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Terrorismo e jornalismo: a confusão demoníaca

A visão do Ocidente sobre o terrorismo não vem de livros, e sim de jornais – o vocabulário técnico nunca esteve tão afastado da realidade.

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Todo o vocabulário utilizado por jornalistas e políticos ocidentais para discutir o que se passa no mundo de hoje não é apenas impreciso, é enganoso, e conduz a uma infinidade de equívocos e confusões. Construído para descrever um mundo que já não existe, esse vocabulário é incapaz de expressar os fatos de modo preciso e compreensível, pois as palavras que o compõem foram pensadas para descrever o quadro internacional do início do século passado – um mundo no qual o protagonismo ainda era exercido por elites territorialmente identificadas e que dependiam quase que exclusivamente dos Estados Nacionais para avançar seus objetivos.

Os efeitos dessa inaptidão verbal são muitos, mas poucos têm se mostrado tão perigosos quanto a incapacidade de reagir de modo apropriado à guerra assimétrica travada contra o Ocidente por inimigos que muito pouco têm em comum com as velhas elites nacionais.

Pensem, por exemplo, em como jornalistas e políticos falam sobre terrorismo. A linguagem é sempre a mesma, e há sempre uma tentativa de anestesiar as consciências individuais, para que não aceitem como plausíveis as respostas intuitivas que refletem suas experiências pessoais mas que jamais aparecem no debate público, ou que aparecem apenas para ilustrar tudo o que deve ser rejeitado e desprezado. Assim, embora cada um saiba intuitivamente o que deve ser feito, o consenso midiático e político nos força a ocultar nossas reações intuitivas para dar lugar a ações tão inefetivas quanto patéticas, destinadas antes a sinalizar que somos pessoas virtuosas, e em conformidade com esse falso consenso, do que a tentar resolver efetivamente o problema.

Isso nos encerra em um ciclo macabro de impotência e fraqueza: um terrorista mata centenas de pessoas, todos nós lamentamos, oramos ou dizemos que vamos orar pelas vítimas, trocamos os nossos avatares, e não fazemos mais nada, até que outro terrorista mate outra centena de pessoas, fazendo com que esse ciclo se repita indefinidamente. Tudo, é claro, feito sob a desculpa de que não podemos aceitar o “senso comum”.

É verdade que respostas alternativas nem sempre são capazes de levar à solução dos problemas, mas isso acontece apenas porque continuamos pensando o mundo de hoje com o vocabulário de ontem.

Aos ataques sofridos em 11 de setembro de 2001, os EUA responderam com a “guerra ao terror”, uma expressão inócua que na prática se traduziu em ataques contra elites nacionais, paradoxalmente acompanhados de esforços para proteger a ideologia transnacional e supranacional que era o real motor dos terroristas. Enquanto fazia de tudo para proteger e até embelezar o Islam, o governo americano derrubava governos ditatoriais no Oriente Médio, movido pela ilusão de que poderia acabar com o terrorismo mediante a construção de governos democráticos naquela região. À ilusão ideológica do Governo Bush se seguiu a irresponsabilidade deliberada do Governo Obama, que, após retirar as tropas americanas do Iraque, abriu caminho para a ascensão do Estado Islâmico.

A explicação das razões do Governo Obama demanda um outro artigo, infinitamente mais complexo do que este, mas o Governo Bush agiu de acordo com o conselho de assessores que estavam aprisionados na camisa-de-força verbal desse vocabulário datado e propagador de confusões, que não apenas reduz toda a política internacional a um eterno conflito entre Estados sedentos de poder, como impede o reconhecimento de que estamos diante de uma guerra cultural e civilizacional que deve ser combatida com armas, mas também com a efetiva defesa da civilização ocidental contra os seus inimigos internos e externos – algo que depende, dentre outras coisas, da afirmação dos nossos valores contra ideologias que sãos hostis a ele, tais como o comunismo, o niilismo e o islamismo.

Aos que estão sob a influência desse vocabulário não é fácil compreender o verdadeiro papel dos valores, das ideologias, e até mesmo da religião, nesse tipo de conflito. Para eles, esses elementos nada mais são do que um aspecto marginal de uma cultura identificada com uma nação, que, por sua vez, corresponde ou se identifica com um Estado. Isso os impede de compreender, dentre outras coisas, que a religião, longe de ser um instrumento político à disposição dos governantes como imaginam, é o fundamento sobre o qual as nações, e a civilização em que estas se inserem, são construídas.

Por não entender isso, tratam as religiões com desprezo e falam de todas elas nos mesmos termos, como se fosse possível enquadrar Judaísmo, Cristianismo, Hinduísmo, Budismo e Islamismo no mesmo esquema conceitual genérico, de modo que, mesmo quando escapam da percepção equivocada de que tudo está subjugado ao poder estatal, não são capazes de distinguir os traços mais profundos de um choque civilizacional e identificar o que realmente está em jogo. Como resultado, são impossibilitados de perceber que os valores ocidentais, como a liberdade e o pluralismo, extraem toda a sua força da cosmovisão judaico-cristã, e também não conseguem apreender o fato de que, no Islam, não há separação entre esfera religiosa e esfera político-social, o que faz dele um projeto de poder incapaz de se adequar pacificamente à ordem política dos Estados não-islâmicos.

Há anos, estudiosos sérios como o Professor Olavo de Carvalho, Samuel P. Huntington e David Horowitz vêm apresentando estudos que desfazem essa confusão, mas, aparentemente, será Donald Trump – um bilionário apaixonado pelos holofotes e que despreza a opinião dos especialistas – o grande responsável por resgatar o senso comum e devolver à nossa civilização as condições de responder à altura os riscos cada vez maiores que ela enfrenta. Portanto, se você quer encerrar esse ciclo macabro e dar fim às ameaças terroristas é necessário dar ouvidos à simplicidade das palavras de Trump – que, no fundo, é a mesma dos sábios e do senso comum – e reconhecer que estamos no meio de uma guerra entre civilizações, na qual reagir contra Estados ou organizações terroristas está longe de ser o suficiente.

Se limitar-se a combater o Estado soviético, mero instrumento circunstancial dos revolucionários, se revelou uma estratégia equivocada na luta contra o Comunismo, não deveria ser difícil concluir que limitar-se a combater o “terror”, mero instrumento dos terroristas, também se revelará um equívoco. Terroristas são pessoas reais, de carne e osso, claramente identificadas com uma mentalidade e com uma religião hostil não apenas aos valores ocidentais, como aos próprios ocidentais – infiéis que precisam ser submetidos à vontade de Allah, seja pela força da espada e das bombas, seja pela inventividade dos ardis psicológicos e das falas promessas.

Reflita sobre os últimos atentados terroristas que estamparam as manchetes dos jornais, mas não faça isso com o vocabulário dos jornalistas e políticos. Os responsáveis por esses atentados não se apoiam em Estados – com frequência, não se apoiam nem mesmo em organizações terroristas.

O terrorismo dos nossos dias é um terrorismo de oportunidade, realizado não em resposta ao comando hierárquico de um líder, mas por iniciativa de indivíduos que, sozinhos ou em grupos, se veem diante de ocasiões que julgam oportunas – e isso demonstra, para além de qualquer dúvida razoável, que é necessário lutar não apenas contra a Al-Qaeda, a Al-Nusra, o Hezbollah, o Boko Haram e o Estado Islâmico, mas contra a ideologia que orienta todos esses grupos e indivíduos: a sharia, a lei islâmica.

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Assuntos:
Filipe G. Martins

Professor de Política Internacional e analista político, é especialista em forecasting, análise de riscos e segurança internacional.

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