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Ciência

Stephen Hawking: Um gênio que sofreu da síndrome do “cientista pop”

Stephen Hawking foi um dos maiores homens da ciência do século XX. Mas acabou sendo usado como um símbolo de autoridade em assuntos dos quais nada entendia.

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Stepen Hawking em aparição nos Simpsons

Stephen Hawking (1942-2018) era um gênio e isto deve ser colocado fora da zona do “debatível”. O que incomoda muito (e pode perguntar para muitos homens de ciência, sobretudo de sua área) é justamente a aura pop que o cosmologista adquiriu.

Stephen Hawking lançou muitos livros para o público geral, mas sua trajetória acadêmica envolveu, inúmeras vezes, refutar a própria tese que o havia deixado famoso décadas antes. Entre os físicos, está longe, muito longe de ser uma unanimidade – mas para os “cientistas de Twitter”, tudo o que fala tem peso de Verdade Cosmológica, pelo peso da autoridade, ainda que sejam incapaz de entender que ou a Física Quântica tá certa, ou a Teoria da Relatividade (uma exclui a outra), só para ficar em um exemplo das indefinições das Exatas.

É o fenômeno dos acadêmicos pop: óbvio que Hawking não é um charlatão como os charlatães de Humanas (para não falar em “acadêmicos” brasileiros variando de Mário Sérgio Cortella e Marilena Chaui a Leandro Karnal e Márcia Tiburi), mas sua “autoridade” é incrivelmente maior fora da Academia do que dentro dela, onde constantemente é refutado, ou se faz grandes avanços justamente indo contra suas teses.

Infelizmente, Stephen Hawking não se manteve na área que domina como poucos, ainda que tateando um pouco de verdade onde vários outros tateiam sem a mesma divulgação para o público geral e sem uma autoridade mais dada pela mídia e pelos Simpsons do que por ser o número 1 de sua área.

Suas declarações sobre Deus beiram o nível do risível, mostrando que um catequista costuma saber mais do que o gênio da Física (mesmo que tenha usado um conceito de Santo Agostinho sobre o tempo depender da matéria – a dualidade onda-partícula da física quântica que já está explicada nos Analíticos Anteriores e Posteriores de Aristóteles).

Isso para não falar de política: anti-semita, defensor do grupo terrorista Hamas (só pra ficar nos extremos), tinha uma visão tão torta da realidade que flertava perigosamente com os níveis Chris Cuomo de patetice. Sua última declaração relevante, de que a saída do Acordo de Paris representava o potencial fim da humanidade (um cientista que acredita no Man-bear-pig), definitivamente é algo pelo qual não devemos lembrar do astrofísico.

É curioso como o reino da física, por sua complexidade e abstração absoluta, é tratado como a terra dos gênios, sem se atentar para o fato de também ser a terra onde cada pequeno erro significa constelações de distância de onde se queria chegar.

A filosofia também tem áreas de complexidade absoluta – vide-se a filosofia medieval falando sobre Deus, que ao contrário da visão pop de “filósofos mandando obedecer e pronto”, inclui uma metafísica que universitário nenhum consegue ler 2 páginas sem ter um ataque epiléptico.

Se uma pessoa sem conhecimento suficiente tem um palpite sobre física quântica e a insuficiência de tal ou qual físico, é imediatamente tachada como ignorante tentando refutar gênios (quem não se lembra de Leslie Winkle brigando com Leonard, em The Big Bang Theory, por ele não ter esperanças na mesma teoria que ela?).

Entretanto, todos têm opiniões tão profundas sobre ética, Deus, política, até o comportamento infinitesimal e quintessencial da matéria ou de acordos geopolíticos envolvendo trilhões de dólares, e tudo é tratado como meras “opiniões”.

Os físicos Alan Sokal e Jean Bricmont, em Imposturas Intelectuais, mostraram como grandes figurões das Humanidades no século XX, de Deleuze a Foucault, de Derrida a Baudrillard, não sabiam nada do que tanto falavam sobre uma “ciência” que daria base às besteiras que falavam. Infelizmente, o mesmo é válido no caminho oposto, e continuamos tratando gênios como Hawking por sua inapelável inteligência (sobretudo para quem não os entende), mas como autoridades justamente no que não o são.

Stephen Hawking acabou sendo algoz e vítima da sociedade do “cientista pop”: uma sociedade em que a autoridade está definitivamente deslocada e distorcida, em que “ciência”, muito mais do que conhecimento, é apenas uma palavra gritada emocionalmente (usualmente de maneira histérica e descontrolada) para defender uma ideologia (“os cientistas são U-NÂ-NI-MES!!!!!!!”), em que a mídia transforma alguém em autoridade máxima sem espaço para outros que também estão tão ou mais avançados, mas não são, afinais, pop e facilmente digeríveis para um mundo louco.

O problema não seria se Stephen Hawking fosse perguntado sobre buracos negros e outros assuntos dos quais é uma das maiores autoridades do mundo. O problema é que a visão da população (e isso vale para muitos dos seus fãs que se dizem caudatários da “ciência”) é transferir sua autoridade como cosmólogo para assuntos como acordos políticos ou o futuro da moeda no capitalismo. Se perguntassem a um teólogo ou filósofo sobre partículas sub-atômicas, “histórias rugosas” (um dos curiosos temas de Hawking) ou sobre a teoria das cordas, todos criticariam a manobra. Com cientistas, torna-se a regra de “entendimento”.

Hawking, como Einstein, acabou se tornando um símbolo, no entendimento popular que não faz idéia de quais eram suas preocupações (o debate de Twitter não vai muito além de uma apresentação declarativa de Discovery Channel). Uma autoridade imediata do “estar certo”, sem possibilidade nenhuma de um “veja bem”. Não à toa, pulula na sua morte um meme com repetição de uma frase com um conselho a seus filhos que qualquer avó supera à velocidade da luz. Um gênio das Exatas, reduzido a divulgador de frases de auto-ajuda – como aquelas insuportáveis declarações de “Shakespeare” que parecem ter sido escritas pelo Arnaldo Jabor.

Ninguém sabe, por exemplo, que Tesla refutou Einstein (aliás, que até mesmo Dolph Lundgren, o ator de filmes de pancadaria que fala 6 línguas e é engenheiro químico, já corrigiu uma de suas equações, fato com o qual brinca em Os Mercenários 2; outro a ter feito o mesmo foi Brian May, guitarrista do Queen). Ainda assim, usa-se seu nome, e não seu pensamento, como autoridade imediata. E esquece-se de Richard Feynman ou Walter Russell como nomes “menores” simplesmente por serem menos famosos. Não serem memes, afinal.

Por sorte, Stephen Hawking tinha mesmo um talento incrível a ser aproveitado, e suas contribuições, mesmo quando apontaram para direções impraticáveis, avançaram nosso conhecimento no reino de tentativa-e-erro da física e das hard sciences. Que Deus receba sua alma.

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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