A ONU, o zika e a eugenia
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Manchetes de jornais do mundo todo, do G1 ao Der Spiegel, falam que a epidemia mundial do vírus Zika aumentou o debate sobre o aborto. É fácil ler as mesmas notícias e perceber que o debate sobre o aborto diminuiu – trata-se, de fato, do avanço das conclusões prontas sobre o domínio do debate.
O principal comissário de Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra’ad Al Hussein, afirmou nessa sexta-feira (5) que os países com surtos de zika devem descriminalizar o aborto.
“As leis e as políticas que restringem acesso a esses serviços devem ser urgentemente revistas em consonância com os direitos humanos, a fim de garantir na prática o direito à saúde para todos”, disse ele em comunicado.
Onde está, afinal, o debate? O que é apresentado são as conclusões de uma pessoa, sem nem mesmo seus argumentos. Performances televisivas macaqueando um debate são transmitidas a posteriori, via de regra chamando-se celebridades para conversar com jornalistas que conversam com celebridades e dar a opiniões sem qualquer base algum substrato, como algo a ser respeitado por estar em local de destaque com pessoas reconhecíveis.
Quando se fala sobre o aborto como resposta ao vírus zika, como no Brasil o fez o global Dráuzio Varella nesta quarta-feira (3), a base da resposta é a idéia de que, se a mãe terá de suportar um filho com uma das doenças transmitidas pelo zika, ela tem o direito de abortar o filho caso ele ainda não tenha nascido.
Não se viu nenhuma especificação sobre o limite de semanas de gestação para se iniciar o processo. No Brasil, onde o zika está ligado a vários casos de microcefalia, já há vários casos registrados de grávidas com zika que realizaram aborto sem nem mesmo a confirmação de microcefalia.
Existe uma ordem de tom nas palavras e frases do vocabulário das discussões públicas que é seguida pela maioria da população inconscientemente, sem uma boa chance de percepção de como se dirige a discussão.
Um exemplo pode elucidar o caso – e ainda tratando do mesmo tema.
Na campanha presidencial de Hillary Clinton, uma das candidatas de esquerda na disputa presidencial americana, feministas apoiadoras da mulher cujo grande mérito é ter um marido que a traiu com Monica Lewinsky usaram o slogan “Keep abortion safe and legal” (mantenha o aborto seguro e legalizado). Seguro, naturalmente, refere-se à segurança da mãe, e não ao filho.
No Brasil, a esquerda que vai de Dilma Rousseff (que depois “mudou de idéia” quando se tornou candidata presidencial de fato) a Manuela D’Ávila ou Jean Wyllys (ou outro radical de extrema-esquerda menos lembrado como radical de extrema-esquerda: Dráuzio Varella) bradam que o aborto deve ser legalizado, pois quem “sofre” com o aborto ilegal são as mulheres pobres e negras.
O candidato a vice-presidente pelo PSOL em 2010, Hamilton Assis, no debate entre vices, não parou de repetir que o aborto deve ser legalizado, pois as mulheres que morrem com o aborto ilegal são as pobres e, sobretudo, as negras. Assis, naturalmente, não se referia às filhas abortadas. Ou seja: manter o aborto ilegal seria uma forma pouco velada de racismo – esta palavra de reação imediata.
O aborto é legalizado na América não por um debate público, por uma lei proposta por representantes do povo que os escolheram para defender aquela lei. O aborto é legalizado naquele sistema de Common law, de direito consuetudinário, por seguirem a famosa decisão da Suprema Corte Roe vs. Wade, de 1973, quando juízes da Suprema Corte praticaram ativismo judicial (ou seja: criaram uma lei, ou uma jurisprudência com força legisladora) para que casos envolvendo o aborto tivessem jurisprudência que optasse pela sua legalidade.
Isto é, não foi um processo de representantes do povo, de debate nacional, de satisfação do desejo popular. Pelo contrário, foi uma elite de burocratas (os juízes da Suprema Corte), não escolhidos pelo voto, que decidiram de estro próprio.
Se podem fazer isto com algo que é desejo de progressistas, mas sem apoio popular, como o aborto, deveria se abrir o verdadeiro debate sobre o que podem fazer via ativismo judicial com causas indesejáveis a progressistas (nem é preciso pensar em temas extremamente tabus como pena de morte ou posse de armas).
O primeiro problema: em Roe vs. Wade, tudo se iniciou por uma alegação de estupro, que posteriormente foi provada falsa. Toda a decisão da Suprema Corte, afinal, é baseada em um pastiche, um espalhafato, uma mentira factual.
O segundo e maior problema: a decisão mais famosa da Suprema Corte americana teve como princípio de aceitação popular o fato de que a população negra tinha muito mais filhos do que a parcela branca da população. Para manter a América majoritariamente branca, liberar o aborto, como nosso candidato psolista à vice-presidência parece confirmar, iria levar mais negras a abortar do que brancas.
Ou seja, a premissa de Hamilton Assis estava razoavelmente correta, mas o resultado que se pretendia era, justamente, prejudicar os negros. Parece difícil concluir que a premissa de Roe vs. Wade não seja, afinal, racista.
O que o político do PSOL não percebe (e não se pode acusá-lo de “fingir” não perceber – decididamente, ele é incapaz de perceber) é que a palavra tão temida, racismo, não vale apenas para o presente, focando-se nas mães negras. É ainda mais terrível ao se focar no futuro, em gerações e gerações de futuras crianças negras.
Contudo, uma pessoa como Hamilton Assis (ou Jean Wyllys, ou Manuela D’Ávila, ou Dráuzio Varella, ou todo o contingente de pregadores da descriminalização do aborto no Brasil e no mundo, sobretudo os que adoram sacar a carta das “mães pobres e negras”) não trata uma criança e, sobretudo, todo um legado de crianças como pessoas.
Vendo apenas a mãe como um ser humano, é fácil afirmar que impedir o aborto seria “racismo”, pois uma mãe rica (o que, no Brasil pós-Lula, virou uma espécie de sinônimo para “branca”) poderia pagar ilegalmente para retirar seu filho do ventre e jogá-lo num moedor de carne, enquanto uma mãe pobre (o que, idem e ibidem op. cit., virou sinônimo para “negra”) teria de se arriscar mais para o mesmo fito, colocando sua vida em risco para matar outra vida humana crescendo dentro de seu corpo.
Entretanto, não se pensa no feto como um ser humano. Como alguém portando direitos. Como se a mera proteção de nascituros e pessoas na barriga de suas mães fosse um obscurantismo religioso ultrapassado, pois fetos são ainda não-pessoas, algo que não merece direitos (muito menos “direitos humanos”, como o mostra o homem dos direitos humanos da ONU).
É exatamente o mesmo argumento que permitiu a escravidão por tantos séculos após a consolidação de leis avançadíssimas que usamos até hoje: aqueles não eram humanos. Os negros do futuro não são humanos. A lei deve proteger apenas pessoas já fortinhas e capazes de palpitar em um programa de TV ou influenciar o Congresso, e não os fracos e oprimidos – sobretudo os seres humanos mais fracos e oprimidos, aqueles ainda na barriga de suas mães.
Apenas se traduza o tom do que se diz – e use as palavras de obediência social imediata, como “racismo” – e será suficiente para causar um incômodo gritante na esquerda progressista ao defender sua causa com uma simples mudança de palavras, mas de conteúdo idêntico.
Afinal, como ficaria o argumento de que o aborto deve ser legalizado, pois os negros estão tendo muitos filhos, e é importante que mães negras possam abortar para termos menos negros no futuro? Será que um psolista como Hamilton Assis, que é negro e usa da mesmíssima premissa, defenderia quem diz isto, andaria do lado e pediria votos para tal pessoa?
Se o critério é a cor de pele ou doenças e “inferioridades” dos fetos (e transtornos para os pais), por que o aborto é tão defendido como se houvera um debate, mas a pena de morte não pode nem ser cogitada? Por que se deve punir com a morte bebês, sobretudo com deficiências e negros, que não fizeram nada contra ninguém, mas não se deve usar um princípio muito mais sólido (a punição efetiva e justa, o desincentivo ao assassinato) nem mesmo como premissa em uma discussão? Por que aí a preocupação se tornaria, justamente, as vidas de incapazes e negros?
O nazismo, com orgulho de sua “raça” supostamente “pura” (seu genético “azinho-azinho”), pregava métodos de controle populacional dos negros, judeus e “raças” ditas “inferiores”, com argumentos que, o tempora, o mores, são simplesmente idênticos aos dos progressistas.
Como hoje tratam a forma mais indefesa de seres humanos como não humanos, são os próprios progressistas que pregam o que os nazistas faziam. E chamam de nazistas quem protege bebês negros.
Ou Hamilton Assis, feministas, esquerdistas e progressistas protegem tais bebês? Qual o maior risco para a vida de bebês negros do que a esquerda e suas políticas?
Se é para abortar os filhos com microcefalia, como prega a ONU, o critério do chamado “debate” é simplesmente o “defeito” do filho. Se se descobrir que ele tiver qualquer dificuldade – de síndrome de Down a dificuldade de falar ou andar, de obesidade a propensão às drogas e a ler o blog da Cynara Menezes – já se tem um motivo para abortá-lo.
Já não há mais nem o debate sobre onde se começa a vida, sobre a continuidade do ser humano desde sua primeira formação celular, sobre os direitos de humanos nascerem em segurança. A eugenia ativa, a crença de que apenas “seres superiores” devem nascer, possuindo direitos que as categorias gama, delta, épsolon e dzeta não possuem, volta com força total. Com efeito, o nazismo deixou resquícios que precisam ser entendidos, sobretudo entre aqueles que mais juram combater o totalitarismo nazista.
Se os métodos avançarem, e a esquerda, que pensa apenas por slogans e palavras de obediência imediata, como “racismo” (ou “desigualdade” ou “exploração”, sem nunca defini-las a contento), mesmo promovendo o mesmo que acusam, vai pensar o que se pais desejarem abortar um filho (ou um “feto”) se ele for menina e preferirem um menino?
Se descobrirem, como a própria esquerda defende, que ser homossexual não é uma escolha, mas uma predisposição genética, os pais poderão preferir abortar filhos gays? Isto será feminismo ou homofobia?
Se a escolha não for mais por uma doença transmitida por um vírus, mas alargada a todas as doenças? Se os pais simplesmente não quiserem acordar à noite para acudir um filho com rinite, poderão preferir abortar até ter um filho saudável?
Poder-se-á abortar até a garantia de se ter um filho loiro e de olhos azuis, esta recessividade genética absoluta?
Only the good die young
All the evil seem to live forever
As definições, os conceitos, os métodos e até mesmo as intenções da ONU e sua gangue de ONGs e palpiteiros mundiais trata com a maior naturalidade a pregação da morte por se preferir os “mais capazes”. Bastaria trocar a verborréia sobre “microcefalia” por seu antônimo, os “mais desenvolvidos”, e ver-se-ia como a esquerda reagiria ao seu próprio discurso.
Por ser incapaz de pensar fora de suas palavras sentimentalistas, que exigem obediência incondicional, integral e imediata até mesmo do agente falante, a esquerda é escrava de uma conceitualística que nunca a permite enxergar a realidade e as conseqüências do que ela mesma prega. Uma diferença gritante do candidato presidencial republicano Dr. Ben Carson, neurocirurgião e cristão ultra-praticante (e, portanto, defensor da vida dos fracos, ao contrário do culto feminista a Moloch), envidando seus melhores esforços para separar gêmeos siameses. Que futuro teriam eles nas mãos da esquerda?
Encabrestados por palavras de forte apelo emocional, como racismo, nazismo, feminismo, homofobia, aborto ou outros shibboleths e palavras de ordem do momento, o esquerdista apenas obedece a chamados e gritos de ordem, sem raciocinar sobre a realidade – que está em níveis muito mais avançados do que seu palavreado permite ver.
Toda a sua capacidade de argumentação fica restrita a gritar e obedecer tais gritos de guerra, mantendo-o muito aquém de um nível de consciência, percepção, argumentação e noção de realidade sobre até mesmo seu próprio discurso, que dirá o funcionamento do mundo concreto.
A naturalidade do suposto “debate” mostra a que pé anda o Ocidente. E, presos a um “pensamento” cuja maior autoridade é um Dráuzio Varella ou alguma atriz decadente conversando com alguma jornalista oca em algum talk show de TV a cabo no meio da tarde, não é de se esperar um futuro melhor do que o que tiveram os “progressistas” da Alemanha em 1933.
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