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Patrícia Abravanel contra a siricuticocracia virtual

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Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos, causou frisson nas redes sociais (onde mais?) por uma declaração no Programa Silvio Santos no domingo. Num tempo em que qualquer comentário sobre homossexualismo que vá além de “eu não sou” é visto como preconceito e homofobia, a apresentadora acabou atiçando a ira da turba enfurecida.

Patrícia Abravanel disse não ser contra o homossexualismo, porém, que essa opção não seria “normal”. Tal frase fez com que Patrícia ficasse entre os assuntos mais comentados do Twitter pela “polêmica”.

Vivemos uma era em que falar uma obviedade só falta nos colocar na cadeia – basta lembrar do famoso caso “órgão excretor não reproduz”, que gerou um processo ao autor da “polêmica”, ou mesmo retroagir no relógio até o momento em que Enéas Carneiro, falando do homossexualismo, disse que uma relação sexual entre dois homens não produz descendentes, sendo respondido com um glorioso “Há estudos científicos que comprovam isso?”

Patrícia Abravanel, ao comentar o filme Carol, de amor entre duas garotas, afirmou: “Li numa revista que um terço dos jovens se relaciona com pessoas do mesmo sexo. Eu acho muito um terço, mesmo sem saber se a opção deles é real. Eles experimentam. (…) Acho que o jovem é muito imaturo para saber o que quer. A gente tem que firmar que homem é homem e mulher é mulher. Acho que não é legal ser superliberal”.

É uma declaração que dificilmente merece a denominação de “opinião”. Um terço dos jovens, de fato, é muito jovem. Jovens dificilmente sabem se a opção deles é real (a maioria que continua com as mesmas opiniões da adolescência, geralmente comunistas militando no PSOL depois dos 30 anos, são sempre ultrapassados e sempre defendem alguma coisa mongolóide). Os jovens realmente “experimentam” sem ser uma decisão cabal. Jovem é imaturo que só a peste. Quase nenhum sabe o que quer (o que, aliás, é válido para 70% dos adultos no mundo contemporâneo). Homem é homem, mulher é mulher (homem não é mulher, tertium non datur).

Cadê a “opinião”? Cadê a “polêmica”? É como afirmar que dois e dois são quatro, e ser taxado de “polêmico” por dar uma “opinião”. A idéia de que existe uma realidade objetiva se perdeu completamente num mundo nominalista, em que as coisas são por auto-declaração, e não por serem algo, independente disso.

Abravanel prosseguiu: “Acho que a gente tem que ensinar para o jovem de hoje que homem é homem e mulher é mulher. E se por acaso ele tiver alguma coisa dentro dele que fale diferente, aí tudo bem. O que está acontecendo é que estão falando que tudo é bonito e o jovem acaba experimentando coisas que pode vir a se arrepender depois”.

Novamente: homem é homem, mulher é mulher. Patrícia ainda declarou: “se por acaso ele tiver alguma coisa dentro dele que fale diferente, aí tudo bem”. Onde está a “homofobia”? Onde está o “preconceito”? Ou é preconceito afirmar que homem é homem, que mulher é mulher?

Hoje, a geração Z está mesmo sendo ensinada que tudo é bonito e que não se arrependerão de nada. Claro, as pessoas podem dizer que não se arrependem de nada em entrevista à revista Caras, mas qualquer pessoa minimamente adulta sabe que isso não é verdade. A vida é uma coletânea de arrependimentos mortais. Com efeito, quem pudesse voltar no tempo até a adolescência e fazer tudo igual ou é muito sortudo ou é muito adolescente eterno.

E a adolescência eterna foi o que manteve tantos tiozões do pavê fazendo piadas do pavê, numa saga peterpaniana de eterna repetição, sem ir adiante na vida. A síndrome de puer aeternus é o que mantém tantos adultos desempregados, improdutivos, vivendo no fundo da casa dos pais sem ter nada a oferecer, enquanto outros se esforçam para conseguir não apenas se sustentar, mas sustentar uma família, comprar uma casa sem ser eterno dependente de terceiros, pagar a própria aposentadoria e manter o mundo girando.

Qual o raio do problema no que disse Patrícia Abravanel?

Por fim, a filha de seu Sílvio corou o bolo cerejosamente: “Eu não sou contra o homossexualismo, mas sou contra falar que é normal. E outra, mulher com mulher não é tão legal assim. Não tem aquele brinquedo que a gente gosta bastante”.

Ué, homossexualismo não é o normal na raça espécie humana, ora pois! Como também não o é o sexo oral e anal, não ter filhos, nascer com um só braço, ser fã de rock progressivo ao invés de ouvir MPB, ter doutorado, ter QI acima de 110, ter “um brinquedo” que mulher “gosta bastante” acima de um palmo e ser Patrícia Abravanel.

Qual o problema em não ser “normal”? De fato, algumas anormalidades são vantagens em relação ao meio (é impossível ter uma vantagem sem ser anormal, do contrário não haveria vantagem). Hoje a obrigação não é de ser respeitado e até aceito, mas de ser considerado normal fugindo aos padrões? Existe algo de bom nisso além de apenas fazer propaganda e instaurar a histeria coletiva, o passo mais rápido para o emburrecimento geral da população?

Algum homossexual está ofendido?

Após ser chamada de “carola” pelo pai, um dos seres humanos que mais fez pelo país, a colega de programa Lívia Andrade obtemperou Patrícia: “Acho bonito quando duas mulheres se amam como duas mulheres.” A resposta resume a confusão que as pessoas fazem quanto ao tema para sempre parecerem “respeitosas” na galera: fala-se sobre sexo, responde-se sobre amor. Como se considerar o sexo entre dois homens e duas mulheres “não normal” (como uma cinta-liga não é o “normal”) fosse “proibir o amor”.

Patrícia Abravanel, ao descrever as coisas como são, parece ter dado uma “opinião” fanática, intolerante e abusiva. Lívia Andrade, ao deslocar o eixo da questão e falar em “amor”, pode correr para o abraço.

Falar a verdade, hoje, é ato que exige coragem e só pode ser dito nas coxias, sem que ninguém saiba. Vai que ofende quem quer ser considerado “normal” e ordinário, uma das coisas que as pessoas extraordinárias mais fogem de ser?

Entramos no estágio da sociedade que pode ser chamado de siricuticocracia: as pessoas perdem quando gente sem pensamento próprio entra em estado de siricutico coletivo, maluco e fora de propósito e objetivo por causa de sua mera existência. Quanto mais “ofendido” você ficar, maior poder político terá. No dizer de John Stossel, quando se ofender dá poder político às pessoas, as pessoas se ofendem mais facilmente. So it is.

Patrícia Abravanel continua sendo a pessoa que nos confirma a superioridade da monarquia – e o erro que foi não termos votado em Sílvio Santos para presidente em 1989.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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