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De onde veio o Marco Civil da Internet? De Vladimir Putin

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China Microblogging The Congress

Ontem, o aplicativo WhatsApp foi tirado do ar no Brasil, o que deveria oficialmente ocorrer por 48 horas. A juíza acionou a lei de dados do Marco Civil da Internet para sua decisão, o que levantou os olhos do país pela primeira vez para as conseqüências desta lei.

Quando o Marco Civil da Internet foi aventado, diversas celebridades vieram apoiar sua implementação. Praticamente todos de mesma matiz política: Gregório Duvivier, Gilberto Gil, Wagner Moura, Jean Wyllys, Jandira Feghali, Rafinha Bastos (que se arrependeu amargamente, e hoje critica ferozmente o projeto), Marcelo Tas, Dilma Bolada, Dilma normal.

Para não dizer que nenhum especialista da área ter socorrido a causa, Luli Radfahrer também apoiou a idéia, embora deixando claro que entre um projeto de “Constituição da internet” que pudesse cercear nossa liberdade, transformando nossa internet no modelo chinês ou stalinista, e nada, era melhor ficar com nada e sem “marco civil” nenhum. Jean Wyllys, outro “debatedor” que estava com Radfahrer no programa Metrópole, da TV Cultura (em um dos típicos “debates” em que ambos os convidados concordam), apenas disfarçou e não comentou o cerceamento socialista à internet.

Mas esta teria sido mesmo uma idéia nossa? Por que o Brasil inventaria uma “Constituição” virtual? Por que logo o Brasil? Não há nada a levantar os sobrolhos em sinal de suspicácia em relação a este fato por demais singular?

Quantos países possuem alguma espécie de “marco civil” na internet? Sendo um território livre e razoavelmente anárquico como o livre mercado, a internet é apenas regulada em países cujos governos querem, naturalmente, controlar a internet. Podemos considerar, por exemplo, que Cuba, Coréia do Norte e Irã são países com seus “marcos civis”.

Mas o que significa de fato o marco civil e de onde ele surgiu? Não é exatamente uma jabuticaba. A idéia de um “novo controle” de uma internet até então razoavelmente sem controle vem de longe. Não parece ser o caso de Gregório Duvivier, Gilberto Gil, Wagner Moura, Jean Wyllys, Marcelo Tas e Luli Radfahrer saber do que falam.

A fragmentação do ICANN

Você sabe o que é o ICANN? Ele controla o DNS. E sabe o que é o DNS? São duas siglas que as pessoas deveriam conhecer e trabalhar com elas em suas mentes se quiserem ter alguma liberdade futura.

Como explicou maravilhosamente Shoshana Bryen no American Thinker, quando você digita um endereço no seu browser, como por exemplo www.sensoincomum.org, o navegador entende isto como um nome de site, ou seja, um domain name system (DNS). É como um mapa que vai fazer com que o nome digitado encontre o site desejado. Este mecanismo hoje é controlado pelo ICANN, Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, que controla o DNS sob contrato com o Departamento de Comércio americano. Até o momento, é um monopólio americano.

A internet é invenção dos militares americanos – mais exatamente, do Pentágono -, mas o ICANN tem vários “stakeholders”, incluindo governos estrangeiros, ativistas da sociedade civil e corporações.

gregorio duvivier marco civilEnquanto o ICANN é ainda atrelado aos americanos, o sistema é plenamente funcional, pois a América é exatamente a definição do que é um país livre, com uma Constituição que garante que os cidadãos estão acima do governo – ao contrário da nossa. É possível sem problema ter um site chamado vermelho.org, marxist.com (sic), psol50.org.br, islamic-sharia.org. Apesar de toda a retórica anti-americanista no mundo, é difícil pensar em outro sistema que garanta tamanha liberdade até mesmo aos seus detratores, que preferem um modelo menos livre.

Mas a própria América, hoje, sobretudo na gestão Obama, está querendo libertar o controle do ICANN para um sistema governamental internacional ainda a ser desenvolvido. Mesmo enquanto o sistema não é delineado a contento, fica claro que o Departamento de Comércio não mais terá a palavra final sobre o ICANN.

Rússia e China foram os principais países a reclamar o controle do sistema de DNS claramente por países individuais, o que permitiria a seus governos decidir quais organizações, empresas ou indivíduos podem possuir um domínio.

Outros preferem o modelo da ONU, em que maiorias de votos dentro da super-ONG darão poder de mando sobre um domínio. Algo sobre Israel, por exemplo, precisaria passar pelo crivo de Irã, Arábia Saudita, Síria, Turquia, Egito, Iraque etc.

Criar artigos sobre o genocídio armênio, que ainda é tabu na Turquia, pode exigir um selo de aprovação do governo turco. Qualquer crítica ao apedrejamento nos países islâmicos pode ser censurada com as recorrentes acusações de preconceito, islamofobia e ofensas à comunidade muçulmana internacional.

Uma crítica ao governo da Venezuela feita no Brasil, na América, na Polônia ou no Japão pode ser alvo de censura pelo mecanismo de dissolução do ICANN em vários parceiros, sob a típica retórica anti-americanista e anti-capitalista que é moda no Ocidente com liberdade capitalista.

Manter o site de gays ou mulheres como as da banda Pussy Riot, com suas críticas ao autoritarismo xenófobo e homofóbico de Vladimir Putin pode enfrentar um grande problema com a toda-poderosa KGB (hoje FSB).

Encontrar na internet críticas, artigos, jornais e mesmo publicações de história passada que “ofendam” alguém, sobretudo alguém com muito poder de lobby e uma boa dose de discurso progressista anti-americano, pode se tornar passado.

And so on.

Apagando o presente, o passado e o futuro

Para compreender o fenômeno, é preciso, além de entender o mecanismo do ICANN, só conhecido por experts na área de telecomunicações, também deslindar o sentido oculto, muitas vezes francamente escondido do público, de movimentações de mecanismos transnacionais – o Council on Foreign Relations e sua revista Foreign Affairs não costumam ser claros em suas publicações que defendem uma dissolução dos poderes nacionais dos países em prol de um globalismo centrado na ONU, por exemplo.

turkey protest censorshipIsto faz parte do que o pesquisador da internet bielo-russo Evgeny Morozov descreveu em sua obra capital The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom, que mostra em detalhes como a suposta liberdade da internet está, a passos cada vez mais apressados, permitindo o poder cada vez mais ilimitado de tiranos e nos aproximando de um totalitarismo globalista de deixar o 1984 de Orwell parecendo o desenho da Moranguinho.

Um vigoroso tapa na cara de otimistas abobalhados como Manuel Castells e sua crença no poder da Primavera Árabe e na “democracia” da Irmandade Muçulmana, dos “Fora do Eixo” e “Mídia Ninja” capitaneados por Ivana Bentes, Bruno Torturra, Fábio Malini ou Carlos Sampaio no Brasil, ou das noções muitas vezes confusas de Pierre Levy – não à toa, um defensor do Marco Civil da Internet.

Para não falar de quem rende loas automáticas sem entender as conseqüências dos Anonymous, do WikiLeaks de Julian Assange ou de Edward Snowden, que buscou asilo justamente na Rússia de Vladimir Putin sem despertar um esgar de suspicácia nos progressistas do Ocidente.

6th BRICS SummitO mecanismo é, justamente, criar regulamentações que evitem a liberdade da internet (só garantida por estar sob uma jurisdição livre, a da Constituição Americana) e criem mecanismos de controle locais, que ajam de maneira próxima, para então serem aglutinados em mecanismos transnacionais de controle único – sejam na ONU ou nos suspeitíssimos acordos, por exemplo, do Brasil com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, que Dilma Rousseff logrou logo após o final da Copa do Mundo, sem um pio de questionamento por nossa imprensa. Até um banco comum para criar receita comum (o que pode ser de interesse comum de Dilma, Putin e Xi Jinping?) foi criado. E hoje, a China compra riquezas do Brasil a preços de banana, mantendo a Petrobras dependente, tendo apenas um muxoxo de Aécio Neves como crítica que quase ninguém notou.

Se a América não possui um Marco Civil e possui uma internet livre, a Rússia tenta criar um Marco Civil para censurar a internet lentamente (sempre sob alegações genéricas como segurança, frear o poder de empresas ou mesmo “liberdade” e “privacidade”). Com isto, pode querer “perder” DNS de sites ucranianos, por exemplo. A China já fez o mesmo com vários sites de Hong Kong. E se o partido da Aurora Dourada, da Grécia, pleitear o domínio nazi.org?

net-neutrality-new-delhiVenezuela, Cuba, Nicarágua e Equador (também por mera coincidência, onde Julian Assange buscou asilo político, pela “perseguição” americana) têm seus marcos civis. No Brasil, Dilma Rousseff criticou a espionagem americana, mas assinou ela própria a lei que exige que todos os dados dos brasileiros sejam armazenados para futura espionagem. Outros parceiros de marco são Irã e os patrocinadores da Irmandade Muçulmana (e, por conseguinte, dos nazistas restantes) Qatar e Turquia. Jean Wyllys, que pavoneou que o marco não era “penal”, e sim “civil”, poderia ser convidado a dar suas palestras sobre “neutralidade, privacidade e liberdade” nestes reinos de neutralidade, privacidade e liberdade.

Já tivemos casos no Brasil, como quando um empresário foi condenado em primeira instância por ter chamado, em uma conversa privada, o filho do Lula de “idiota”. É o tipo de “ofensa” que só pode render pena num país totalitário – e um dos primeiros passos é uma “Constituição para a internet”, que funcionava muito bem, obrigado, sem ela.

Agora foi a decisão de impedir o WhatsApp em todo território nacional, também alegando o Marco Civil, numa decisão que deveria ser restrita à comarca de São Bernardo do Campo, um dos rincões do PT, cidade de 700 mil habitantes – o que poderia impedir diversas correntes a respeito das decisões do STF de legislar a favor do PT no mesmo dia. Não importa a desculpa corrida de Marcelo Tas falando de suas intenções originais: o Marco Civil e sua exigência de guardar dados para futura conferência pelo governo é que permitiu que o WhatsApp fosse punido.

Por que controlar o que funciona sem controle?

As mudanças pleiteadas no controle do ICANN por todos os países loucos para controlar a internet são sempre baseadas no princípio de net neutrality – proposta traduzida literalmente em português e repetida roboticamente pelos defensores do marco, de Gilberto Gil e Wagner Moura a Gregório Duvivier e Jean Wyllys, que tanto repetiram sobre “neutralidade” da internet sem nunca definir o conceito. O maior crítico do projeto foi, justamente, o deputado Jair Bolsonaro, tão acusado de supostamente defender a ditadura.

Putin-cover_seVladimir Putin é hoje o mais aguerrido defensor da retirada do ICANN do controle americano, sempre repetindo as palavras que chocam sentimentalmente os jovens, como “imperialismo”, “capitalismo”, “espionagem” e, claro, “neutralidade, privacidade e liberdade”. A Rússia poderia então facilmente retirar o poder de sua rival Alemanha pelo controle da Europa invocando leis anti-terrorismo inventadas de estro próprio.

Em novembro de 2013 uma delegação de senadores russos e oficiais do Ministério das Relações Internacionais visitou oficialmente a América para reclamar da capacidade americana de “garantir a privacidade” dos usuários – usando, justamente, as informações dadas por Edward Snowden.

O plano de Putin é mover o ICANN para a International Telecommunication Union (ITU), a agência das Nações Unidas responsável pelo ordenamento global do uso de espectros de rádio e órbitas de satélites.

Desde 2010, a Rússia tentou pelo menos três vezes na ONU e uma vez na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) passar legislações sobre terrorismo cibernético na rede. Embora úteis contra grupos como o Estado Islâmico, o conceito de “terrorismo”, ainda mais “cibernético” da Rússia pode ser bastante maleável.

Exatamente após uma destas tentativas, Dilma Rousseff tentou passar sua lei anti-terrorismo para ter mais controle sobre protestos contra seu governo durante a Copa do Mundo.

O plano de Vladimir Putin, que parece tão distante do Brasil, foi apresentado na capa de uma das melhores revistas do mundo, a britânica The Spectator, em fevereiro de 2014. Quantas vezes você viu Folha, Globo, Estadão ou outro veículo de imprensa citar a respeitadíssima Spectator como fonte sobre a Inglaterra e o mundo no Brasil, e quantas vezes viu esta imprensa tratar o jornal de extrema-esquerda The Guardian, quase um tablóide cartacapitalista, como a única coisa que os ingleses lêem?

O Marco Civil foi apresentado no Brasil também na mesma época, sob relatoria do deputado petista Alessandro Molon, afirmando que sem ele, as empresas poderiam tratar dados de maneira diferente, cobrando mais pelo acesso ao Youtube do que à Wikipedia, por exemplo. Esta era a imagem apresentada do que poderia ser a internet sem o Marco Civil:

marcocivil-Neutralidade

O verbo no subjuntivo diz tudo: poderiam. Nenhuma empresa faz isto de fato. Por que uma lei para controlar dados sob esta desculpa, se nenhum “crime” deste tipo é feito?

Marco Gomes, criador do Boo-Box e defensor do Marco Civil, em resposta a um artigo anterior sobre o Marco Civil, afirmou:

Hoje algumas das maiores operadoras de telefonia celular do país oferecem acesso grátis a 2 sites (as 2 maiores redes sociais), mas para o cliente acessar o resto da Internet, é cobrado via pacote de dados.

Se acesso grátis a 2 websites escolhidos pela operadora e acesso pago ao resto da Internet não for “acesso a apenas alguns sites, exigindo mais pagamento para os outros” eu não sei o que seria.

A única reclamação, portanto, é a uma promoção de acesso grátis a alguns sites. Para Gomes, dar algo de graça é um problema sério destas empresas, que precisa de uma legislação putiniana. O crime não-existente é pasto e circunstância para o Estado policial virtual.

Exatamente horas antes do domingo, por alguma coincidência imperiosa, duas páginas do Facebook que conclamavam protestos contra Dilma Rousseff foram tiradas do ar. O próprio Dilma Bolada já criou algumas vezes, com técnicas estudadas (para quem chama de “MAV” qualquer chato na internet, sem saber o estudo que os verdadeiros possuem), ações para derrubar páginas de quem ousasse discordar da esquerda.

E ontem mesmo, o próprio Mark Zuckerberg postou, inclusive em português, em seu perfil no Facebook uma mensagem de apoio aos brasileiros para manter o WhatsApp no ar: “se você é brasileiro, faça sua voz ser ouvida e ajude seu governo a refletir a vontade do povo.” Um emissário do Planalto acionou o Facebook e explicou a situação. Tempos depois, veio a edição: “se você for brasileiro, faça sua voz ser ouvida”. Esta é a situação da liberdade no Brasil.

Claro, não estamos afirmando que Gilberto Gil, Gregório Duvivier, Marcelo Tas, Jean Wyllys, Wagner Moura ou Dilma Bolada saibam das negociações entre Dilma e Putin. Ninguém pode acusá-los nem mesmo de saber quem é Vladimir Putin.

Mas a população em geral teria uma opinião muito mais abalizada se, como o mundo civilizado, tivesse analistas gabaritados especializados em explicar o que acontece no mundo para o Brasil.

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Assuntos:
Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas. É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs". Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV!, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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