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Vaidade é meu pecado favorito

Isso não se faz, Sérgio Moro

No meio de uma pandemia, com o governo fragilizado e sob ataque, biografado de Joice Hasselmann preferiu jogar o país no caos

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moro-bolsonaro

Há um ensaio do Emerson (Ralph Waldo) no qual desponta uma frase logo no começo: “exprimi vossa convicção e ela será a opinião universal”. Emerson explica que essa convicção não é mero achismo ou opinião corriqueira, mas que é preciso “aprender a detectar e espreitar esse raio de luz que lampeja de dentro”. 

Pois foi algo parecido que senti na última sexta-feira. A sexta das reviravoltas, das emoções conflitantes. Tudo começou pela manhã, com o anúncio da coletiva de Sérgio Moro. Um dia antes, a imprensa especializada em fofoca tinha noticiado a saída de Moro, algo que não se confirmou, mas a informação de que Moro daria uma coletiva às onze da manhã trazia más vibrações. 

Moro já chegou com uma cara estranha. Alinhou-se para o show e, com uma postura corporal recolhida, evitando as câmeras, desatou a falar. Eu não estava muito convicto do que ia acontecer. E o juiz também não ajudava. Eram números de apreensões, diminuição disso, aumento daquilo e nada de entrar no assunto. Já cresci um tantinho para deixar de acreditar na nossa mídia jeca, então fiquei ainda mais confuso. Moro ia falando e meu coração apertando. 

E lá pela metade veio o estampido: Moro disse claramente (fiz questão de voltar depois o trecho) que nem o PT havia interferido assim na PF. Um susto desse cura qualquer ressaca, hemorróida, soluço. O ódio foi me tomando, subindo da vesícula biliar e dominando todo o sistema central. Sentenciei: “tô fora!” 

Moro era um símbolo contra a corrupção. Foi convidado para o cargo por seu bom trabalho no combate ao crime do colarinho branco. Colocou muitos dos líderes da maior quadrilha de bandidos do mundo na cadeia. E ele estava dizendo que nem a quadrilha mais corrupta da breve história desta galáxia havia se intrometido assim na PF. Fez o certo ao preferir manter sua biografia intacta. Meu mundo caiu, como dizia a canção.

Falei com gente próxima, todos estavam a mesma estante de nervos que eu. Todos com a mesma convicção. Nossas impressões espontâneas foram parecidas. Esse governo já era!

Acusações gravíssimas foram feitas. A sensação era a de que Bolsonaro estaria escondendo coisa grossa. Defender os filhos? Acordos com o Centrão? Afinal, ele cedera ao escambo sórdido e imoral da velha política? Que canalha!

Para piorar, estava revoltado de ter que me juntar, fazer coro com os tipos mais tacanhos da nossa história republicana e que Shakespeare belamente chamou de “isentolânda bala de menta”. Aqueles tipinhos sofisticados demais para aceitar uma posição menor no debate público, aquela gente que disfarça seu hálito podre com drops ardido.

Imagine só! Retuitar Felipe Moura, Vera Magá, MBL, Joyce botijão? Nunca! Vou para o campo. Invado um terreno com meu mais novo irmão Boulos e fico lá pensando na revolução enquanto espero a janta feita numa cumbuca de barro. Antes virar um psolista. O PSOL não trai seus eleitores e seus apoiadores como fez MBL, Janaína, Joyce e a trupe farelo de fandangos da guerra política.

Mas ainda era a hora do almoço. A série iria para o segundo capítulo com o anúncio da coletiva do presidente marcada para às 17:00. Minhas impressões espontâneas recuaram um pouco. Vamos ver como Bolsonaro se sai dessa. 

E aí veio o Bolsonaro com seu time de ministros. Comecei a reconhecer alguns rostos: Paulo Guedes, Tarcísio de Freitas, Ernesto Araújo e Damares Alves. Comecei a pensar um pouco. Vi o Weintraub (que já apanhou da gente também), o General Heleno. Que time, pô!

Bolsonaro começou a falar. Tem uma retórica deficiente, não consegue chegar na cabeça da nota em algumas palavras, mas fala com o peito aberto. Só gente muito sofisticada não capta esse detalhe: Bolsonaro fala por inteiro. Acusou Moro de pleitear o STF, negou todas as acusações do agora ex-ministro. Apresentou seus argumentos. Na metade da sua fala, eu já não sabia o que pensar. A confusão voltara.

Estava vendo a postura, a expressão de um homem traído. Vi um homem autêntico, um homem que exprime suas convicções mais íntimas. Já mais comedido, pensei: tô dentro! Esperei até o final. Bolsonaro é instável também. Ele poderia soltar aquela bomba desnecessária. Além do quê, teríamos o terceiro round: as provas.

Estaca zero novamente. Os dois apresentaram seus pontos. Logo em seguida, vieram prints e links de reportagens antigas revelando inúmeros casos, nos governos anteriores, de interferências no Ministério da Justiça e na PF. O sinal de alerta tocou. Então Moro mentiu? As provas estavam indicando que sim. Depois veio a notícia de que ele iria no Jornal Nacional expor as provas contra o presidente. Aí as dúvidas cessaram. Moro é um moleque!

As provas apresentadas na Globo foram ridículas. Ou Moro tem mais coisa ou agiu com uma vaidade gigantesca, acreditando que era uma espécie de herói nacional intocável por ter colocado o líder do bando petista, Lula, por uns meses na cadeia. Toda a pinta de que gente não muito leal ao país o está influenciando.

Tudo indica que Sérgio Moro preferiu colocar sua biografia acima da estabilidade do país. Numa atitude muito estranha, largou uma bomba, uma crise grave, no meio de uma pandemia. Atraiu para si a atenção, fez o país parar para ouvi-lo acusar o presidente. Acusou falsamente, apresentou conversinhas de WhatsApp. E, nos dois prints que apresentou, não revelou nenhuma ingerência do presidente.

Moro calculou mal. Imaginou que seus serviços prestados contra a quadrilha petista fossem dignos de honra eterna. Ledo engano. Retirar o PT foi só o primeiro passo. Mentiu dizendo que o PT não se metia na PF e suas últimas ações sinalizavam a favor do autoritarismo dos estados. Ficou calado em face das imagens cruéis de homens e mulheres sendo covardemente algemados pelo crime gravíssimo de querer trabalhar.

Muita coisa ainda vai rolar. O Brasil não nos dá descanso. Até agora Moro não nos deu nada.

Ainda no mesmo ensaio, no mesmo parágrafo, Emerson diz: “as grandes obras de arte nos ensinam a ser fiéis, com inflexibilidade bem-humorada, a nossas impressões espontâneas, mormente quando o clamor inteiro das vozes encontra-se do lado oposto”. 

Bolsonaro parece muito fiel às suas impressões espontâneas e as exprime convicto de que essa é a opinião universal. Toca uma galé descontrolada, tentando colocá-la na rota, mas há remadores remando em várias direções. 

Já Moro provou que a biografia que ele tem a zelar vale menos que algodão doce. Foi um grande juiz. Fez um grande trabalho. Hoje jogou tudo isso fora. Uma pena.

Sua traição é uma vergonha para o país.


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Assuntos:
Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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