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Aborto

A falácia do suposto direito ao aborto

Há um erro típico no discurso moderno sobre o aborto: tratá-lo a priori como um "direito" da mulher, sem se pensar que a vida sendo ceifada é a do bebê, e não da gestante

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Aborto não é um direito

Dissertar acerca do aborto sob a perspectiva ética e jurídica também requer de nós a coragem de reivindicar os termos do discurso e o foco do debate. O filho, aquele que está no ventre, será apresentado como pessoa, como entidade dotada de direitos, enquanto a mulher – embora em pleno gozo de seus direitos – será analisada como alguém dotada de consciência moral e portanto imbuída não apenas de direitos mas também de deveres.

Pelo fato de gozar da plenitude de suas faculdades, a mulher deverá se responsabilizar pela consequência de suas escolhas, sendo a gestação a consequência de um ato livre e não de um acaso. Se houve irresponsabilidade e imprevidência por ocasião da atividade sexual não o poderá haver ao ponto de se permitir que a consequência do ato imprudente resulte no assassinato do ente que a mulher sustenta em seu interior.O Estado, por sua vez, será considerado não como mantenedor do bem-estar da mulher cuja gestação comprometerá sua condição social mas como entidade capaz de resguardar a vida inocente que não tem voz para se defender e cujo assassinato jamais será moral mesmo se, para desventura nossa, ele se tornar legal.

Por trás do suposto direito à assistência médica na ocasião do aborto, por trás da luta e da militância abortista está uma concepção equivocada de direitos e deveres e uma concepção equivocada acerca da função do Estado. Se o Estado é um ente organizado para combater injustiças ou desigualdades perante a lei, precisamos questionar se a condição da mulher que quer abortar é de desigualdade perante a lei ou de desigualdade perante aqueles que se submetem à lei.

Convém notar que uma lei que fere o princípio de proteção à vida é por si só contraditória, visto que a defesa da vida é o que justifica a própria existência do Estado, que não foi criado como provedor de benefícios e de “direitos” os mais diversos, mas como guardião dos direitos inalienáveis dos quais nenhuma sociedade pode abrir mão.

A gestão da vida sexual da mulher é algo que realmente diz respeito a ela e a ninguém mais. O Estado, de fato, em nada interferiu em relação à escolha que a conduziu à gestação e não interferirá a não ser que ela decida interromper um processo natural de desenvolvimento de uma nova vida, que deverá sim ser resguardada do seu desejo de a eliminar. Ao lutar pela legalização do aborto luta-se para que o Estado assuma a função de matar. Mas ninguém tem o direito de matar, muito menos o Estado, porque matar não é direito, mas delito. Ao pedir permissão ao Estado para abortar, a mulher está colocando sua vontade, seu poder acima daquilo que faz do Estado uma instituição necessária e legítima: a defesa da vida.

A mulher que decide interromper uma gestação saudável não corria risco de vida até tomar essa decisão. E tomando tal decisão ela quer dizer ao Estado: “Proteja-me! Proteja-me de mim e dos meus atos inconsequentes; mate com mais eficácia do que eu poderia fazer, sustente o meu direito de gozo sem responsabilidade e com isso interfira mais e mais na minha vida até eu me tornar um ser obtuso incapaz de decisões que envolvam algum risco, incapaz de um ato de compaixão que comprometa o meu bem-estar, incapaz de acreditar que há grandeza em assumir aquilo que julgo difícil, como levar adiante a gravidez não planejada que decorreu da minha escolha prévia de me colocar na situação que a tornaria possível. Tutele a minha vida até as entranhas para que, ao final, eu não me acredite capaz de obter nada que você não tenha concedido. Assuma, Estado, a minha consciência moral para que eu não tenha culpa, legalize esse ato covarde e me faça crer que a existência de termos novos e aberrações jurídicas justificam que uma vida humana seja ceifada em meu ventre em nome do meu bem-estar e da minha segurança.”

O fato de termos que resistir contra uma pesada e insistente propaganda em defesa do aborto é sinal de que a fabricação ideológica de ideias está vencendo a batalha contra o bom senso, a lucidez e a benevolência humana; a tentativa de incutir nos indivíduos morais a imoralidade e de desvirtuar os caminhos pelos quais a virtude ainda pode irromper é o que se tem visto nessa pós-modernidade tão cheia de si e tão distante da realidade e da vida na sua plenitude e pulsação originais.

Aborto - mãoHoje, tenta-se construir uma narrativa a favor da interrupção da gravidez como se essa fosse uma mera questão hodierna e não algo que toca na profundidade da vida, no sentido do Ser e do humano. “Meu corpo, minhas regras”, elas dizem; “seus corpos suas regras”, os magistrados e os militantes dizem. Mas o que sabem de ser livres? Refletiram sobre o Art. 4 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de onde se extrai que “A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique ao próximo”? Quem está no ventre não é próximo? Ainda não é pessoa? E quando será? A natureza dá saltos? Quem detém a autoridade de vida e morte sobre esse corpo minúsculo e potencialmente criador? Aqueles que se arrogam o direito de dar fim a uma vida nem sequer questionam o que a vida é, mas julgam-na pelas interpretações apressadas da ciência ou de um senso comum já tão embotado que não consegue sequer apregoar a sua própria responsabilidade de humano.

O ser humano, o indivíduo, o sujeito que está no mundo foi – em um determinado momento da história – elevado à categoria de pessoa, de cidadão, de entidade arrolada de deveres e de direitos “naturais, sagrados e inalienáveis”, ganhando autonomia e direito de existir, dignificado em si mesmo com uma valoração absoluta. Ninguém teria, dali em diante, o poder de investir contra a sua vida sem que a lei interviesse, punindo o agressor. O direito à vida, a inviolabilidade da pessoa humana, a proteção legal do indivíduo são marcos civilizatórios.

O indivíduo, além de ter direitos inalienáveis, é ele mesmo inalienável em sua pessoa e nas suas escolhas. Escolhe onde trabalha, escolhe onde vai, com quem e como se relaciona e escolhe ainda se se sujeita ou não às leis que regem a sociedade. Se não as aceita, deverá se sujeitar ao fardo de não as aceitar, tornando-se alguém que está à margemda lei, que não a segue, que a rejeita, que não respeita os concidadãos através da limitação da manifestação da sua vontade, que insiste em se afirmar contra e a despeito do outro, do próximo, do mais visceralmente próximo, do “amontoado de células” que lhe atravessa a vontade de poder, a vontade de se satisfazer, a vontade de gozar e de fruir, de viver e de usufruir da vida como se a vida aí estivesse apenas para o seu deleite.

Bebê na barriga - abortoO desvio moral, o estar à margem é uma perturbação social em uma conjuntura maior afeita à lei e à concórdia, ao limite e ao respeito mútuo das vontades que interagem na fluência própria da vida. Mas agora querem fazer da margem um marco, do desvio a regra, do pecado a lei. Querem legalizar o aborto, a covardia, o assassinato do mais inocente de todos os inocentes: aquele que ainda nem teve a chance de nascer, aquele que está em germe, de perninhas cruzadas e dedos na boca, respirando pelo ar de quem gozou, alimentando-se do sangue de quem fruiu, sustentando-se da vida de quem da vida tirou prazer e agora não quer se responsabilizar diante do milagre que a natureza consumou transformando a fruição em um dever, trazendo ao homem e à mulher, aos pais, a responsabilidade de viver dentro de certos limites, dentro de certos padrões, dentro de certas dificuldades que são inerentes à vida e que se vence com vontade e vigor, com coragem e altivez.

Não aceitemos a tergiversação, o sofisma, o crime. Não aceitemos que um a um sejam solapados os valores morais sobre os quais se ergue essa civilização ainda tão frágil e imatura, não testemunhemos calados a transformação da nossa sociedade em uma Roma decaída onde o gozo, o prazer, a luxúria e o poder estão acima de tudo. Relutemos, mesmo que o raciocínio falhe contra as artimanhas ardilosas dos intelectos que se prestam a advogar em favor do mal, mesmo que a vontade de pertencimento a algum grupo queira se impor. Sustentemos aquele fio tênue de humanidade que nos liga ao céu, ao sagrado; sustentemos a dignidade absoluta da pessoa humana nessa pessoa em formação para que os legisladores do passado não se vexem com a decadência das nossas legislações e para que as gerações vindouras não encontrem uma sociedade largada às serpentes e imersa no caos.

 

Cultura da morte: Eros Thánatos

 

Ao interrompermos voluntariamente uma gravidez não estamos apenas eliminando um “amontoado de células” ou matando um corpo animal semiconsciente, estamos aniquilando a possibilidade de expressão da liberdade de um ente, estamos negando a vida a um ente, estamos negando a ele a permanência no processo natural cuja deflagração já fora aceita por nós no momento em que, soberanamente, no auge de nossas faculdades mentais e no esplendor das nossas funções reprodutivas dissemos sim à vida dizendo sim ao sexo, pois o sexo e a vida estão interligados e dissociá-los a fim de nos fazer acreditar que o respeito e o cuidado em relação à vida intrauterina é apenas uma questão de fé não é senão confirmar o infortúnio de sermos uma civilização profundamente comprometida com Thánatos, as forças de destruição e com Eros, sem permitir, no entanto, que esse Eros erga-se para além da luxúria desenfreada e irresponsável.

Eros e ThanatosEros e Thánatos são duas forças que se equilibram. Se optarmos pela morte no berço da vida estaremos levando nossa vida como um culto da morte, estaremos cultuando aquilo que nos denigre e que flagela o nosso espírito,  cultuando o prazer e a volúpia tétrica e comprometendo a própria inocência em nome do nosso prazer imediato e irrefreável, em nome de nossas afirmações egoístas, em nome de nossas ideologias.

Em nome da nossa descrença afimaremos o deus da morte, legitimaremos aquilo que já deveria ter sido superado: o sacrifício bestial de vidas humanas e inocentes em louvor de uma divindade qualquer. A cultura da morte não sabe a quem serve porque serve a si mesma e não sabe a que renuncia porque não aprendeu a renunciar. A legalização do aborto, porém, é a renúncia da vida em nome de um tributo à morte e esse tributo é feito aos pés de Eros, um anjo caído que gostaria de se soerguer, mas que se vê aprisionado e limitado pela sofreguidão e pela ilusão humana que pisa na terra sem lembrar que nessa terra há vida e que a vida é algo sagrado e divino e que sem a dignificação da vida, do sagrado e do humano, o homem se perde, se corrompe, e se dissolve.

 

POEMA AOS NÃO-NASCIDOS

Sufoca no peito um grito, ameaçado
Dobra-se e se esconde, em desespero
Mas algo o invade e o fere inteiro
Eis um corpo ali despedaçado

Esse que foi embora teve um nome
Nome que foi gravado em brasa ardente
Na consciência que fez de um inocente
Mera bandeira para o seu renome

Fracos de espírito, homens ressequidos
Vivem como se fossem uns ungidos
São somente mentes imaturas
Medindo a lei por suas vãs leituras

Cegos guiando cegos em profusão
Nesse mundo onde reina a ilusão
Que perverte a lógica e o direito
Transformando o crime em um preceito

No desprezo insano pela vida
Sem nada sagrado que a comova
A humanidade geme em sua alcova
Como se estivesse ensandecida

No lugar da materna proteção
Permite-se o crime já no útero
Mata-se mais um nascituro
Mais um ente em aniquilação

Mais um corpo débil e indefeso
Descartado, eliminado a esmo
Desprezado o ente mais singelo
Pela própria mãe, seu maior elo

Pobre dessa mulher que em seu delírio
Arrancou de si seu elemento
Negou dar à luz o seu rebento
Esmagou com a mão tão puro lírio

Pobre ainda daquele delinquente
Que com requinte e boa oratória
Transformou a verdade mais simplória
Com sofisma árduo e incongruente

O intelectual no seu escritório
O demagogo com seu parlatório
O sociólogo com seu dado frio
Induzem o incauto ao desvario

Não conseguem ler o vaticínio
Dessa massificação do morticínio
Que contorna o gozo irresponsável
Com um ato mais abominável

Não se usurpa em vão um dom de Deus
Que permite a vida em abundância
Quem atinge um ser em plena infância
Ou é mau ou já enlouqueceu

Mas a verdade é clara como o dia
Tantos teimem em postergar a luz
Ela chega em nome de Jesus
E se impõe contra essa covardia

Toda vida é sagrada em seu princípio
Todo ente é digno em sua essência
O aborto é mais um precipício
É isso que te dita a consciência.

(Rochamonte, C.)

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Assuntos:
Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte é graduada em Filosofia pela UECE (Universidade Estadual do Ceará), mestre em Filosofia pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e doutora em Filosofia pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Interessa-se pelo estudo das relações entre filosofia e espiritualidade. É professora, escritora, praticante de yoga e espírita. É organizadora do livro "Natureza e Excelência da Liberdade e da Democracia".

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