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dois pra você; um, dois pra mim

O tribunal da verdade e outras vantagens da tutela estatal

███ e Congresso estudam a melhor forma de te fazer dizer a verdade - que, nesse caso, é aquilo que esteja bem à esquerda, mais um pouco pro lado, ali perto do paredão

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Fita* é um personagem criado pelo escritor russo Ievguêni Zamiátin. No melhor estilo Rabelaisiano, Fita surge por geração espontânea no porão de uma chefatura de polícia, se alimenta de tinta governamental e acaba por se tornar um burocrata governamental, um governador, assinando decretos com tinta própria.

Estamos na Rússia revolucionária. A fome, a pobreza, a solidão, a morte, atravessam a vida de qualquer um que não tenha um cargo público, como sói ocorrer (quem diria?) em todo o mundo socialista. Mas Fita é um homem justo e decente. Lembra muito certos tipos da nossa tão iluminada classe política.

E o que faz Fita ao ver tanta miséria e injustiça? publica decretos, claro. Se a cólera assola uma cidade, Fita logo decreta a cessação imediata da cólera. “Fica proibido declarar a si mesmo como doente de cólera, o que estará sujeito a punição corporal por lei. Fita”.Se a fome corrói até alma do seu povo, Fita decreta que ninguém mais deve sentir fome.

Ao ver nossos amáveis juízes do ███ e nossos parlamentares, é impossível não lembrar de Fita. Tal apreço pela liberdade, pelo bem estar do povo – como demonstram possuir nossas autoridades magnânimas -, só pode vir por decreto; e ai de quem não amar. O senso comum é substituído pelo senso benevolente dos especialistas, ainda que sejam especialistas apenas em fazer bobagens.

Uma temporada no xilindró é fundamental para corrigir qualquer desvio, oras. É uma pena que paredões não são vistos com tão bons olhos assim pela ralé. Onde já se viu questionar um juíz do Supremo ou um deputado federal? Só pode ser fake News mesmo.

Só gente doida pode achar um abuso o que os chefes do judiciário e do legislativo, com todo o aparato estatal a seu favor, escolta, seguranças armados, banquetes refinadíssimos, influência em tudo que é confim, cometem contra gente comum que se mata de trabalhar, cujo poder de influência se estende a um número pequeno de pessoas e que não possuem qualquer respaldo de segurança. Afinal, nosso juízes também acham que arma é coisa dessa mesma gente doida, claro. 

O crime gravíssimo de criticar um ministro ou um parlamentar não pode passar impune.

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Está aí a essência do que eles chamam de Fake News: qualquer opinião que não seja um louvor ou uma declaração de amor aos excelentíssimos donos do poder – sempre à esquerda, claro. Muito à esquerda. E a máquina de propaganda do aparato estatal, a velha imprensa, está pronta a delatar, marcando qualquer opinião divergente como antidemocrática. 

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É aí que vemos as hordas de torcedores fanáticos, baderneiros de todo tipo, que se juntam para espancar velhinhos, quebrar vidraças, tratados pela velha imprensa como bastiões da luta pela democracia, enquanto o outro lado, o dos velhinhos espancados e das famílias, que querem que o Estado pare de interferir nas suas vidas, como fascistas (palmas e mais palmas).

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Como nada passa incólume pelo nosso Congresso e seus ungidos leoões-de-cháraca da informação, eles logo trataram de criar um decreto obrigando todo mundo a falar a verdade. Porque só eles têm a responsabilidade e, é até bobo dizer, a vontade de nos dizer a verdade. A lei da liberdade, responsabilidade e transparência (pausa para o suspiro). Que nome! Que lei! 

Fica proibida qualquer declaração que nossos tribunais não possam atestar como verdade, o que estará sujeito a punição corporal por lei. Fita, digo, Congresso.

E, tal como acaba o Último Conto de Fita, “viveram felizes para sempre. Ninguém é mais feliz do que um completo idiota”.

*Os contos de Fita estão no livro Antologia do Humor Russo, publicado pela Editora 34.

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Carlos de Freitas

Carlos de Freitas é o pseudônimo de Carlos de Freitas, redator e escritor (embora nunca tenha publicado uma oração coordenada assindética conclusiva). Diretor do núcleo de projetos culturais da Panela Produtora e editor do Senso Incomum. Cutuca as pessoas pelas costas e depois finge que não foi ele. Contraiu malária numa viagem que fez aos Alpes Suiços. Não fuma. Twitter: @CFreitasR

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