo-se qualquer matéria sobre a dita frase, descobrir-se-ia que o ridículo revela uma humildade quase santa. Damares afirmou que tinha pensado em se matar após passar 4 anos sendo abusada sexualmente, dos 6 aos 10 anos. Decidiu-se pelo suicídio usando veneno de rato. Foi até a goiabeira no quintal da sua casa, aonde costumava ir para se sentir bem, e disse ter visto Jesus subindo até o galho em que estava. Temeu que Jesus se machucasse, mas ele subiu até ela e pediu que ela não se matasse.

Vamos rir de quão “ridícula” é a futura ministra dos Direitos Humanos agora?

Os jornalistas que postaram piadas saíram-se com a desculpa de que não sabiam de que se tratava de uma criança que tinha sido abusada. Ora, e por que não sabiam? Porque só leram a desgraça da manchete e já criaram mais elementos para a sua metafísica em que são superiores aos crentes, são mais científicos do que os lunáticos conspiracionistas da equipe de Bolsonaro, são mais belos do que essa bancada evangélica com crenças ultrapassadas e ternos desalinhados de R$ 90. E se acharam mais inteligentes, mais morais. Logo os jornalistas, os formadores de opinião, aqueles que querem formar e informar – aqueles que deveriam estar informados antes de tentar informar milhões. 

Os de esquerda, sobretudo, não viram nenhuma contradição entre tirar sarro de uma pobre menina abusada sexualmente que pensou em se matar por isso e depois patrulhar piadinhas politicamente incorretas, alegando serem “machistas”. Aquilo que não tem um nome pomposo, com -ismo ou -fobia, ou um nome em inglês começado com man-, não é chic o suficiente para que um esquerdista note. Os problemas do mundo para ele são só os que cabem nos termos da modinha.

Óbvio que para as pessoas limpinhas, de classe média, mostrando que são sofisticadas, soa ridículo que uma ministra de Estado apareça em um culto evangélico (aquela religião das periferias, sabe?) e fale de Jesus aparecendo em um pé de goiaba. Até a palavra é engraçada: goiaba. É apelido de quem é meio bocó, diga-se. A fruta preferida do Chico Bento, o caipira atrapalhado.

O que esses gênios da epistemologia não percebem é que o relato pode ser brega, pode ser ridículo, pode inclusive ser falso: mas é perfeitamente condizente com a imaginação de uma criança de 10 anos. 

Aliás, também condizente com a própria história do cristianismo: o Filho do Homem, cujo reino não é desse mundo, nasceu numa manjedoura ou seja, no local onde os animais comem nos estábulos. Fez seus milagres e pregações primeiro para pastores e pescadores, as pessoas até hoje mais simples que existem. Andou entre leprosos e prostitutas. Disse que alimentar os mendigos era o mesmo que alimentá-Lo. E a maioria absolutíssima dos relatos de aparições de Jesus na história da Igreja O mostram como um miserável, ao ponto de fazer um jovem aristocrata criar a maior ordem mística de pobreza do Ocidente, um tal de São Francisco de Assis. 

E quem é essa tal Damares Alves? Vejamos o que escreveu Ícaro de Carvalho:

Postaram um vídeo da futura Ministra de alguma coisa, que fez um testemunho sobre Jesus, ela e um pé de goiabas.

Assisti ao vídeo e falei: “Meu Deus! Esse vídeo é engraçado demais! Quem que é essa mulher? Que meme animal!”.

Fui procurar quem era, só para dar mais algumas risadas. Descobri que ela:

“Foi uma das fundadoras do Movimento Brasil Sem Aborto, a entidade organizada mais influente na defesa dos nascituros no Brasil. É palestrante reconhecida nacionalmente pelo combate à pedofilia e coordenadora do Movimento Nacional Brasil Sem Drogas.

Advoga voluntariamente, há 30 anos, para mulheres em situação de vulnerabilidade social e violência doméstica e é coordenadora do Instituto Flores de Aço, com sede em Brasília, que milita em defesa dos direitos da mulher”.

Me senti um lixo. Eu não tenho envergadura moral nem para falar com essa senhora de igual pra igual. 🙂 ❤️

Enquanto a galera tenta parecer superior por saber falar “sou feminista” ou “luto contra o patriarcado”, a futura ministra, a “maluca do pé de goiaba”, tem esse currículo. Quem somos nós na fila do pão para falar que fazemos algo pelos oprimidos perto da futura ministra de Direitos Humanos?

Para ver o ridículo dessa turma que se acha culta e sofisticada, e ao mesmo tempo tenta se fazer de oprimida e preocupada com a exploração dos mais simples, cheia de -ismos e -fobia, bastaria imaginar como lêem um livro como o clássico infantil do Brasil Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos. No livro, um menino pobre também tem como único amigo uma árvore. Será que os gênios da leitura da realidade diriam que o livro é ridículo, porque onde já se viu uma árvore falar? O desfecho do livro e do caso da ministra são completamente opostos, mas a imaginação infantil é muito bem retratada: não se pode ver beleza em uma menina que viu Jesus depois de tantos estupros que destruíram seu útero, tornando-a estéril? Até para um ateu, a cena é tocante. Ou prefeririam mesmo que a menina não tivesse visto Jesus e se matasse, depois de um dos maiores horrores pelos quais uma menina pode passar, só para confirmar sua visão de mundo e que evangélicos e cristãos são ruins e seria melhor ter votado no Haddad?

Mais do que tudo, o que não foi ainda abordado é como esse socialismo chic, esse progressismo de quem leu xerox da Escola de Frankfurt no curso de Jornalismo e se acha a última tubaína da favela por denunciar “ideologia” e “discurso de classe” no “ópio do povo”, acaba justamente sendo um preconceito desabrido contra os pobres. 

Afinal, o que se torna mais “risível” na fala da ministra Damares não é nem Jesus (um “Frei” Betto ou um Leonardo Boff podem falar de Jesus uma vez a cada 20 anos, ou o próprio Lula pode se comparar a Jesus sem causar nenhum estardalhaço), e sim a goiabeira. A fruta de nome engraçado. A árvore que pobre tem no quintal de casa. Aquela coisa que a turminha Twitter-YouTube, ou Leblon-vila Madalena, só conhece via suco orgânico com algum chef gourmet nos seus restaurantes vegan pagando R$ 30 por copo, mas não vai trepar numa goiabeira no quintal e comer goiabas desviando as mordidas dos bichos. 

O preconceito aí, muito mais do que religioso, como foi retratado, foi também econômico. É a esquerda frescurentinha, que acha que os problemas do mundo são “transfobia” em banheiro de faculdade de Publicidade ou “lugar de fala” em diálogo de série da Netflix. Esses esquerdistas acham que uma criança evangélica não sofre quem sofre é apenas youtuber falando em patriarcado. É uma esquerda que já nada tem de metalúrgica ou sindical: tem é nojinho de pobre.

Damares Alves representa a simplicidade e moral dos brasileiros que encontram força nas maiores adversidades, que encontram o bem circundados pelo mal no fundo de seus próprios corações. As pessoas que fizeram piadinha sem nem se dar ao trabalho de ler o que a ministra disse representam bem o abismo moral, o umbigocentrismo da troca de afagos e o divórcio da realidade da turminha descolada da internet. 

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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