O erro de Sérgio Moro
Apesar de todos os seus acertos, o juiz Sérgio Moro cometeu um erro ao permitir que Lula fizesse um showmício e ganhasse capital político no fim-de-semana em que foi preso. Por Sávio Mota
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Dois dias após a prisão de Lula é possível analisar com mais calma o que aconteceu da tarde de quinta-feira até o início da noite de sábado. Meu prognóstico é um pouco diferente do que tenho lido internet afora: Sérgio Moro errou ao conceder privilégios para o ex-presidente corrupto.
Ele errou porque na ânsia de parecer isento aceitou o discurso adversário e foi para a defensiva. Para que não o acusassem de estar “perseguindo ou tratando mal o líder (da quadrilha) petista”, Moro resolveu solicitar encarecidamente que Lula comparecesse à sede da PF em Curitiba e ainda proibiu o uso de algemas ou qualquer medida policial violenta. Em resumo, o juiz avisou ao bandido que a polícia estaria de mãos atadas, proibida de agir como polícia.
Além disso, ao oferecer um prazo para que o bandido se entregasse, Moro deu todo o tempo do mundo para que os petistas armassem um circo. E o que era pra ser mais uma prisão de um “dono do poder” efetuada pela Operação Lava-Jato, se transformou num palanque de ataque à Lava-Jato, reforço do “discurso de golpe” e achincalhamento da Polícia Federal.
Tivesse o juiz realizado uma prisão normal, com a PF batendo de surpresa na porta do cidadão às 6h da manhã, restaria aos petistas o choro dos derrotados e a baderna dos revolucionários, mas fraqueza atrai força. Ao invés de tratar Lula como um cidadão comum e reduzi-lo ao que ele é (o líder da maior quadrilha da história do país e símbolo de toda a sujeira moral da esquerda), Moro resolveu enfraquecer sua própria posição, concedendo ao maior criminoso da história regalias de um chefe de estado, efetuando uma prisão quase “pedindo desculpas pelo ocorrido”. E os petistas souberam aproveitar bem a oportunidade.
Moro trocou uma foto do maior símbolo da esquerda nacional algemado e tratado como criminoso comum, por um dia inteiro de “resistência” do líder socialista, de reforço do discurso de perseguição, de comoção da mídia e de parte da população pelos “feitos” do ex-presidente e de humilhação pública da Polícia Federal. Não me parece uma boa troca.
Em defesa da atitude de Moro, muito tem se falado de uma ação estratégica dele pensando nos demais processos que o ex-presidente responde na justiça. O juiz de Curitiba teria então proferido essa ordem de prisão “light” justamente para que fosse descumprida, abrindo espaço para a execução de prisões preventivas – que garantiriam um tempo maior de prisão para Lula. Ora, se o grande objetivo de Moro é garantir que o líder petista passe mais tempo em cárcere, está provando que não entendeu mesmo o que realmente é mais importante neste caso.
Num país que tem penas brandas e ainda permite aos seus presidiários progressão para o regime semi-aberto após o cumprimento de 1/6 da pena, não existe mesmo nenhuma expectativa que Lula passe muito tempo na cadeia (até José Dirceu, reincidente, está em prisão domiciliar). E pouco importa o tempo que o ex-presidente vai passar cumprindo a pena, afinal de contas, Lula não é apenas um líder popular da esquerda, mas o único símbolo aglutinador do projeto revolucionário no Brasil. As duas únicas coisas relevantes neste caso são a perda dos direitos políticos dele (reduzindo o seu poder de ação) e a destruição do símbolo – todo o resto é acessório.
E não podemos nos deixar levar apenas pelas emoções do momento, pelo atual sentimento dos brasileiros, porque o ato que os petistas realizaram no Sindicato de São Bernardo-SP não vai mesmo dar uma sobrevida ao partido e à esquerda em geral nas eleições de 2018 ou num futuro próximo, mas é um erro crucial pensar apenas no curto prazo. As imagens de sexta e sábado servirão de munição para mais uma tentativa de reescrever a história e essa munição tende a ser mais efetiva com o passar do tempo; daqui a uma ou duas décadas o que aconteceu em São Bernardo-SP provavelmente estará bem menos vivo na memória dos brasileiros e a versão mentirosa da história terá um terreno mais fértil para explorar.
Sérgio Moro errou porque ignorou seu adversário e as possíveis consequências do cenário que se apresentava na sua frente. Errou também porque se colocou em posição de inferioridade diante do seu opositor, justificando e cedendo ao discurso adversário. Errou ainda porque não compreendeu o que realmente estava em jogo na situação. Por isso, os petistas, que estavam sem boas alternativas, puderam tirar algo de positivo da prisão de Lula. O real efeito disso nós só saberemos com o passar do tempo, mas hoje é possível dizer que a decisão de Moro foi equivocada.
Talvez não tenhamos que lidar com grandes consequências desses erros por conta da fragilidade atual dos grupos revolucionários e falta de credibilidade da esquerda nacional, além da ação cada vez mais consciente, crescente e combativa dos seus opositores. Entretanto, os bons brasileiros precisam aprender, de uma vez por todas, o que está em jogo e quem são seus adversários, afinal de contas, é impossível uma vitória definitiva sobre um inimigo desconhecido – mais dia ou menos dia ele recupera sua força e volta a estar em pé de igualdade.
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