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“Democracia em vertigem” em vertigem

O filme de Petra Costa, herdeira da construtora Andrade Gutierrez, empresa investigada na Lava-Jato, é um acúmulo de clichês e visões tortas sobre o Brasil

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Democracia em Vertigem - Petra Costa

A película “Democracia em Vertigem”, disponibilizada pela Netflix, começa com imagens da prisão do ex-presidente Lula e manifestações favoráveis e contrárias à prisão, mas o veio ideológico de esquerda já se evidencia na primeira frase, quando se resgata uma afirmação de uma jornalista que disse que “não havia expectativa de uma prisão assim tão rápida, pegou todo mundo de surpresa”.

Na verdade, o processo judicial que conclui pelo reconhecimento do cometimento dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (triplex do Guarujá) começou bem antes, em 20 de setembro de 2016, e culminou com a prisão de Lula somente em abril de 2018. O que talvez tenha espantado a esquerda é que a justiça passou a alcançar políticos e empresários poderosos.

A narrativa é da diretora Petra, com uma voz cansada, sempre no mesmo tom, como se as esperanças de um país melhor se esvaíssem, numa desconexão com a realidade a toda prova. Petra faz um paralelo do nome do país com o Pau-Brasil, ressaltando sua cor avermelhada, mas sempre associando-a a fatores negativos como escravidão, rebeliões brutalmente reprimidas e uma República iniciada por um golpe.

Em seguida, centra-se no seu oásis particular, qual seja, a eleição de uma Presidente mulher anos após o período ditatorial, caindo novamente na sua insurgência contra a punição e um ex-presidente corrupto, que quase levou o país a uma favelização e fome venezuelanas, haja vista ter comandado um esquema de poder totalitário construído desde 1990, via Foro de São Paulo, dilapidando e doando nosso patrimônio público a ditadores e genocidas da América Latina e África. Para a diretora, após a prisão do ex-presidente criminoso, o país avançava ao seu passado autoritário fazendo da democracia um sonho efêmero.

Nesse contexto extremamente negativo, fruto de sua visão obnubilada pela ideologia, Petra alinha a trajetória política de Lula que, depois de perder 3 eleições para presidente (1989, 1994 e 1998), finalmente se elege por ter abdicado de seus supostos princípios e objetivo de levar a classe trabalhadora ao poder. Ela passa por cima de todas as falácias desse pelego criminoso, que desde a ditadura entregava seus companheiros sindicalistas em troca de regalias, frequentador assíduo que era do sofá do gabinete do
delegado Romeu Tuma.

Tratando da comemoração da ascensão de Lula à presidência, raras são as cenas em que as pessoas se vestem de verde e amarelo, destacando-se uma delas em que é exatamente um único trabalhador
autônomo, vendedor ambulante, que porta um guarda sol verde e amarelo em meio a tantas camisas e bandeiras vermelhas.

Lula, o “escultor de argila humana” (sic)

Petra introduz sua mãe no filme como idólatra de Dilma Rousseff, revelando identidade com a ex-presidente por ser mulher, mineira e militante, além de ter frequentado os mesmos colégios e de dizer que foram presas no mesmo local, em datas diferentes.

Em certo momento do filme, afirma que “Lula é um escultor, cujo material é a argila humana”. Sua capacidade de arrebanhar trabalhadores incautos realmente foi a tônica desde seus tempos de sindicalista. Só não contou que o plano era outro: de dominação de um país para financiar o socialismo e comunismo na América Latina.

Com o estouro do Mensalão, Dirceu e Palocci renunciam e Lula escapa. Repare o termo: “escapa”. Para Petra há uma incompreensão da dicotomia entre o Lula que promoveu o bolsa-família, o sistema de cotas para negros na universidade e a queda do desemprego, e o Lula que repetiu as práticas de patrimonialismo, formando perigosas alianças com oligarquias, uma das quais a construtora Andrade Gutierrez, também envolvida em corrupção, de propriedade da família da diretora.

Petra não faz a correlação com o período de bonanza econômica mundial em que surfou o ex-presidente no seu primeiro mandato até meados do segundo, quando veio o “tsunami”, por ele menosprezado como “marola”. Para ela, do nada, a benção da descoberta do pré-sal e das respectivas expectativas de investimentos em programas sociais, virou “maldição”. 

A narrativa é sempre pobre e omite vários elementos da realidade, com o indisfarçável intuito de mexer com a emoção de quem vê o filme, bem ao estilo sentimentalóide que a esquerda domina com maestria e de reescrever o passado com o objetivo de recontar a história que se quer que prevaleça nos anais da cinematografia. Para quem vive de utopia, a realidade nunca é o forte, razão pela qual o filme perde muito da sua credibilidade.

A desconexão com a realidade é tanta que Petra chama Temer de “conservador”, ressaltando o orgulho vazio da eleição de uma mulher, mas sempre reprovando a escolha do vice, como se ele não fizesse parte de tudo o que fora orquestrado pelos donos do PT.

Brasília, a democrática

As cenas focam em Brasília nos seus bastidores, revelando a imbricada relação da diretora com seus ídolos, retirando-lhe toda a isenção para a produção do que quis chamar de documentário, mas na realidade é apenas uma narrativa parcial. Como que num paradoxo, Petra fala de Brasília onde “de dia se trabalha alegremente numa atmosfera de digna monumentalidade” e que “abrigaria o sonho da democracia”, afirmando em seguida que a arquitetura isolou o povo do poder. Impressionante o desconhecimento da diretora quanto ao caldo cultural arquitetônico de esquerda de onde nasceram os traços da cidade e seus prédios, numa quase réplica das cidades programadas na URSS.

Mais uma vez, e sem fazer o mea culpa de quem sempre votou na esquerda vendida, ela revela seu descontentamento com os escândalos de corrupção e pontua o ápice dessa frustração com o movimento do Movimento Passe Livre, de junho de 2013, ressaltando apenas o acirramento da repressão policial sem tecer uma linha sequer sobre as investidas violentas dos black blocs em suas manifestações.

Perdida em seus devaneios, conclui que as bandeiras do PT não mais representavam seus sonhos, tendo o partido “virado alvo”, como se não fossem justas as decepções com tantos crimes cometidos pelos seus dirigentes. Como se o PT não pudesse jamais ser alvo.

Curiosamente, trata Dilma Rousseff como se fosse uma pérola jogada aos porcos, dizendo que teve mérito em tirar cargos do PMDB, atacado os juros altos e aprovando medidas anti-corrupção, mas sem resultado econômico que lhe garantisse um mínimo de popularidade. Atribui à ex-presidente a desestabilização do sistema político e não diz uma linha sequer sobre os perdões de dívidas de países africanos, remessas de dinheiros para o exterior via manutenção de contratos absurdos com empreiteiras do esquema petrolão, continuidade do plano de poder totalitário do Foro de São Paulo e a tentativa de descolar de seu criador, como se ela tivesse condições de tocar esse plano em voo solo de galinha.

No que se refere à Lava-Jato, a diretora abraça a teoria da conspiração quando levanta a hipótese de que anos antes, o Brasil havia sido objeto de ação de espionagem dos Estados Unidos pela teia de corrupção. Em franca ignorância dos cursos de especialização feitos por Moro nos Estados Unidos, Petra vê como negativa essa formação, assim como sua inspiração na Operação Mãos-Limpas e o uso da mídia a seu favor, este absolutamente necessário no caso do ex-presidente e das construtoras envolvidas, já que até então nenhuma condenação de poderosos chegara a contento.

Em franco desconhecimento da seara jurídica, afirma também como negativas as “prisões sem condenação para forçar delações”, quando essas prisões preventivas previstas em lei foram necessárias para impedir a continuidade delitiva e obstrução de provas pelos réus. 

Chama tudo isso de um “thriller policial brasileiro”, já que o crime de caixa dois e de corrupção sempre foram práticas corriqueiras normais no Brasil. Só faltou perguntar: Por que isso passou a ter relevância somente a partir da assunção do PT ao poder? Verbaliza que muitos culpavam Dilma por não interferir nas investigações, como se os fins justificassem os meios. Nessa parte, o filme é quase uma ode ao crime.

E continua, afirmando que grupos de direita contra a corrupção se insurgiram contra Lula, Dilma e o PT, como se isso fosse um golpe. A miopia é tão grande que Petra afirma que “a mídia transmite manifestações naturalizando o seu caráter agressivo” ao mesmo tempo em que na tela aparecem imagens de passeatas ordeiras, sem qualquer violência ou arruaça, de grupos de direita que levam suas crianças em carrinhos de bebê para a manifestação verde-amarela.

Sabe aquela empreiteira? Então…

Com o agravamento da situação econômica do país, à beira de uma quebra por ter seus recursos drenados anos a fio para ditaduras e genocidas, admite Petra que Dilma quebrara suas promessas de campanha. O Congresso Nacional aceita o pedido de impeachment, tendo a diretora atribuído essa aceitação a uma suposta manobra do então juiz Sérgio Moro, que autorizou a condução coercitiva do Lula, o qual dizia que não se negava a prestar depoimento, mas também não comparecia à Polícia Federal.

Ela vê como covardia os atos de busca e apreensão às 6h da manhã no Instituto Lula e na casa de Lula e de seu filho, ocasião em que muitas provas dos ilícitos cometidos por Lula foram legalmente conseguidas. Narra que estoura o caso da nomeação de araque do petista para Chefe da Casa Civil, com a interceptação da conversa telefônica de Lula e Dilma, judicialmente autorizada, ainda que essa tentativa de blindagem tenha sido ouvida menos de duas horas depois do término do período autorizado. Até o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação do petista. E Petra se perde na visão ilusória de que Lula representava a democracia, por meio de um governo com a participação do povo.

Em mais um salto na utopia ideológica, diz ser absurda a acusação do impeachment de irregularidades contábeis, em valores vultosos, nunca antes praticados pelos governos anteriores e chama o impeachment de golpe, colocando a culpa no deputado Eduardo Cunha. É patético seu argumento de que “uma mulher” fora suspensa para processamento do impeachment por “homens, todos brancos”, como se o sexo ou a cor da pele pudesse isentar alguém de seus crimes. Que se registre que o crime de responsabilidade cometido comprovou a maquiagem das contas públicas quando a ex-presidente assinou decretos de liberação de crédito extraordinário na casa dos bilhões, sem aval do Congresso, para garantir recursos e burlar a real situação de penúria dos cofres do governo.

E nessa toada a diretora se dá conta de que outras forças políticas se organizam e passam a frequentar áreas em que não circulavam antes. Sim, ela não menciona que Dilma não era afável no trato político e raramente recebia parlamentares, nem diz que vários empresários nunca tiveram essas restrições, já que favorecidos pelo patrimonialismo reinante. E é nessa hora que ela revela que seu avô fora fundador da construtora Andrade Gutierrez, que em 2015 vários executivos foram presos e que investigações sobre corrupção nunca deram em nada, até que veio a Lava-Jato. Só faltou dizer: a malvada Lava-Jato.

Lamenta que um partido com ideais transformadores da realidade não tivesse concluído sua obra que, no caso, ela não diz, é de reengenharia social, destruindo a sociedade em suas bases religiosas, familiares e morais para implantação do socialismo/comunismo na América Latina.

Há um trecho no filme onde Gilberto de Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência nos governos do PT, diz a seguinte frase: “O tratamento nessas casas de direito, de justiça, que não é tanto de justiça, seria totalmente diferente do nosso, do que é em relação a eles”, numa comprovação de que o toma lá dá cá sempre foi o mote do partido. Mas nada disso demove Petra de se agarrar às fantasias ideológicas.

Ministério da Verdade

No filme, logo depois do impeachment, Lula se declara candidato e resolve endurecer, afirmando-se arrependido de não ter mandado para o Congresso Nacional o projeto de lei da regulamentação dos meios de comunicação, dominados por 9 famílias no país, ainda que essa mesma mídia por mais de 20 anos tenha lhe ajudado a negar o plano de poder totalitário por trás da fachada de luta pela democracia. Eis o democrata enaltecido.

Petra ainda condena a forma de exposição do trabalho do MPF, que apresenta Power Point das ligações criminosas duas semanas após o impeachment, e afirma em seguida que D. Marisa também é denunciada e falece 4 meses depois de um AVC, como se a culpa fosse de quem descobrira os ilícitos a ela atribuídos.

Diz ela que em três meses se deu a audiência de Lula no processo do tríplex do Guarujá e dois meses depois saiu a sentença, estranhando a diretora a rapidez no julgamento, sem se deter a uma análise mais objetiva sobre o andamento dos demais processos na 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba, todos igualmente céleres, especialmente na condição de réus idosos, conforme a lei determina.

Ainda em choque com a condenação de seu ídolo, faz comparações com outros casos de investigação de corrupção, como os de Temer e Aécio, olvidando-se que ambos têm foro privilegiado. Afirma ainda que a seis meses da eleição para presidente de 2018, Lula contava com 31% de aprovação, enquanto Bolsonaro tinha apenas 15% e atribui a este último candidato todas as características daquele primeiro: “novo redentor”, “que faz declarações antidemocráticas” (vide controle da imprensa) e “defensor das elites no mercado” (que Lula e Dilma bem souberam fazer, em contratos com empreiteiras para desviar dinheiro público. Não nos esqueçamos de Passadena!).

Empresta seu filme a uma declaração vitimista e demagoga de Lula que diz que “o golpe não terminaria sem me prender” e atribui a vitória desse teatro político à classe dos ricos, como se eles não houvessem sido presos e não respondessem a vários processos.

Finaliza seu lamento citando um antigo escritor grego que disse que “a democracia não funciona quando ricos se sentem ameaçados, caso contrário a oligarquia toma o poder”, que esses grupos de famílias que controlam o poder (mídia, bancos, cimento e ferro) se cansam da democracia e que temos “um futuro sombrio, tanto quanto um passado obscuro”, buscando forças para caminhar entre as ruínas, todas programadas e postas em prática pelos seus ídolos de barro: uma mulher “impeachada” por homens brancos e um homem branco criminoso e corrupto até a alma.

Com Direção e Roteiro de Petra Costa, o filme foi apresentado no Venice Gap-Financing Market 2016 e recebeu contribuições de oito instituições internacionais:

– Threshold Foundation’s High Impact Documentary Funding Circles

– Bertha Doc Society Journalism Fund

– Sundance Institute Documentary Film Program

– Cinereach

– Tribeca Film Institute Latin American Fund

– Doc.Incubator Workshop 2017

– Women Make Movies Production Assistance Program e

– Danish Film Directors

Todas as mídias nacionais assim como o New York Times enaltecem o filme, incentivando a sua difusão nos mais longínquos locais, em atitude curiosamente oposta ao que ocorreu com o documentário da Brasil Paralelo, intitulado “1964: O Brasil entre armas e livros”, este sim, produzido com o distanciamento e isenção necessários, criticando ambos os lados com prévia pesquisa documental séria, peça fundamental de nossa verdadeira história.

Nós, cidadãos, temos o dever de não deixar narrativas falsas contarem o nosso passado.

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Assuntos:
Silvia Mariózi

Juíza do Trabalho aposentada (1998-2017), formou-se em Direito pela UnB - Universidade de Brasília em 1997. É especialista em Direito Constitucional pela UnB - Universidade de Brasília (2001/2003) e possui LL.M. en Droit Français et International des Affaires pela Université Panthéon Assas - Paris II (2002/2003)

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