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Equipe corona

O Banquete dos Urubus

Declaro aberta a temporada dos palanques de cadáver. É chegada a hora e a vez da União Nacional dos Carniceiros, a grande torcida organizada da Peste Chinesa

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Ontem chegou-me o print dos lamentos de Ronaldo Caiado diante da primeira baixa por coronavírus no Estado de Goiás. “Senhora de Luziânia, de 66 anos, hipertensa, com diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica, teve dengue recentemente”, descreve o Governador. Que Deus perdoe a boa senhora ao bater-Lhe à porta; e também a mim que, ao ler o informe, não contive o riso. O leitor não se escandalize nem me tome por insensível; vou explicar.

Ora, a minha avó sempre diz, e creio o diga consoante às avós de todo Brasil, que a morte só quer uma desculpa. Bem. Me parece, segundo a sabedoria vetusta e as qualificações de saúde da senhora defunta, que a morte já teria lá das suas razões para requerer-lhe o despacho, não precisando aguardar pelo advento do coronga. No entanto, segundo o perito Caiado, apesar de todo o quadro debilitante, é uma perda que deve ser jogada, indiscutivelmente, à conta do vírus.

Vá lá que segundo sua perspectiva a morte seja, ou espécie de menina travessa, sempre à cata da melhor peripécia, ou uma velha neurótica, cheia de escrúpulos e preferências toscas, que se emburra de teimosia senil se contrariados os seus gostos. Sendo assim, poder-se-ia dizer que a morte esperou pelo Covid, ou por simples capricho, ou por pura sacanagem.

Longe de achar que o Governador de Goiás ocupasse sua imaginação com especulações metafísicas, o que sequer conviria ao desempenho do nobre e venerando ofício político. Esses homens ilustres e práticos desprezam abstrações e trabalham somente com certezas fáticas. E eis a nova e inelutável certeza fática: toda morte que cheire a coronga, deverá ser atribuída ao coronga.

Por quê? Na verdade, troque a pergunta por: cui bono? A quem beneficia todo esse pavor orwelliano de morte e recessão econômica iminentes, ante uma guerra cujas causas, implicações e extensão poucos conhecem?

Basta observar se as instituições estão ganhando ou perdendo a sua respectiva moeda de troca. Os governadores estão ganhando ou perdendo poder? A mídia está ganhando ou perdendo audiência? Ambos me parecem ganhar. E como andam a conta bancária e o conforto da aristocracia e da alta burguesia do show business? Sem grandes danos, aparentemente; mas nada que o doce prazer de pôr o dedinho em riste para pontificar sobre os rumos morais do mundo não compense.

E o povo, o povo-povão, que antes trabalhava e, para poder comer, se abstinha de Netflix, iFood, etc? Agora, está sem iFood, sem Netflix, sem trabalho, e queira Deus que não lhes falte o pão de cada dia. Mas o nosso trabalhador é destemido e manso.

Trasanteontem, acho, o Presidente, num gesto de sua habitual truculência, violou as recomendações de saúde pública, e foi conversar com as pessoas na rua. Um vendedor de espetinho lhe disse: “Tem que trabalhar; é o jeito. Eu sei que é difícil, muita gente pode criticar, mas eu acho que a única forma da gente arrumar uma coisa pra família da gente é… assim, pelo menos uma vez na semana sair pra arrumar o sustento (…) Eu tenho filho, tenho neto, tudo mora comigo. (…) A morte tá aí, mas seja o que Deus quiser… Só num pode é ficar parado, com medo de morrer, que se não morrer da doença, vai morrer de fome…” O homem do churrasquinho, pelo visto, também exige a sua quota de certezas fáticas, a qual o Presidente parece lhe conceder de bom grado.

E exatamente em vista dessa saudável reciprocidade de tiozões que, além do reforço de autoridade com este pavor atmosférico, há um elo muito maior entre Estados, Mídia e Beautiful People: o ódio mortal ao Presidente da República, sendo tudo justificável na medida em que o seja para destroná-lo.

Como Jair Bolsonaro teve a audácia de questionar a quarentena, pagará caro. A partir de agora, todas as vítimas comprovadas da Peste Chinesa lhe serão jogadas às costas. E se forem poucas, não há problema: há cadáveres aos montes. E se, de fato, faltar o pão à mesa do vendedor de churrasco, também não há problema: culpa da leniência presidencial. E assim começa a União Nacional dos Carniceiros.

Por fim, um conforto aos corações apocalípticos. Quando questionado sobre onde se dará Sua segunda vinda, Nosso Senhor responde aos apóstolos: “Onde estiver o cadáver, ali se reunirão as águias”. O que temos, no entanto, sobre nossas cabeças, à espreita da morte, são urubus que, sequiosos de carniça, sobrevoam-nos na espera de um festivo banquete. Aprenderam, com os amigos revolucionários, que quanto maior a pilha de corpos, maior o palanque.

Assista às palestras no canal do Youtube do Instituto Borborema.

Leia os textos no Instagram @naotenhaismedo


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Caio Perozzo

Caio Perozzo é palestrante e professor de Literatura do Instituto Borborema. Escreve para o Senso e para a página @naotenhaismedo no Instagram.

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