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Fórmula 1

Por que Niki Lauda foi um dos melhores pilotos de todos os tempos

Fãs de Fórmula 1 discutem muito sobre "o melhor piloto". Niki Lauda tinha tudo para superar o recorde de Fangio e chegar a números próximos aos de Schumacher

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Se você acha que política gera polêmica e briga, você ainda não resolveu discutir com os ainda-assistidores do esporte mais testosteronudo do planeta: a Fórmula 1. Sobretudo o assunto preferido dos fãs: qual foi o melhor piloto?

Talvez poucos acreditem na minha resposta (já costumo deixar Piquet à frente de Senna, e acho que Giles Villeneuve nunca ganharia nada), mas, logo após Schumacher, quem eu acho que foi o segundo melhor piloto foi Niki Lauda, o austríaco falecido hoje, aos 70 anos.

Minha conta pode ser heterodoxa, mas tem uma lógica: num esporte em que há o talento do homem, mas também o poder do carro (e muita sorte), não adianta apenas contar o número final de títulos, e sim todos os “e se?” em cada um deles. Ou alguém acha que Vettel, que ganhou 4 títulos seguidos aos 26 anos com um carro inalcançável, é melhor do que Senna, que conseguiu 3 títulos, sendo o primeiro aos 28?

Lauda, talvez conhecido de alguns mais jovens pelo filme “Rush”, que retrata (muito fielmente, embora com alguns símbolos) sua disputa pelo campeonato de 76 com James Hunt, viu um novato (e muito jovem) Emerson Fittipaldi disputar títulos com a lenda Jackie Stewart. Alguns dos mais horrendos acidentes da Fórmula 1 ocorreram naqueles anos, como o que vitimou o “principie” François Cevert, degolado e desmembrado em seu carro. 

Em 1975, Lauda foi campeão com Fittipaldi como vice. O jovem brasileiro aceitou decolar a carreira empresária do irmão nos próximos anos, e praticamente abandonou seus resultados na Fórmula 1, com uma Copersucar linda, mas imprestável. Com Stewart aposentado (e mais cedo, após o acidente brutal de Cevert), Lauda estava sozinho… com James Hunt no cangote.

A temporada de 76 é considerada uma das melhores da história por muitos fãs (como seria a de 86). Hunt nem levava muito a sério suas chances de título: na verdade, o playboy inglês não poderia ser mais diferente do obstinado, frio e calculista piloto austríaco. Mas os eternos problemas da Ferrari, que estava em uma das maiores crises de sua história (mal sabia que logo ficaria 21 anos sem títulos), colocaram Hunt e Lauda em disputa franca.

Niki, ao chegar na Ferrari, mostrou que era um discípulo do genial Jack Brabham: disse à arrogante e elitista equipe italiana que não sabiam fazer carros, que aquele protótipo era “uma bela merda”: pesado, instável e duro, apesar do eterno excelente motor. 

Sem seus chefes saberem, pediu para os mecânicos desmontarem todo o carro em sua frente. Tirou tudo o que causava peso excessivo: para que as paredes do motor precisavam ser coladas com parafusos? Uma gambiarra com fita crepe servia: o motor não precisava ser “bonito”, escondido embaixo do carro. E assim por diante. 

Resultado: seu carro ficou 2,3 segundos mais rápido. Numa corrida de 2 horas, com cerca de 60 voltas em um circuito de uns 5 km, significa pegar um carro que chegava em quarto e transformá-lo em um carro que não apenas chegava em primeiro: dava praticamente uma volta inteira de vantagem sobre o segundo colocado. 

Lauda e HuntLauda, que chegou à Ferrari “por falta de opção”, logo virou a mesa: para dar seu talento dentro e fora das pistas, exigiu um pagamento muito maior a ninguém menos do que Enzo Ferrari, a esta altura com 80 anos e sofrendo de demência senil. Dificilmente Enzo conseguia manter a mesma informação por um minuto na cabeça, em meio a arroubos de raiva e calmaria.

Mas Lauda tinha um problema extra em 76: a esquisita corrida da Alemanha, em Nürburgring. Ao invés de cerca de 60 voltas em pouco mais de um minuto e meio, o circuito alemão, apelidado de “cemitério”, usava na época um longo percurso de 23 quilômetros em 8 minutos floresta adentro, totalizando apenas 20 voltas por corrida. Lauda era o único a ter feito o traçado em 7 minutos. Mas odiava o circuito, cujo trajeto os pilotos nem sequer conseguiam decorar.

Em uma chicane rápida antes da curva Bergwerk, um pequeno erro lhe fez perder o controle da Ferrari: Lauda bateu e seu carro foi envolvido numa bola de fogo. Sem equipe por perto, foram os próprios pilotos que pararam e retiraram Lauda do cockpit (Emerson Fittipaldi entre eles). Seu capacete modificado causou um segundo problema: ao ser retirado para que pudesse respirar, deixou seu rosto exposto ao fogo. Lauda, com o rosto desfigurado, ainda conseguiu ir consciente até o hospital, onde caiu em coma.

Se o inferno parecia ter passado ao acordar, havia péssimas notícias: entre os gases tóxicos que inalou havia muita gasolina, que se liquefez em seus pulmões. A extração era puxando sua garganta para trás, enfiando um tubo que ia até seu pulmão enquanto prendia a respiração e succionando o líquido. Ateu, chegou a receber a extrema-unção no hospital, quase enxotando o padre ao entender o que acontecia. Não à toa sua auto-biografia se chama “To Hell and Back”.

Lauda e HuntAssistindo um James Hunt ganhar corridas enquanto estava hospitalizado, Lauda voltou às corridas, com rosto destruído, sem uma orelha e mal conseguindo fechar um dos olhos, com  a pálpebra meio derretida, seis semanas depois. Irônico (e um tanto mal humorado), dizia: “Eu tenho um motivo pra ser feio. A maior parte das pessoas não.” Ainda assim, conseguiu um quarto e um terceiro lugar que fizeram James Hunt ter de suar frio para conseguir lhe tirar um título praticamente na última volta, de uma corrida que Lauda não correu, admitindo seu medo, sob fortíssima chuva no Japão. 

Por um ponto. E se?

Lauda ainda se tornaria bicampeão em 77. Mas, desgostoso com os italianos da Ferrari, impulsivos, eternamente nervosos, péssimos em administrar a própria companhia, foi para a Brabham em 78. 

E se Lauda não tivesse se acidentado um ano antes? É difícil não imaginar que ganharia em Nürburing, correria duas (ou provavelmente quatro) corridas a mais, deixando Hunt sem chance. E se tornaria o primeiro piloto desde Fangio, na década de 50, a conseguir três campeonatos SEGUIDOS (apenas Schumacher conseguiria igualar tal feito, nos anos 2000).

Lauda, Piquet e ProstNa Brabham, Lauda sofreu com carro com péssimo motor, que só conseguiu completar seis corridas e abandonar nove (ainda conseguiu uma vitória). No ano seguinte, só finalizou duas corridas. Sem Stewart ou Fittipaldi, a Fórmula 1 viu campeões dos quais ninguém hoje se lembra direito nestes anos, como Mario Andretti, Jody Scheckter e Alan Jones, até Nelson Piquet reinstaurar a era dos grandes campeões, em 81.

Lauda com um carro decente naqueles anos não apenas tinha tudo para igualar o inalcançável pentacampeão Manual Fangio, dos primórdios da Fórmula 1: poderia muito bem, contando-se com uma possível vitória em 76, igualá-lo com uma vantagem: ganharia todos aqueles anos em seqüência. Colocado em um carro pouco competitivo, Lauda já se mostrou superior a grandes nomes como Fittipaldi: o que faria, mil plásticas depois, com um carro de ponta?

Após uma rápida aposentadoria, Lauda voltaria em 82, já ganhando sua terceira corrida, desta vez na hiper-rival McLaren. Em 84, seu penúltimo ano no esporte, viu um estreante Ayrton Senna ultrapassar seu carro por fora, sob um aguaceiro, na dificílima curva Saint Devote, que virava um sabão. Uma Toleman ultrapassando uma McLaren.

Senna, em sua quinta corrida, ficou em segundo, aproximando-se perigosamente de Alain Prost. O francês pediu pelo encerramento da corrida, pois estava (mesmo) muito perigosa. Senna o “ultrapassou” enquanto Prost freava após decretada encerrada. Foi como uma vitória.

Mas saiu cara a Prost: apesar de vencer de fato, como a corrida se encerrou antes da metade, foram computados apenas metade dos pontos (com menos de 15 minutos a mais, Prost teria pontuação inteira). No fim do ano, seu companheiro de McLaren, Niki Lauda, ficou MEIO ponto a frente de Prost. O austríaco viraria tricampeão (tendo tido chance de 6 títulos, no “placar moral”), enquanto Prost precisaria esperar até 85 para iniciar a contagem de seus quatro títulos.

Niki Lauda, enfim, soube “acertar” carros como ninguém em sua época. Não há dúvidas de que não teria concorrentes se estivesse com uma equipe competitiva no fim dos anos 70. Ainda conseguiu ser o piloto com maior distância entre dois títulos (77 a 84). Não concretizou, mas tinha tudo para tirar um pouco do brilho de Michael Schumacher, além dos 4 gigantes dos anos 80 (Piquet, Prost, Senna e Mansell), se tivesse transformado em números o que sua capacidade prometia na década anterior.

Para os fãs da Ferrari, para os fãs da Fórmula 1, hoje é dia de imenso luto. R. I. P. Niki Lauda!

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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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