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Todo mundo em pânico

Assessoria de imprensa de Rodrigo Maia nega que ele esteja com coronavírus

Em manhã angustiante para jornalistas profissionais, ele, o magnífico, o articulador, o carismático, o posudo, Rodrigo Maia diz que não está com a coqueluche do momento

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Calcule o sobressalto, a taquicardia, o pânico desenfreado, que o boato sobre um possível contágio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, causou em nossos jornalistas profissionais.

O grande líder do centrão, o homão da porra para grande parte da mídia, ser pego assim de chofre pelo vírus chinês, deve ter mexido com a emoção dos que vêem nele a corpulenta salvação para o Brasil. Maia, nosso líder voraz, que mira a cadeira presidencial com a mesma cobiça com que mira um saco de Fandangos na prateleira da loja de conveniência, doente! Não!

Vera Magalhães, idade desconhecida, com o semblante de quem viu um fantasma – se bem que esse semblante de susto está sempre presente – lê a notícia. Apavora-se. Mas não era Bolsonaro que estava doente? Meu Maia, não! 

Os sonhos lhe vêm à mente: Doria e Maia recebendo suas faixas: Presidente e Primeiro-Ministro. E ela, conclamada pelos quatorze convidados da festa de posse, fala sobre a grandeza de seus chefes. É a nova PORTA-VOZ da república. 

Uma gota da máscara facial feita com abacate, capim-selvagem, rúcula e ODD vencido lhe cai no olho, despertando-a do mundo idílico. Seus sonhos estão ameaçados?

Começa a telefonar em busca de notícias. Tenta manter a calma, enquanto desliga a nonagésima ligação em sete minutos. Toma comprimidos freneticamente. Lê mais uma bula enquanto espera o retorno de uma ligação. Efeito colateral: dislexia temporária. Não é nada, pensa. Lê um tuíte de Eduardo Bolsonaro. Enche-se de ódio.

Monica Bergamo, idade conhecida mas é melhor deixar pra lá, lê quatrocentas e duas vezes a matéria que diz que Maia, sua grande esperança de dias melhores, está contaminado. O corpo todo lateja. Maia! Maia! Lê de novo. Toma o primeiro antidepressivo do dia. Tenta se acalmar. Acende um cigarro. Outro. Ele não pode ficar doente, pensa!

Sonhos invadem sua cabeça: Maia governa há quase um ano já. Zé Dirceu é presidente do Senado, Lula, ministro da Justiça. Uma nova mansão, iate, almofadas de trigo sarraceno, flor de sal do Himalaia, festa em Paraty.

Uma gota da poção feita com rabo de lagartixa, unha de idoso, pêlo de dromedário albino e folhas de Abeto do Congo espirra do caldeirão, despertando Monica de sua fantasia.

Entra em desespero novamente. Liga para Vera Magalhães, sua colega de profissão. Está ocupado (isso ainda acontece? Ligação dar ocupado?). Liga na CBN, a rádio que toca notícia – a rádio que desafina até notícia. Escuta a voz anasalada do apresentador: “ESCÂNDALO: Bolsonaro limpou o nariz com o dedo quando tinha sete anos.” É o pior presidente da história, pensa. Como chegamos a isto? 

Ambas pensam em alternativas: Alexandre Frota? Namorado da Fátima Bernardes? Tábata Amaral? Quem será que pode substituir o homem de maior carisma da república?

Tudo ainda parece nebuloso para Vera. A parede cor de vinho parece ainda mais melancólica. Abre as pesadas cortinas Verde limão, revelando as janelas com detalhes dourados. Senta no seu sofá de oncinha e pensa, pensa, pensa. (Tá bom! Pensar é muito pesado. Compromete a verossimilhança do texto) Vera nubla.

Monica pega a toalha com a estrela do PT, enrola-se nela e deixa o ofurô bege pé ante pé, com medo de escorregar. Abre outro maço de Derby sabor uva. Já de roupão, vai à varanda gourmet, que agora parece uma fria caverna, tentar refrescar a cuca. 

Então, a mandíbula quieta se enche de movimento. Sem se darem conta ainda da extrema gravidade daquele momento, ouvem do próprio Maia que tudo vai bem, obrigado. Não adianta ficar nessa loucura, declama Maia.

Maia diz que não tem nenhum dos sintomas e que seu primeiro teste foi negativo.

As narinas que há pouco arfavam se retraem, a brisa do vento lhes toca novamente a pele (ressecada, Vera; oleosa, Monica) e o sol volta a brilhar.

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Assuntos:
Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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