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Lula faz piquete

Por que agüentamos uma “greve geral” que ninguém sabe pelo que é?

Reforma da Previdência? Direitos trabalhistas? Aposentadoria? Encontre 5 grevistas por aí que sabem explicar contra o que é esta greve.

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Protesto na Avenida Paulista contra reforma na Previdência

O Brasil pára com uma greve geral como não se via desde o colorido apatetado dos anos 80, de Menudos, Balão Mágico e Xuxa com as tetas de fora. Numa época de romantismo com a idéia de “greve” para tentar salvar os estertores do socialismo, parecia se estar derrotando gigantes com paralisações em empregos de automação, quando a história apenas mostrou que eram moinhos de vento.

Neste dia 15 de março, o Brasil voltou a parar por uma greve, supostamente contra a reforma da Previdência proposta pelo presidente Michel Temer, o vice de Dilma Rousseff. A Avenida Paulista ficou fechada até a noite, onde se ouve um discurso de Lula (quem mais?).

A bem da verdade: alguém consegue apostar alto que, em qualquer um dos atos em 22 capitais do país, dificilmente se encontrará 5 pessoas que sabem explicar o que é a reforma da Previdência, e por que ela deve ser combatida e criar uma greve geral nacional em um país de proporções continentais?

O déficit da previdência está projetado para 2,7% do PIB em 2017. Alguém nas ruas lembra que se trata do mesmo PIB com crescimento negativo graças à política econômica do PT de Dilma Rousseff desde 2015?

Os protestos, feitos por “Centrais Sindicais” que, aos moldes fascistas, vociferam “Nenhum direito a menos!”, inculpando o vice de Dilma Rousseff pelas políticas de Dilma Rousseff, e pela reforma na Previdência. Como iriam garantir os “direitos trabalhistas” de se aposentar mais cedo, em um país que já se aposenta bastante cedo? Alguém faz idéia de onde tirariam o dinheiro – e a pergunta já subentende um advérbio “legalmente”?

A greve geral foi feita por gente que não faz idéia do que está fazendo. Podia ser bonito quando tudo era pelo socialismo e nenhuma outra questão precisava ser levantada. Acaso desta vez estão greveando para comprometer o lucro dos patrões com baixa produção nas fábricas? Ou a brincadeira é apenas anti-governo, e no caso, anti o governo do vice da Dilma, sendo que queriam apena a Dilma, que teria de lidar com a mesmíssima planilha do Excel diante de si, com um cachorro atrás?

Poucas pessoas sabem lidar com temas complexos como aposentadoria. Exige cálculo, fracionamento por segmento, questões políticas e a complexa relação de um indivíduo com suas escolhas individuais de trabalho perante questões de sociedade que não podem ser resolvidas sozinhas.

As palavras rotineiramente usadas no Brasil apenas aprofundam a confusão, como chamar o pagador de impostos por um anódino “contribuinte”. O jornalismo paga tributo, produzindo frases maravilhosas como “O governo pretende mexer no cálculo e pressionar o trabalhador a contribuir mais tempo para melhorar o valor a receber” (O Globo). Palavras que se recusam a fazer sentido juntas.

Na greve geral do século XXI, quem é pressionado não é mais o patrão com a produção (é difícil imaginar o que a CUT produz), ou mesmo o governo, que nada deve a sindicalistas e foi alçado de vice da Dilma a presidente interino por quem não suporta sindicalistas: o alvo da greve é o próprio povo, penalizado por não ser petista, e no que mais lhe toca: ser honesto e preferir trabalhar a viver parasitando o Estado.

Protesto fecha Avenida das Nações Unidas em São PauloApenas em São Paulo, o maior congestionamento da história foi registrado, e o povo foi impedido de trabalhar sem ônibus e metrô, por uma meia dúzia de militantes organizados. As maiores avenidas de uma cidade com mais do que o dobro da população da Irlanda e maior do que a Hungria foram fechadas por pouquíssima gente de centrais sindicais, para Lula (quem mais?) fazer um palanque eleitoral pouco disfarçado. Uma tentativa de um Lula ’89 sem riscos, da época em que só falava em greve, luta e piquete, não em mensalão, petrolão e camburão.

É preciso ser gênio ou paranóico para saber que as pessoas estão tomando ruas ou por serem pagas pelas riquíssimas centrais sindicais, ou por nem fazerem idéia do que está em jogo – e do que estão fazendo, a mando de quem, quem está ganhando e por que estão dando seu sangue e suor por uma causa perdida?

O canal do Youtube Mamãe, falei ficou famoso indo a manifestações de esquerda e perguntando por que as pessoas estão lá, o que ganharão e se sabem o que são seus aclamados “direitos trabalhistas”. É famosa a sua pergunta “Quanto rende o FGTS?”, tratado como uma “conquista trabalhadora”, sendo que rende menos do que a inflação – portanto, o trabalhador teria mais dinheiro se não tivesse FGTS, que é apenas uma forma disfarçada de o governo tomar dinheiro “emprestado” à força do trabalhador, e devolvê-lo com juros negativos. Não é preciso ser preconceituoso ou “coxinha” para presumir que os milhares fechando a Paulista sairiam correndo de nojo de suas centrais sindicais se fizessem uma simples continha.

Os movimentos de massa fizeram junho de 2013 sem ninguém entender o que estava fazendo. Era esperado que, passado uma eleição desastrosa e um impeachment, ao menos a discussão pública sobre abilolados subisse alguns níveis. Mas a normalidade com que se fala de parar por um país sem saber por que continua a impressionar.

O esquerdista Karl Marx e o conservador Alexis de Tocqueville não se conheceram, mas concordavam com um único fato: a política era um teatro. Hoje, a mudança é que os protagonistas da peça são marionetes. Claro que poderia ser pior: poderia ser a Paulista inteira fazendo a greve de sexo de Gleisi Hoffmann. Ou talvez fosse melhor. Ou simplesmente a normalidade da vida.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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