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Esquerda

Se preciso, pegaremos em copinhos do Starbucks

Como a esquerda política e cultural brasileira se tornou ela própria a melhor piada que se poderia fazer dela.

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Quando surgiram os primeiros sinais de que o processo de impeachment realmente tomaria corpo no Congresso Nacional, não poucas foram as menções de líderes da esquerda às drásticas medidas que sua militância adotaria caso a deposição da presidente fosse mesmo levada a cabo. Teve o líder da CUT falando em “pegar em armas” caso necessário fosse, o Boulos prometendo “incendiar o país” através da milícia do MST, dentre muitos outros discursos que soavam bastante ameaçadores à época.

Concretizado o afastamento de Dilma — após um golpe de Estado aplicado via votação aberta nas duas Casas do Poder Legislativo Federal, franqueado o acesso ao Supremo Tribunal Federal para impugnar e reimpugnar o rito processual adotado — em vez da reação violenta de temíveis trabalhadores com foices e enxadas em punho vaticinada, o que se viu foi pouco mais que alguns discursos inflamados na FLIP e meia dúzia de hipsters emburrados pelos cantos dos recintos, soprando com ar blasé suas franjinhas e piercings no septo em descontentamento.

Hoje mesmo a página “Mídia Ninja”, um autoproclamado veículo independente de “jornalismo” que só poderia ser levado a sério num ambiente tão espiritualmente desgraçado quanto o Brasil, postou a foto acima reproduzida, acompanhada da legenda “militância nossa de cada dia”. Nela, são lidas frases contra o “golpe” (ou seja, a favor da democracia) em três copos de café da franquia Starbucks, comercializados a preços nada democráticos que variam entre 10 e 20 reais.

Eis aí um belo resumão da esquerda política vigente no Brasil, que realmente coincide com o público consumidor daquilo que a Starbucks comercializa e representa: um bando de filhinhos de papai mimados que, não tendo muitos objetivos a aspirar, abraçam desesperadamente a primeira ideologia que surgir em sua frente (no mais das vezes, aquelas apresentadas pelo professor de geografia do ensino fundamental), na tentativa de dar algum sentido às suas vidas já ganhas desde a concepção.

Enxergar as inscrições nesses copinhos de café como um ato político sério e apto a produzir qualquer reflexo no mundo real que não seja o riso ou o aviltamento só pode ser produto de uma completa amputação do senso de realidade e do mais comezinho bom senso, ausências muito facilmente observáveis na esquerda contemporânea. Não é à toa que o pensamento progressista tem caído em crescente descrédito no Brasil e no mundo: seus entusiastas preocupam-se cada vez menos com a correspondência de seus discursos e argumentos com a realidade e cada vez mais com o eco que eles encontram em seus grupinhos que, numa espécie de transe tribal, se retroalimentam de absurdos até chegar ao ponto de apresentar essa imagem dos copinhos como se ela fosse algo perfeitamente normal e coerente.

É precisamente esse processo autopoiético que os permite concluir com absoluta naturalidade que um processo de impeachment aprovado por dois terços das duas Casas do Congresso Nacional, escrutinado pelo STF e apoiado pela maioria da população constitui o mais evidente dos golpes. Desse ritual coletivo resultou também a crença de que haveria mesmo um levante popular caso Dilma, tão amada pelo povo trabalhador, fosse deposta.

De fato, não há muito de quê se tirar sarro nessa situação dos copos. A piada está tão acabada que, se alguém tentasse inventar ou realçar algum detalhe de seu contexto, seria bem capaz que ela ficasse menos engraçada. É como se existisse alguém com um rosto tão estrambólico que nele não se encontrasse nenhum traço cômico a satirizar, de modo que a melhor caricatura que se pudesse fazer dele coincidiria com o retrato perfeito de sua constituição real.

Se parar bem pra pensar, isso tudo não deixa de ser triste. Mas tem horas em que é melhor não pensar muito e só rir mesmo.

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